segunda-feira, 29 de março de 2010

Resumo 10 - Elementos do Estado - Povo

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno (continuação)

3.2. Povo


“Os nazistas começaram a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração; e, antes de acionarem as câmaras de gás, haviam apalpado cuidadosamente o terreno e verificado, para a sua satisfação, que nenhum país reclamava aquela gente. O importante é que se criou uma condição de completa privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado” (Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, p. 329).


Introdução. Povo é o elemento humano do Estado, composto pelos cidadãos. É o conjunto de pessoas que mantêm um vínculo jurídico-político com o Estado. Segundo Kelsen, é o âmbito pessoal de validade da ordem jurídica estatal. É um conceito jurídico, que não se confunde com população nem com nação.

Não se confundem com povo:

População. Conceito meramente demográfico: é o conjunto de pessoas que habitam o Estado, independentemente de serem ou não cidadãs, incluindo, assim, os estrangeiros e apátridas.
Nação. Conceito político, de fundo cultural e sociológico: “grupo humano no qual os indivíduos se sentem mutuamente unidos, por laços tanto materiais como espirituais, bem como conscientes daquilo que os distingue dos indivíduos componentes de outros grupos nacionais” (Hauriou).
• O conceito de nação foi utilizado para estimular o sentimento popular em favor da unificação quando da formação dos Estados Modernos, também chamados de Estados Nacionais. Mas trata-se de um conceito impreciso, havendo uma grande dificuldade de se saber o que qualifica um grupo humano como nação (“raça”, língua, religião, costumes?).
• Segundo alguns autores, trata-se de um mito romântico, sem base histórica. Para Dallari, nação é uma criação artificial, com forte conotação emocional. Segundo Carl Deutsch, “uma nação é um grupo de pessoas unidas por um erro comum acerca de seus antepassados e um desgosto comum por seus vizinhos”.
• Já para Miguel Reale, a nação é uma realidade histórica, o mais alto grau de integração social. Segundo Del Vecchio, Estados que não correspondem a uma nação são Estados imperfeitos.
• Segundo Burdeau, nos primeiros Estados Modernos a nação fez o Estado, mas nos mais novos o Estado deve fazer a nação.
• No final do século XIX e início do século XX, houve exacerbação e deturpação do nacionalismo, gerando o colonialismo, o racismo e o nazismo
• Há nações sem Estado (judeus antes de 1948, curdos, palestinos, tibetanos etc.) e Estados sem nação (o Brasil em 1822 e talvez até hoje, o Vaticano etc.).
• O fato é que Estado não se confunde com nação e não depende dela para existir.
Para a Ciência Política e a Teoria Geral do Estado, o elemento pessoal do Estado é o povo, e não a população ou a nação.

O povo na história. Nos Estados Antigos, não havia povo propriamente dito, mas apenas súditos. Na Grécia, o povo era o conjunto de cidadãos, sendo estes apenas os que possuíam direitos políticos. O mesmo ocorria em Roma. Na Idade Média o conceito era impreciso, pois o poder político estava disperso e muitas vezes superposto. No Estado Moderno, o poder político é centralizado e unificado, identificando-se precisamente o povo de cada Estado. Com o contratualismo, o povo passa a ser visto como o titular do poder soberano. Sob a influência de autores como Marsílio de Pádua e Rousseau, passa-se de uma noção aristocrática para uma noção democrática de povo, estendendo-se os direitos políticos a camadas cada vez maiores da população.

Conceito jurídico de povo. Segundo Jellinek, povo é o conjunto de pessoas ligadas ao Estado por um vínculo jurídico permanente que lhes confere os direitos públicos subjetivos. O povo, como elemento formador do Estado e a este ligado por um vínculo jurídico, é ao mesmo tempo sujeito e objeto do poder. Sob o aspecto subjetivo, o povo participa do poder do Estado, age, é sujeito de direitos. Sob o aspecto objetivo, o povo esta submetido ao poder do Estado, tem deveres, é súdito.

Direitos públicos subjetivos. Segundo Jellinek, como conseqüência do reconhecimento do vínculo jurídico do povo com o Estado, surgem três tipos de obrigações deste em relação aos cidadãos. São os direitos públicos subjetivos.
Atitudes negativas: estabelecem limites ao poder do Estado em sua relação com os cidadãos; são os direitos individuais, principalmente os vários aspectos da liberdade (liberdade de locomoção, de crença, de expressão etc.)
Atitudes positivas: estabelecem obrigações do Estado para com os indivíduos, como, por exemplo, a obrigação de proteção aos cidadãos, o direito de ação perante o Judiciário e os direitos sociais (saúde, educação, previdência social etc.)
Atitudes de reconhecimento: estabelecem a obrigação de reconhecer a participação dos cidadãos como órgãos do Estado, seja agindo em nome deste, seja contribuindo para a formação da sua vontade, expressa pela lei e pelas decisões políticas.


