sábado, 31 de outubro de 2009

Resumo 20 – Sistemas de Governo

IV – Estado e Governo

8. Sistemas de Governo – (Parlamentarismo e Presidencialismo)


Introdução – Sistema de governo diz respeito ao modo de funcionamento e à relação entre poderes Executivo e Legislativo. Separação bem marcada (ênfase na independência dos Poderes): Presidencialismo. Estreita cooperação (ênfase na harmonia entre os Poderes): Parlamentarismo.

8.1. Parlamentarismo


“O parlamentarismo educaria os partidos e os partidos educariam o povo” (Paulo Bonavides)


Formação histórica – O Parlamentarismo foi implantando gradualmente na Inglaterra, fruto da evolução dos costumes políticos ingleses. Essa evolução está ligada à história do Parlamento Inglês (Poder Legislativo, formado por duas Casas que representam a nobreza e o povo).
Principais fatos históricos:
• 1213: criação do Conselho Privado (grupo de nobres que aconselhavam o rei) por João Sem Terra
• 1215: assinatura da Magna Carta, em que o rei aceita submeter a cobrança de impostos aos representantes do povo (nobres, clérigos e burgueses)
• 1265: criação do Parlamento (casa dos representantes do povo), após uma revolta de nobres chefiados por Simon de Monfort
• 1295, oficialização do Parlamento por Eduardo I
• 1332: separação do Parlamento em duas Casas (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns)
• 1688/89: Revolução Gloriosa, prevalência do Parlamento sobre a Coroa e criação do Gabinete (Conselho de Ministros)
• 1714: assunção do príncipe alemão Jorge de Hanover como rei e de Lord Walpole como “primeiro ministro”; o rei deixa de ir ao Parlamento e começa a se afastar das decisões políticas; separação da Chefia de Estado (rei) da Chefia de Governo (primeiro-ministro)
• 1782: demissão do primeiro-ministro Lord North por pressão do Parlamento; exigência da concordância da Câmara dos Comuns para a nomeação do Primeiro-Ministro; surgimento da responsabilidade política;
• Século XIX: praxe de o primeiro-ministro ser escolhido pelo partido majoritário na Câmara dos Comuns; enfraquecimento da Câmara dos Lordes; consolidação do Parlamentarismo.
Características principais – Distinção entre Chefe de Estado (rei ou presidente da República, este normalmente eleito indiretamente e para um mandato longo) e Chefe de Governo (primeiro-ministro, também chamado de chanceler ou premiê, líder da maioria no Parlamento, sem mandato fixo); Chefia do Governo com responsabilidade política (responsabilidade solidária com o Gabinete); necessidade de manutenção da liderança e da maioria parlamentar, voto de confiança e de desconfiança; possibilidade de dissolução do Parlamento em casos de perda da maioria, com a convocação de novas eleições. Outras: importância da oposição (shadow cabinet), interpelações e prestações de contas constantes perante o Parlamento, importância da opinião pública, fair play.
Espécies – Parlamentarismo monista (Chefe de Estado sem atribuições políticas, figura simbólica) e Parlamentarismo dualista (ou clássico: Chefe de Estado com algumas atribuições políticas, Primeiro-Ministro depende também da sua confiança). O sistema francês (ou “semi-presidencialismo”): Chefe de Estado (Presidente) com muitas atribuições políticas e de governo.
Parlamentarismo no Brasil – 2º. Reinado e 1961/63. O plebiscito de 1993.
Prós e contras – Prós: racionalização do poder, menos personalista; valorização do debate político, importância da opinião pública. Contras: fragilidade e instabilidade.
Conclusões – “Sua fraqueza é sua força”, porque tem mecanismos racionais de resolução das crises, sem revoluções, sem traumas e sem quebra da legalidade. “Respeito à opinião pública” (Sahid Maluf). “Educa os partidos e os partidos educam o povo” (Bonavides).


8.2. Presidencialismo

“O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo (...) o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimes” (Ruy Barbosa).