Conceito restrito de cidadania. Muitos autores (Celso Bastos, José Afonso da Silva etc.) consideram que cidadão é apenas quem possui direitos políticos. Com isso, o povo seria composto apenas pelos eleitores. Os não-eleitores seriam apenas nacionais, mas não cidadãos. A Constituição brasileira faz essa distinção, chamando os brasileiros de nacionais.

Conceito amplo de cidadania. Segundo Jellinek e Dallari, todos os nacionais são também cidadãos e, portanto, membros do povo. Apenas a cidadania ativa (votar e ser votado) depende da aquisição de direitos políticos. Embora minoritária, preferimos esta corrente, pois ela não exclui do conceito de cidadão (e, portanto, do povo), os menores de 16 anos e os que estão privados dos direitos políticos (condenados criminalmente, incapazes etc.)

A lição de Hannah Arendt. Filósofa alemã de origem judia, Hannah Arendt (1906-1975) migrou para os EUA devido à perseguição nazista aos judeus na Europa. Lá lecionou em universidades e publicou vários livros sobre política. Para ela, a política deveria ser considerada a atividade mais nobre do ser humano. Na obra Origens do totalitarismo, observando a situação de cerca 100 milhões de europeus que ficaram desprotegidos porque não tinham ou perderam a cidadania em conseqüência das duas guerras mundiais, ela chega à conclusão de que a cidadania, ou seja, o pertencimento ao povo de um Estado é o direito básico do ser humano, que ela chamou de “direito a ter direitos”. Sem esse direito básico, a pessoa fica desprotegida e todos os seus direitos, até mesmo o direito à vida, ficam ameaçados.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 44 a 47, e Capítulo III, itens 68 a 71.

Leituras complementares: Celso Ribeiro Bastos, Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. V. Jellinek, Teoría General del Estado, Livro III, Cap. 13, item II. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, Parte II, Cap. 5.

Resumo 9 - Elementos do Estado - Território

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno

3.1 Território


“Nenhum povo teria pátria se tivesse que devolver as terras que tomou” (Cícero, Da República)

Introdução. Com a formação dos Estados Modernos, foram delimitadas as fronteiras entre os Estados e, dentro delas, passou a vigorar um único poder soberano. Essa base geográfica do poder é o território. No mundo antigo e na Idade Média não havia preocupação com o território. Somente com o Estado Moderno é que o território passou a ser considerado como elemento essencial do Estado. Isso significa que, hoje, não há Estado sem território.

Natureza jurídica do território. Conforme Paulo Bonavides, há quatro teorias para explicar a natureza jurídica do território:

território-patrimônio: segundo essa teoria, o território seria propriedade (dominium) do Estado. É uma concepção medieval, pois nessa época os senhores e os reis eram considerados proprietários de seus domínios. Essa concepção foi superada, pois conflita com a noção de propriedade privada.
território-objeto: segundo essa teoria, o Estado exerceria um direito real de caráter público, chamado domínio eminente, sobre o território. Esse direito poderia ser combinado com o domínio útil exercido pelo cidadão. Essa teoria também foi descartada porque não se admitem dois direitos de propriedade sobre a mesma coisa.
território-espaço: Segundo Jellinek, o poder que o Estado exerce sobre o território é um poder exercido sobre pessoas, ou seja, de imperium. Esse poder difere do exercido sobre coisas, que é o dominium. Assim, o poder do Estado sobre o território seria decorrência de seu poder sobre as pessoas que nele vivem. Essa teoria tem dificuldade para explicar o poder exercido sobre áreas desabitadas do Estado.
território-competência: Segundo Hans Kelsen, o território é o âmbito espacial de validade da ordem jurídica estatal, ou seja, o espaço físico no qual vigora o poder soberano de um Estado, com exclusão dos outros. É a teoria mais aceita atualmente.

Limites do território. Nos limites do território somente um Estado pode agir soberanamente, pois não se a admite a convivência de duas soberanias no mesmo território. Os limites do território delimitam até onde vai a soberania de um Estado e onde começa a do outro. O princípio da impenetrabilidade proíbe a violação do território de um Estado. Os limites do território abrangem a porção de terra, o mar territorial, o espaço aéreo e o subsolo sob o poder de um Estado.
Fronteiras geográficas. As fronteiras geográficas são limites estabelecidos internacionalmente, determinados por acidentes geográficos (rios, montanhas etc.) ou por uma linha imaginária, separando os Estados.
Mar territorial. É uma faixa de mar do litoral correspondente ao território do Estado, sobre a qual este exerce soberania. Tradicionalmente, o mar territorial servia para fins de defesa, estabelecendo-se o seu limite segundo a potência dos canhões dos navios. Mais tarde, o Direito Internacional consagrou o limite de 3 milhas. Alguns Estados pretenderam estender o mar territorial para 12 e depois para 200 milhas, o que não foi aceito pela comunidade internacional por ferir o princípio da liberdade dos mares. Segundo uma convenção internacional de 1982, o limite passou a ser de 12 milhas. A lei brasileira estabelece unilateralmente o limite de 200 milhas como zona econômica exclusiva, com soberania limitada, o que é tolerado, mas ainda não aceito expressamente pela comunidade internacional.
Espaço aéreo. O Estado exerce soberania sobre o espaço aéreo correspondente ao seu território. O Direito Internacional estabelece o direito à passagem inocente de aeronaves sobre o espaço aéreo dos Estados. Essa soberania não se estende sobre o espaço exterior.
Subsolo. A soberania do Estado inclui o subsolo correspondente ao território, não havendo um limite de profundidade. A água e as jazidas minerais do subsolo, inclusive o petróleo, pertencem ao Estado e não ao proprietário do solo superficial.

Exceções. Para possibilitar as relações internacionais, os Estados auto-limitam a sua soberania, abrindo exceções à soberania dentro do seu território e regulamentando a territorialidade dos meios de transporte internacionais. É o que se denomina de extraterritorialidade. Sendo reguladas pelo Direito Internacional, essas exceções dependem da reciprocidade, isto é, um Estado tem o dever de respeitá-las desde que os outros também as respeitem.

As representações diplomáticas (embaixadas, consulados etc.) são consideradas como território do Estado que representam.
Os agentes diplomáticos, mesmo fora do local de trabalho, gozam de imunidade, sendo submetidos à lei do Estado que representam.
• Os navios civis são considerados território do Estado cuja bandeira ostentam, enquanto estiverem no mar territorial desse Estado ou em alto-mar. Passam a ser considerados território de outro Estado quando ingressam no mar territorial deste.
• Os navios e submarinos oficiais ou militares são considerados território do Estado de origem onde estiverem.
• As aeronaves civis são consideradas território do Estado no qual estão matriculadas enquanto estiverem sobre o território deste ou sobrevoando o alto-mar. Quando ingressam no espaço aéreo correspondente ao território de outro Estado, passam a ser considerados território deste.
• As aeronaves oficiais e militares são consideradas território do Estado de origem onde estiverem.
• Os mesmos princípios são aplicados aos veículos terrestres.



Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 39 a 43.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 6. Celso D. Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, Livro VI.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Devaneio autocrático (mais um)

Editorial da Folha de S. Paulo de 25/03/10 alerta, mais uma vez, para a tendência antidemocrática de Lula e seus acólitos. Hoje, vemos no mesmo jornal que Chávez mandou prender o dono da única emissora que ousa fazer oposição à sua ditadura. Fiquemos atentos, pois só se dá valor à liberdade quando a perdemos.

Devaneio autocrático

O vezo antidemocrático de Lula se expõe quando o que está em pauta é a divergência de opinião e a liberdade de imprensa

A DEMOCRACIA , numa definição de manual, é um sistema de governo no qual o povo exerce a soberania e elege seus dirigentes por meio de eleições periódicas; é um regime em que estão asseguradas as liberdades de associação e de expressão. Todos esses princípios estão plasmados na Constituição de 1988 -ela própria uma conquista democrática.
Isso tudo é óbvio. Mas quem impele a repisá-lo é o presidente da República. Na versão de Luiz Inácio Lula da Silva, a democracia muito frequentemente -e cada vez mais- surge como se fosse uma concessão da sua vontade. Ele não parece tratá-la como valor, mas como capricho.
O vezo autoritário do mandatário se torna flagrante quando o que está em questão é a divergência de opinião ou o compromisso com a liberdade de imprensa. Lula não tolera ser criticado e convive mal com esforços de fiscalização de seu governo.
Ontem, numa cerimônia, ele disse: "Acabei de inaugurar 2.000 casas, não sai uma nota. Caiu um barraco, tem manchete. É uma predileção pela desgraça. É triste quando a pessoa tem dois olhos bons e não quer enxergar. Quando a pessoa tem direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada. É triste, melancólico, para um governo republicano como o nosso".
Talvez seja o caso de mencionar os mensaleiros, os aloprados, o "roçado de escândalos" da aliança com o PMDB. Ou, ainda, os benefícios pouco ortodoxos concedidos com dinheiro público a algumas empresas que este governo elegeu para implementar sua versão de "capitalismo de Estado". Nada disso compõe um figurino "republicano".
O que mais impressiona, porém, é o raciocínio embutido na seguinte frase de Lula: "É triste quando a pessoa tem o direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada". É uma afirmação tosca, sem dúvida, mas antes disso autocrática. Não faz sentido no contexto da democracia.
A imprensa tem de ser livre, inclusive para errar -e responder por isso perante seu público ou à Justiça, sempre que for o caso. Essa liberdade atende sobretudo ao direito do cidadão de ter acesso a informações.
Lula disse ainda que "setores da imprensa" deveriam olhar para pesquisas de opinião antes de tirar conclusões sobre ações públicas de seu governo. Em alguns casos, como o desta Folha, as pesquisas são realizadas pelas mesmas empresas cujo trabalho Lula busca desqualificar.
Tampouco é verdadeira sua afirmação de que avanços sociais ou do país obtidos neste governo não tenham sido noticiados. Foram -e de maneira exaustiva.
O problema é outro. Recentemente, o presidente da República agrediu os valores democráticos ao equiparar os presos políticos de Cuba aos presos comuns do Brasil -e endossar os crimes de uma ditadura.
Agora, ao criticar mais uma vez a imprensa, comporta-se como quem aspira à unanimidade -algo que está longe de ser um padrão democrático.