Introdução – No sistema presidencialista, a relação entre os Podres Executivo e Legislativo é marcada pela ênfase na independência entre esses poderes, enquanto no Parlamentarismo a ênfase é na harmonia.
Origem – Introduzido pela Constituição norte-americana de 1787, sob a influência da teoria da separação de poderes de Montesquieu e da repulsa à monarquia inglesa. Dali espalhou-se para os demais Estados das Américas.
Características – a) Chefia de Estado e de Governo exercidas pela mesma pessoa (Presidente da República); b) Chefia unipessoal do Executivo (ministros são meros auxiliares do Presidente, sem responsabilidade política perante o Parlamento); c) Eletividade do Presidente (eleições diretas ou indiretas); d) Presidente tem mandato com prazo determinado (não tem responsabilidade política, responde apenas por crime político através do impeachment, pode ser reeleito, mas com limites); e) Presidente tem poder de veto e, em muitos casos, iniciativa de lei (aplicação do sistema de freios e contrapesos)
Prós e Contras – Prós: estabilidade do governo, fortalecimento e independência do Poder Executivo. Contras: falta de responsabilidade política do presidente, problemas no relacionamento com o Legislativo, personalismo, o “caudilho” latino-americano. Só funciona bem nos EUA.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 126 a 133.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Caps. XLIII e XLIV. Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 21 e 22. Marcelo Caetano, Direito Constitucional, Forense, Parte I, Cap. I. Winston Churchill, História dos povos de língua inglesa, Vol. 3, Livro VIII.
Filme: “As Loucuras do Rei George” (The Madness of King George – Inglaterra, 1994).

Resumo 19 – Formas de Governo

IV – Estado e Governo


7. Formas de Governo (Monarquia e República)


“Enforcai o último rei com as tripas do último padre” (DENIS DIDEROT, filósofo iluminista francês, 1713-1784)

Classificações: Os autores divergem, mas as denominações mais usuais e compatíveis com a Constituição brasileira são: Regime político (modo de exercício do poder): Democracia e Autocracia. Forma de governo (estrutura e modo de acesso ao governo): Monarquia e República. Sistema de governo (relação entre os poderes Legislativo e Executivo): Parlamentarismo e Presidencialismo. Forma de Estado (centralização ou descentralização política): Estado unitário e Estado federal.
Teorias clássicas sobre as formas de governo: Aristóteles: monarquia, aristocracia e democracia, que podem degenerar em tirania, oligarquia e demagogia. Cícero: governo misto (combinação entre monarquia, aristocracia e democracia). Maquiavel: a teoria dos ciclos e repúblicas e principados. Montesquieu (três formas, cada uma com sua natureza e seu princípio e adequada à geografia do país): República, dividida em Democracia e Aristocracia (governo popular, de alguns ou de muitos; baseada na virtude política; própria de Estados pequenos); Monarquia (governo de um só, com leis fixas e estabelecidas; baseada na honra; própria de Estados médios). Despotismo (governo de um só, baseado na vontade do déspota; baseado no medo; próprio de Estados grandes).
Formas de governo atuais: Atualmente, a maioria dos autores considera haver apenas duas formas básicas de governo: Monarquia e República.
Monarquia: Histórico (monarquias antigas e modernas). Características: vitaliciedade, hereditariedade, irresponsabilidade. Vantagens e desvantagens.
Monarquias constitucionais: São monarquias nas quais o poder do monarca foi sendo diminuído até que lhe restou apenas o cargo simbólico de Chefe de Estado. São normalmente combinadas com o sistema parlamentarista, com características republicanas, em que a Chefia de Governo é exercida por um primeiro-ministro. É a única espécie de monarquia considerada compatível com a democracia. Ex: Inglaterra, Espanha, Dinamarca, Suécia etc.
República: Histórico: a Res Publica romana. Características: temporariedade, eletividade, responsabilidade.
O Princípio Republicano: Alternância no poder, separação entre Igreja e Estado, ética na política, respeito à coisa pública, impessoalidade, moderação, frugalidade, transparência, accountability. Grandes inimigos: patrimonialismo e corrupção.
República x Democracia: “A República é o que nos faz respeitar o bem comum. A Democracia é o que nos faz construir uma sociedade da qual esperamos nosso bem. Na Democracia, desejamos ter e ser mais. Com a República, aprendemos a conter nossos desejos. Há uma tensão forte entre esses dois princípios, mas um não vive sem o outro”
“Não há política digna de seu nome, hoje, que não seja democrática e republicana. Mas há uma tensão entre esses dois ideais. A república é o regime no qual prevalece o bem comum, o que exige o sacrifício ou a contenção dos desejos e interesses privados. Já a força da democracia, hoje, e seu caráter popular estão justamente no fato de que ela mobiliza o desejo de ter mais – e sobretudo o desejo de ser mais”

(Renato Janine Ribeiro)


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 121 a 125.
Leituras complementares: Montesquieu, O espírito das leis. Renato Janine Ribeiro, A República (coleção “Folha Explica”, ed. Publifolha).