domingo, 21 de março de 2010

Resumo 8 – O Estado (Evolução Histórica)

II – Do Estado (continuação)

2 – Evolução histórica do Estado
(tipos históricos de Estado)

“O que pedimos à história não é um romance das origens, é a explicação do presente” (Burdeau)

Introdução. Georg Jellinek (1851-1911), juiz, filósofo do Direito e professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, considerado o pai da Teoria Geral do Estado, escreve que, embora ao longo da história exista uma enorme variedade de organizações políticas, é possível encontrar algumas características permanentes que fazem de um Estado ou um grupo de Estados um tipo especial. O autor divide os tipos históricos de Estado conforme a organização política e o papel nela desempenhado pelo indivíduo.

a) Estado Antigo (oriental ou teocrático). São os grandes impérios da antiguidade (Egito, Pérsia, Assíria, Babilônia etc.). Suas principais características são: natureza unitária (família, religião, Estado, economia englobados num todo, sem consideração do indivíduo); religiosidade (teocracia: o poder deriva da divindade, sendo o governante considerado um deus ou representante deste); despotismo (poder exercido de forma autoritária, quase sem limites).


b) Estado Grego. Próprio da Grécia antiga (776 e 323 a.C), caracterizado pela cidade-Estado (pólis), que era a reunião dos cidadãos, sem preocupação territorial (Ex.: Atenas, Esparta, Corinto, etc.). Características: autarquia (governo e leis próprios); auto-suficiência (independência); liberdade política (participação direta do povo nas decisões políticas e no exercício dos cargos públicos); restrições à liberdade individual (religião do Estado, regras para o vestuário) (Benjamin Constant: a liberdade dos antigos contraposta à liberdade dos modernos); ausência da noção de direitos individuais (opostos contra o Estado e limitando a interferência deste), porque o cidadão só existia como parte do Estado; conceito restrito de cidadania (somente homens livres, maiores de idade, e nascidos na cidade ou descendentes destes, o que representava cerca de 10% a 15% da população)


c) Estado Romano. Roma nasceu em 753 a.C. como cidade-Estado (civitas), da união de várias gens (grandes famílias). Foi primeiro reino, depois república (509 a.C.) e império. Expandiu-se por quase toda a Europa e parte do Oriente Médio e norte da África, mas manteve por muito tempo as características de cidade-Estado, semelhantes às da Grécia. Os cargos mais importantes (magistraturas) eram exercidos pelos patrícios (descendentes dos fundadores). O Senado era o órgão político mais importante. Dois senadores exerciam uma espécie de poder executivo (consulado). Os cidadãos romanos eram consultados e votavam em praça pública sobre as leis e outros assuntos importantes. Com um golpe de Estado, Julio César tomou o poder, apoiando-se no povo, mas foi assassinado por senadores (44 a.C.). Depois de uma guerra civil, seu sobrinho, Otávio, transformou-se em imperador. Com o tempo, o Senado foi perdendo a importância e a cidadania romana foi sendo concedida a outros habitantes do império. Com o grande crescimento territorial e as invasões bárbaras vieram a crise e a queda do Império Romano (476 d.C.).

d) Estado Medieval. Com a queda do Império Romano o mundo ocidental sofreu uma dispersão do poder político. As cidades foram abandonadas e o povo foi viver no campo sob a proteção de um grande latifundiário, estabelecendo-se o sistema feudal. As invasões bárbaras criaram pequenos reinos, que tinham pouco poder. Senhores feudais eram absolutos em seus domínios. O cristianismo passa a exercer grande influência e a Igreja ganha poder, pretendendo unificar a cristandade sob sua direção. Forma-se no ano 800 o Sacro Império Romano-Germânico como uma tentativa de ressuscitar o Império Romano, com poder sobre toda a Europa, porém sem sucesso. Um senhor podia ser vassalo de outro senhor ou um rei, que por sua vez podia ser vassalo do Imperador ou do Papa. Havia ainda as cidades livres e, dentro delas, as corporações de ofício com grande autonomia. Havia, portanto, uma pluralidade e uma sobreposição de centros de poder e ordens jurídicas, o trazia insegurança que levava a uma aspiração à unidade.

e) Estado Moderno. Na baixa Idade Média (Séc. XI em diante), há um movimento de fuga da opressão feudal e de retorno às cidades em busca de liberdade. Com o crescimento das cidades, surge a burguesia. Cresce o apoio à unificação do poder, o que significava paz e segurança para os negócios. Os reis, com o apoio da burguesia, vão unificando o povo (nação) e afirmando o seu poder soberano sobre determinado território, prevalecendo sobre a Igreja, o Império, os senhores feudais e as cidades. Forma-se o Estado Moderno com suas características de soberania e territorialidade, oficializado na Paz de Westfália (1648). Os primeiros Estados modernos a se formarem (Inglaterra, Portugal, Espanha, França etc.) são monarquias absolutistas.

Dois episódios ilustrativos. Dois episódios, citados por Dallari, ilustram bem a alteração no equilíbrio de poder na passagem da idade medieval para a modernidade. Em 1077, Henrique IV, Imperador da Alemanha, entrou em conflito com o Papa Gregório VII, a respeito da investidura dos bispos. O Papa o excomungou e ordenou que nenhum Estado cristão o reconhecesse. Para não perder o poder, o Imperador, humilhado, viu-se obrigado a fazer uma peregrinação à cidade de Canossa para pedir perdão ao Papa. Já em 1301, Filipe, o Belo, rei da França, entrou em conflito com o Papa Bonifácio VIII. Desta vez o soberano venceu a batalha e, em 1303, mandou prender o Sumo Pontífice. Por influência dele, o papado foi transferido de Roma para Avignon, na França. Foi ele também que destruiu a Ordem dos Cavaleiros Templários, mandando matar seu líder, Jacques DeMolay.

Elementos do Estado Moderno. Consolidado o Estado Moderno, podem ser identificados seus elementos característicos, que, com algumas variações entre os autores são: soberania, território, povo e finalidade.



Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 28 a 30.
Leitura complementar: Martin van Creveld, Ascensão e declínio do Estado, Caps. 1 e 2. G. Jellinek, Teoría General del Estado, Livro II, Cap. 10.
Filmes: 300; Roma (série); O incrível exército de Brancaleone; A Outra.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Resumo 7 - O Estado: origem e formação

II – Do Estado

1 – Origem e formação do Estado.


“Ninguém nunca viu o Estado. Quem poderia negar que ele seja uma realidade? O lugar que ele ocupa em nossa vida cotidiana é tamanho que não poderia ser retirado dela sem que, ao mesmo tempo, ficassem comprometidas nossas possibilidades de viver” (Burdeau)

Introdução. Atualmente, todos os seres humanos vivem num Estado ou, pelo menos, sob a autoridade de um Estado. O Estado é a sociedade mais importante e mais poderosa no mundo atual. Mas o que é o Estado? Quando surgiu? Por que ele existe? Qual o seu futuro?


Denominação. O que hoje chamamos de Estado já foi chamado pelos gregos de pólis e pelos romanos de civitas. Já foi chamado também de república e império. Hoje, na linguagem informal, é chamado de país (do latim pagos e do italiano paese = lugar geograficamente delimitado e habitado por uma comunidade)

Estado. O primeiro teórico a utilizar a palavra Estado para denominar uma sociedade política foi Maquiavel, na obra O Príncipe, de 1513. A palavra vem do latim status, que significa “estar firme”, sendo coerente com o anseio de Maquiavel de que a Itália da época, dividida em vários pequenos reinos e repúblicas, muitas vezes em guerra entre si, se unificasse sob um poder soberano e obtivesse estabilidade social e política.

Estado ou estado? Recentemente, a revista Veja anunciou que passaria a grafar a palavra “estado” com inicial minúscula, a fim de marcar sua posição pela mínima intervenção do governo na economia e na sociedade (liberalismo). Lembrou que os países de língua inglesa, onde essa idéia prevalece, a palavra é grifada com minúscula. Já onde há uma interferência maior do governo na sociedade e na economia, como no Brasil e na França, a palavra é grafada com maiúscula.

Quando surgiu o Estado? Há, basicamente, três teorias sobre a época de surgimento do Estado:

a) O Estado, assim como a sociedade, existe desde que o ser humano surgiu na Terra

b) O Estado é produto da evolução natural da sociedade humana e foi precedido por outros tipos de sociedades, como tribos, clãs etc.

c) O Estado surgiu somente quando adquiriu características bem definidas, principalmente a idéia de soberania (poder máximo e exclusivo sobre um determinado território habitado por um povo), que só aparece no Estado Moderno. Alguns autores chegam a afirmar que a data do surgimento do Estado foi a Paz de Westfália, em 1648.

Paz de Westfália. Independente de ser ou não o marco do surgimento do Estado Moderno, a Paz de Westfália (1648) foi um marco importante na história da política, porque, pondo fim à Guerra dos 30 anos, resultou no reconhecimento das fronteiras geográficas dos Estados europeus, dentro das quais estes poderiam exercer o poder de forma soberana, excluindo o poder do imperador e do papa e unificando a nação.