Resumo 18 – Sistemas Eleitorais

IV – Estado e Governo

7. Sistemas Eleitorais


“A vontade do povo significa, na prática, a vontade do maior número ou da parte mais ativa do povo, da maioria ou daqueles que conseguem se fazer aceitos como a maioria; conseqüentemente, o povo pode desejar oprimir uma parte de seu número, e são necessárias tantas precauções contra isto como contra qualquer outro abuso do poder” (J. Stuart Mill, Sobre a Liberdade, 1859)


Definição: “conjunto de regras que define como, em uma determinada eleição, o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos (ou como se transformam votos em poder)” (Jairo Nicolau)
Objetivo: Através dos sistemas eleitorais, busca-se assegurar a autenticidade da representação. Procura-se, por meio dos diversos sistemas, encontrar a melhor forma de organizar a escolha de candidatos e contabilizar os votos, de modo a que o resultado das eleições corresponda à vontade popular, realizando, assim, um postulado da democracia.
Sistema Majoritário – Quem obtém mais votos é eleito. Pode exigir maioria simples (maior número de votos entre os candidatos) ou maioria absoluta (mais da metade dos votos, que pode ser obtida em primeiro ou segundo turno de votação). Utilizado no sistema Presidencialista para a eleição do chefe do Executivo (Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito).
Conseqüências do Sistema Majoritário – O sistema de maioria simples tende ao bipartidarismo e forma governos mais homogêneos, com maioria mais clara e programa mais definido. Os partidos pequenos tendem a enfraquecer, porque não têm força para lançar candidatos próprios. O sistema de maioria absoluta (turno duplo, se necessário) favorece o pluripartidarismo e forma governos de coalizão, pois os partidos preferem lançar candidatos próprios no primeiro turno e deixar as coalizões para o segundo.
Sistema Distrital – Utilizado para a eleição dos membros do Poder Legislativo (órgãos colegiados: Câmara de Vereadores, Assembléia Legislativa e Câmara dos Deputados). Divide-se a circunscrição (cidade, Estado ou País) em distritos, em número correspondente ao de cadeiras no parlamento, e, em cada um deles, realiza-se uma eleição pelo sistema majoritário. Normalmente, cada distrito elege apenas um representante. Ex: Inglaterra e EUA.
Conseqüências do Sistema Distrital – As mesmas do sistema majoritário. Aspectos positivos: aproximação entre o eleitor e o representante e barateamento das campanhas. Aspectos negativos: facilitação do clientelismo, possibilidade de formação de “currais eleitorais”, sub-representação das minorias e possibilidade de manipulação do desenho dos distritos (gerrymandering)
Sistema Proporcional – Criado na Bélgica, em 1900, sob a inspiração de Mirabeau e Stuart Mill. Possibilita a representação de minorias e correntes de opinião diversas no Poder Legislativo. A eleição é feita em toda a circunscrição e não por distritos. Basicamente, cada partido elege, para o Legislativo, número de representantes proporcional votação obtida. Ex.: 20% dos votos = 20% das cadeiras.
Cálculo da representação proporcional: Divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher = quociente eleitoral (QE); divide-se a votação do partido (ou coligação) pelo quociente eleitoral (QE) = quociente partidário (QP). QP será número de cadeiras a que o partido (ou coligação) tem direito. Se houver sobras, as vagas restantes são preenchidas pelo sistema da maior média (repete-se a operação, adicionado-se 1 ao QE).
Exemplo: numa cidade com 100.000 votos válidos e 20 vagas para vereador, o QE é 5.000 (são precisos 5.000 votos para o partido conquistar uma cadeira na Câmara de Vereadores). Se o Partido A obteve 20.000 votos, seu QP é 4: terá direito a 4 cadeiras. Se o Partido B teve 10.000 votos, seu QP é 2: terá direito a 2 cadeiras. Se o Partido C teve 4.000 votos, não terá direito a cadeira, pois não atingiu o QE.
Preenchimento das vagas no sistema proporcional. Lista aberta, as vagas de cada partido são preenchidas pelos candidatos mais votados, por ordem de votação. Lista fechada, o partido apresenta previamente uma lista, com a ordem de preferência dos candidatos, preenchendo as vagas conquistadas segundo essa ordem.
Conseqüências do Sistema Proporcional – representação das minorias, favorecendo o pluralismo político; pluripartidarismo, às vezes com multiplicação excessiva de partidos, o que tem levado ao estabelecimento de cláusulas de barreira (requisitos mínimos para que um partido possa eleger representantes); candidatos de um partido com grande votação ou com um “puxador de votos” (ex. Clodovil em 2006) podem ser eleitos com um número de votos menor do que candidatos mais votados de outros partidos.
Sistema Distrital Misto – Utilizado para as eleições no Poder Legislativo (menos o Senado). Metade dos representantes é eleita pelo sistema distrital e metade pelo sistema proporcional. O eleitor dá dois votos: um no seu distrito e outro na circunscrição. Utilizado na Alemanha e proposto para o Brasil.
Os sistemas adotados no Brasil: Chefia do Executivo (Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito): majoritário (maioria absoluta, turno duplo se necessário). Maioria simples para municípios com menos de 200 mil eleitores. Senado: majoritário: maioria simples. Legislativos (Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmara de Vereadores): proporcional com lista aberta.
A reforma política – Propostas: sistema distrital misto, lista fechada etc. – vantagens e desvantagens

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, 101 a 103.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 17. Jairo Nicolau, Sistemas eleitorais, ed. FGV. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Título V, Cap. II, n. 18.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ATENÇÃO 1º DIURNO E NOTURNO

TRABALHO PARA A DISCIPLINA CIÊNCIA POLÍTICA


•Os alunos do primeiro ano diurno e noturno e em dependência/adaptação na disciplina Ciência Política, interessados em melhorar a nota do 1º. semestre, deverão assistir ao filme “A Onda” (The Wave/Die Welle, 2008) e entregar no NPJ da Faculdade um trabalho sobre o assunto até o dia 22 de outubro de 2009(nova data), para acrescer até um (01) ponto na média do 1º. semestre.
• O trabalho deverá ser manuscrito e conter, além da identificação e assinatura do aluno, o seguinte:
• Em no máximo uma folha e no mínimo 20 linhas, um resumo do filme, seu assunto principal e a opinião pessoal do aluno sobre o tema tratado.
• Além de acrescer um ponto na média do 1º semestre, o filme será objeto de uma pergunta na prova do 2º semestre.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Resumo 17 – Sufrágio

IV – Estado e Governo

6. O Sufrágio

“Nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem o seu consentimento" (Abraham Lincoln)


Formas de escolha de governantes: força física, sorteio, sucessão hereditária, sufrágio (voto – próprio da democracia moderna)
Definição: direito público subjetivo (exercido na esfera pública para fins públicos) de participar das decisões políticas, votando (sufrágio ativo) ou sendo votado (sufrágio passivo). Utilizado tanto para a escolha de representantes (democracia representativa) como para a expressão direta da vontade popular (democracia semidireta: plebiscito e referendo).
Natureza do sufrágio: direito ou obrigação? Na democracia, o sufrágio é fundamentalmente um direito público subjetivo, mas há quem entenda que, devido à necessidade de se escolher representantes e de se saber qual é a vontade do povo, é também uma função do cidadão, e, portanto, um dever, como o serviço militar e o tribunal do júri, o que justificaria a sua obrigatoriedade, pelo menos na forma ativa.
Extensão: sufrágio restrito e sufrágio universal (único compatível com a atual idéia de democracia – não significa ausência total de restrições, mas sim ausência de restrições discriminatórias ou injustificáveis)
Restrições ao sufrágio: a) incompatíveis com o sufrágio universal: racial (judeus na Alemanha nazista, negros no sul dos EUA até a década de 60), sexo (o sufrágio feminino), condição econômica (sufrágio censitário), condição intelectual (sufrágio capacitário, o voto do analfabeto); b) compatíveis com o sufrágio universal: nacionalidade, idade, condição mental, condenação judicial (a questão da “ficha suja”), engajamento militar.
Modo de exercício: sufrágio (voto) aberto e sufrágio (voto) secreto. Sufrágio múltiplo e sufrágio com valor igual para todos (one man, one vote). Sufrágio direto (Brasil, as “Diretas Já”) e indireto (a eleição presidencial nos EUA).
O sufrágio no Brasil: Império e República Velha: voto censitário, coronelismo, voto de cabresto, curral eleitoral, fraudes etc. A Revolução de 30: título eleitoral, cédula oficial, voto secreto. A urna eletrônica.
• As fraudes na Flórida na eleição de Bush em 2000 (v. Michael Moore).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 97 a 100.
Leitura complementar: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 16. Jairo Nicolau, História do voto no Brasil. Michael Moore, Stupid white men.
• Filme: Mississipi em Chamas (Mississipi Burning )