Justificação. Tentando justificar a formação original de Estados, há duas teorias:
a) formação natural ou espontânea: o Estado se forma naturalmente, por evolução de outras formas de sociedade

b) formação contratual: o Estado se forma por um ato de vontade, a partir de uma decisão racional (contratualismo)

Causas determinantes da formação de Estados. Estudando as causas que deram origem ao Estado, há as seguintes teorias:

a) Origem familial ou patriarcal: desde Adão e Eva, cada Estado surgiu a partir de uma família, chefiada por um patriarca (teoria sustentada por Filmer para justificar o absolutismo e que foi refutada por Locke no Primeiro Tratado sobre o Governo)

b) Atos de força e dominação. Segundo autores como Oppenheimer, os Estados se formaram a partir da dominação de um grupo sobre outro, sendo criados para regular as relações entre vencedores e vencidos

c) Fatores econômicos ou patrimoniais. Teóricos como Platão e Marx & Engels sustentam que o Estado surgiu por motivos econômicos ou patrimoniais. Platão afirma que o Estado deriva da necessidade de cooperação e divisão do trabalho entre as pessoas. Marx e Engels sustentam que o Estado surgiu com a evolução da sociedade, a partir do estabelecimento da propriedade privada, como um instrumento para a dominação de proprietários sobre não-proprietários. Segundo eles, o Estado está fadado a desaparecer quando for eliminado esse tipo de relação.

Engels. Em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels, baseado nos estudos antropológicos de Morgan, expõe a sua visão materialista da história, segundo a qual os meios de produção determinam a organização social. Morgan divide a evolução social da humanidade em três grandes estágios: Selvagem, Barbárie e Civilização, cada um deles subdividido em três fases: inferior, média e superior. Todos os povos passam por esses estágios em diferentes épocas da história.

Estágios da civilização. a) Selvagem: inferior (parcialmente nas árvores), médio (fogo, linguagem, instrumentos de pedra), superior (arco e flecha, aldeias). b) Barbárie: inferior (cerâmica, criação de animais, cultivo de plantas), média (irrigação, criação de gado, construções de pedra e tijolo), superior (escrita, arado de ferro). c) Civilização: inferior (cidades, artes), média (indústria), superior (não atingida).

Evolução da família. Segundo Engels, no estágio selvagem, prevalecia a promiscuidade sexual no interior das tribos. A partir da barbárie inferior, as tribos começam a ser divididas em gens (grandes famílias), segundo a linhagem feminina (matriarcado), com proibição do casamento endogâmico (no interior das gens). A seleção natural privilegiou esses grupos. Nesse estágio a mulher desempenhava papel preponderante, não havia divisão de classes sociais e a propriedade dos meios de produção era comum.

Surgimento do Estado. Na fase média da barbárie, com a criação de animais e a agricultura, surge a noção de propriedade privada dos meios de produção, o homem passa a preponderar e a exigir fidelidade da mulher para garantir a herança de sua prole (patriarcado). O Estado surge para legitimar essa nova realidade e garantir a divisão da sociedade em classes. Segundo Engels, as contradições desse sistema levarão à sua destruição, com o conseqüente desaparecimento do Estado.

d) Formação do Estado pelo desenvolvimento natural da sociedade: O Estado se forma naturalmente, pela evolução natural da sociedade, independentemente de fatores externos e sem preponderância de um fator (Lowie). É a teoria mais aceita atualmente.

Modos de formação. A doutrina distingue os seguintes modos de formação dos Estados:

a) modo originário: quando um Estado surge onde antes não havia Estado nenhum (casos estudados acima, não existem exemplos atuais)

b) modo derivado: quando novos Estados surgem a partir de Estado ou Estados pré-existentes. O modo derivado pode ocorrer por fracionamento (ex.: antigas colônias que se tornaram independentes; Rep. Tcheca e Eslováquia) ou por união (ex.: EUA)

c) modo atípico: formação artificial, imprevisível, por tratado ou por imposição de outras potências (ex.: Vaticano, as duas Alemanhas, Israel)

Momento do nascimento. Não há uma regra definida para garantir que um novo Estado foi criado. Basicamente, é necessário que haja viabilidade interna (estabilidade social, política e jurídica) e reconhecimento pelos demais Estados. Normalmente, quando esses dois fatores ocorrem, o novo Estado é aceito na ONU, mas isso não é condição essencial para a existência de um Estado.

O caso do Kosovo. O Kosovo é um território habitado por albaneses étnicos que fazia parte da Federação Iugoslava e foi palco de uma guerra civil nos anos 90, quando foi atacado pelo governo iugoslavo e defendido pela OTAN. Após negociações fracassadas, declarou unilateralmente a independência, sendo reconhecido como Estado por EUA e França, mas não pela Rússia e pela Espanha, e ainda não obteve ingresso na ONU. Suas instituições governamentais ainda são precárias. Por isso, ainda não pode ser considerado como um Estado consolidado.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 23 a 27.

Leituras complementares: F. Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, caps. I a IV. Martin van Creveld, Ascensão e declínio do Estado, Cap. 1.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Resumo 6 – Sociedades políticas

I – Da Sociedade (continuação)

3. As sociedades políticas


“De fato, os homens vivem na sociedade e em sociedades. Vivem na sociedade global e vivem nos grupos sociais de que a sociedade global é constituída” (Goffredo Telles Jr.)

Sociedades humanas. Goffredo Telles Jr. ensina que, ao contrário do que ocorre com os animais gregários, no ser humano a sociedade é natureza e é contrato. O ser humano tem necessidade de viver em sociedade, mas decide racionalmente quando e como vai fazer isso. Para os animais, a sociedade é um fim em si mesmo. Para o ser humano, a sociedade é um meio para satisfazer suas necessidades e atingir seus objetivos.

Processo de integração social. Goffredo Telles Jr. ensina que as sociedades primitivas eram muito simples e homogêneas. Com a evolução, veio a divisão de tarefas e a formação de grupos, num processo de diferenciação dentro de uma mesma sociedade, que vai se tornando mais complexa. Porém, os grupos são interdependentes e daí surge a necessidade de uma coordenação entre eles, estimulando a solidariedade, na busca do bem comum.

Espécies de sociedades. A sociedade global é composta de inúmeras sociedades, que têm por fim satisfazer as necessidades e realizar os objetivos dos seres humanos. Existem várias espécies de sociedades. Resumindo as teorias de vários autores, Dallari divide as sociedades em duas espécies: a) sociedades de fins particulares ou específicos (escolas, igrejas, clubes, empresas); b) sociedades de fins gerais, cujo objetivo é criar condições para a consecução dos fins particulares (família, tribo, cidade, Estado etc.).

Estado. O Estado, portanto, é uma sociedade política, que tem por finalidade o bem comum dos seus cidadãos, isto é, através do seu funcionamento, segundo as regras do Direito, criar condições de vida social para que as demais sociedades de fins particulares nele contidas possam servir para a expressão e o desenvolvimento da personalidade humana em todos os seus aspectos.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo I, itens 21 e 22.
Leitura complementar: Goffredo Telles Jr., O povo e o poder; Cap. I.

Resumo 5 – Elementos da Sociedade: poder

I – Da Sociedade (continuação)
2. Elementos característicos da Sociedade (continuação)
c) Poder


“Se procurarmos o que é permanente no poder enquanto passam as figuras que exercem seus atributos, vemos que ele não é tanto uma força exterior que viria pôr-se a serviço de uma idéia quanto a própria força dessa idéia” (Burdeau)


Poder. O terceiro elemento característico da sociedade, depois da finalidade e das manifestações de conjunto ordenadas, é o poder. Trata-se de um dos conceitos mais importantes da Ciência Política e da Teoria do Estado. Pode ser definido genericamente como a possibilidade de uma pessoa determinar o comportamento de outra ou de outras pessoas.

Características do poder. O poder é um fenômeno social, porque está presente em qualquer sociedade: família, escola, igreja, Estado etc. É também fenômeno bilateral, porque implica sempre uma vontade predominante e outra submetida. Pode ser analisado como relação (sujeitos) ou como processo (dinâmica, funcionamento). É necessário? O que o justifica?

Anarquismo.

“Anarquia” vem do grego e significa ausência de governo (arkê). As teorias anarquistas negam a necessidade e a legitimidade do poder.

Anarquistas gregos: Na Grécia antiga, os cínicos pregavam a vida de acordo com a natureza; os estóicos pregavam a igualdade e a fraternidade universal; os epicuristas pretendiam viver segundo o princípio do prazer. Nenhuma dessas correntes aceitava como legítimo o poder de um homem sobre outro.

O anarquismo cristão. Os primeiros cristãos, por influência dos estóicos, não aceitavam a autoridade terrena, embora Jesus tivesse feito a distinção entre o que é de César e o que é de Deus. São Paulo pregava que todo poder vem de Deus, mas recomendava a submissão ao poder de Roma. Santo Agostinho, na Idade Média, escreveu “A Cidade de Deus”, em que o chefe seria o Cristo.

O movimento anarquista no século XIX.

O anarquismo de cátedra. Para Léon Duguit, o poder é um fato, mas é ilegítimo e desnecessário.

Anarquismo militante. Objetivos comuns: eliminação do Estado, da propriedade privada e da religião, e relações sociais livres, fundadas na solidariedade humana. Proudhon: toda propriedade é um roubo. Bakunin pregava a revolução por meios violentos. Kropotkin preferia a via pacífica. Os anarquistas praticaram atos terroristas no final do século XIX e início do século XX. No Brasil, promoveram a greve geral de 1917. Declínio no século XX.