Dalmo Dallari comenta a crise em Honduras

O fundamento legal omitido

Por Dalmo de Abreu Dallari em 30/9/2009

Quando a imprensa afirma que um ato de autoridade foi inconstitucional ou ilegal deve apontar qual o artigo da Constituição ou da lei que foi desrespeitado, para permitir aos destinatários da notícia sua própria avaliação e uma possível reação bem fundamentada. De modo geral a ofensa à Constituição e às leis é sempre grave, num Estado Democrático de Direito. A par disso, toda a cidadania tem o direito de controlar a legalidade dos atos das autoridades públicas e para tanto precisa estar bem informada.

Um caso atual e patente de imprecisão nas informações está dificultando ou distorcendo a avaliação dos acontecimentos de Honduras. Grande parte da imprensa brasileira apresenta o presidente deposto Manuel Zelaya como vítima inocente de golpistas, mas quase nada tem sido informado sobre os aspectos jurídicos do caso.
Uma omissão importante, que vem impedindo uma avaliação bem fundamentada dos acontecimentos, é o fato de não ter sido publicada pela imprensa a fundamentação constitucional precisa da deposição de Zelaya, falando-se genericamente em "golpistas" sem informar quem decidiu tirá-lo da presidência, por que motivo e com qual fundamento jurídico. Esses elementos são indispensáveis para a correta avaliação dos fatos.

Alternância obrigatória

Com efeito, noticiou a imprensa que a Suprema Corte de Honduras ordenou que o Exército destituísse o presidente da República. É surpreendente e suscita muitas indagações a notícia de que ele foi deposto pelo Exército por ordem da Suprema Corte. Pode parecer estranha a obediência do Exército ao Judiciário para a execução de tarefa que afeta gravemente a ordem política, o que, desde logo, recomenda um exame mais cuidadoso das circunstâncias, para constatar se o que ocorreu em Honduras foi mais um caso de golpe de Estado.

É necessária uma análise atenta, para saber de onde vem a força da Suprema Corte para ordenar a deposição de um presidente eleito e ser obedecida pelo Exército. A par disso, é importante procurar saber por que motivo e com que base jurídica a Suprema Corte tomou sua decisão e ordenou ao Exército que a executasse.
Segundo o noticiário dos jornais, o presidente deposto havia organizado um plebiscito, consultando o povo sobre sua pretensão de mudar a Constituição para que fosse possível a reeleição do presidente da República, sendo oportuno observar que este seria o último ano do mandato presidencial de Zelaya.

Ora, está em vigor em Honduras uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, proibindo consultas populares 180 dias antes e depois das eleições – e estas estão convocadas para o mês de novembro. Foi com base nessa proibição que a consulta montada por Zelaya foi declarada ilegal pelo Poder Judiciário.

Um dado que deve ser ressaltado é que a Constituição de Honduras estabelece expressamente, no artigo 4º, que a alternância no exercício da Presidência da República é obrigatória. Pelo artigo 237 o mandato presidencial é de quatro anos, dispondo o artigo 239 que o cidadão que tiver desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente no período imediato.

Informações incompletas

Outro ponto de extrema relevância é que a Constituição hondurenha não se limita a estabelecer a proibição de reeleição, mas vai mais longe. No mesmo artigo 239, que proíbe a reeleição, está expresso que quem contrariar essa disposição ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apóiem direta ou indiretamente, cessarão imediatamente o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública.

Reforçando essa proibição, dispõe ainda a Constituição, no artigo 374, que não poderão ser reformados, em caso algum, os artigos constitucionais que se referem à proibição de ser novamente presidente. Essa é uma cláusula pétrea da Constituição.
Foi com base nesses dispositivos expressos da Constituição que a Suprema Corte considerou inconstitucional a consulta convocada pelo presidente da República e fez aplicação do disposto no artigo 239, afastando-o do cargo.

Note-se que a Constituição é omissa quanto ao processo formal para esse afastamento, o que deve ter contribuído para um procedimento desastrado na hora da execução. Tendo em conta que o respeito à Constituição é fundamental para a existência do Estado Democrático de Direito, não há dúvida de que Zelaya estava atentando contra a normalidade jurídica e a democracia em Honduras. A falta de informações completas e precisas sobre a configuração jurídica está contribuindo para conclusões apressadas que desfiguram a realidade.

Fonte: Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=557IMQ011