O poder necessário

A maioria dos teóricos entende que o poder sempre existiu e é necessário para manter a ordem e a coesão na sociedade, bem como para dirigi-la na busca do bem comum. Importa, assim, estudar o fundamento em que se baseia (origem, justificação) e verificar a sua legitimidade (aceitação social).

Fundamento do poder

Força. Nas sociedades primitivas, o poder era baseado exclusivamente na força (primeiro material, do guerreiro mais forte, depois econômica). Todavia, segundo Rousseau: “o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando sua força em direito e a obediência em dever”.

Divindade. Já na antiguidade, passou-se a fundamentar o poder na divindade, surgindo os impérios teocráticos (Egito, Babilônia etc.). O mesmo ocorreu no início do Estado Moderno, com as monarquias absolutistas, que sustentavam o direito divino dos reis ao poder.

Povo. Desde a Idade Média, há uma linha de pensamento, que tomou força com o Estado Moderno, que considera povo como titular do poder. Dessa linha resultaram o contratualismo e democracia, em que a vontade do povo (vontade geral) é o fundamento do poder.

Poder x Direito. A partir do século XIX, com a consciência de que o poder usa a força mas não se confunde com ela, surge a aspiração de fazer coincidir o poder (fenômeno de fato, político) com o direito (regras e limites para o exercício do poder).

Culturalismo Realista. Segundo Miguel Reale, poder e direito não se confundem, mas são fenômenos concomitantes, que sempre coexistiram nas sociedades, variando apenas o grau de juridicidade, conforme o estágio de evolução cultural de uma sociedade (culturalismo). Assim, se numa sociedade primitiva prevalece a força, esta sempre é exercida segundo uma regra, mesmo que seja aquela imposta pelo mais forte.

Legitimidade do Poder.

Max Weber (1864-1920) considera que existem três formas de poder legítimo: o tradicional (próprio das monarquias, independe da lei formal); o carismático (exercido por líderes autênticos, que interpretam os sentimentos e as aspirações do povo, muitas vezes contra a lei); e o racional (autoridade derivada da lei, única forma em que poder e direito necessariamente coincidem).

Georges Burdeau (1905-1988). Segundo Burdeau o que legitima o poder é a sua atuação. Poder legítimo é o poder consentido, aceito pela comunidade, porque encarna a força da idéia de bem comum.

Despersonalização e racionalização do poder. Busca-se, atualmente, a objetivação (despersonalização) e a racionalização do poder (governo baseado na lei, fruto da vontade popular e não da vontade do governante).


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo I, itens 11 a 20.
Leituras complementares: Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado, Cap. IV, item 92. Georges Burdeau, O Estado, Cap. I.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Resumo 4 – Elementos da Sociedade: manifestações de conjunto ordenadas

I – Da Sociedade (continuação)
2. Elementos característicos da Sociedade (continuação)

b) Manifestações de conjunto ordenadas.


“A lei é um sinal da imperfeição humana e é, ao mesmo tempo, sinal de que os homens almejam a perfeição” (Miguel Reale)

Não basta apenas a finalidade. Para que exista uma sociedade, é preciso haver também manifestações de conjunto ordenadas, ou seja, é necessário que as atividades do grupo se desenvolvam com
• reiteração
• ordem
• adequação


Reiteração. A finalidade social é um objetivo permanente, a ser buscado sempre, ou seja, de forma reiterada, e por todos os membros da sociedade, cada um desempenhando o seu papel, como, por exemplo, um time de futebol nos diversos campeonatos que disputa.

Ordem. A atuação da sociedade deve ser ordenada, ou seja, organizada segundo normas, tendo como objetivo a finalidade social. Segundo Goffredo Telles Jr., ordem é a disposição conveniente das coisas segundo uma lei. Para ele, tudo está em ordem, porque o que chamamos de desordem é apenas a ordem não desejada, pois tudo que ocorre no universo é regido por leis.

Leis. Segundo Montesquieu, “lei é a relação necessária que deriva da natureza das coisas”. Essa definição se aplica tanto às leis naturais (mundo físico, o “dado”) como às leis ou normas sociais (éticas, culturais, elaboradas pelo ser humano, o “construído”).

Causalidade x Imputação. As leis naturais (mundo físico, do “ser”) são regidas pelo princípio da causalidade: se “A” é (condição) – “B” é (conseqüência que sempre se realiza, caso contrário a lei perde a validade). As leis sociais (mundo ético, do “dever-ser”) são regidas pelo princípio da imputação: se “A” é (condição) – “B” deve ser (conseqüência que deve se realizar, mas que, se não ocorrer, não invalida a norma).

Moral x Direito. As normas éticas, ou seja, as normas sociais, feitas pelo ser humano e que regem o comportamento, dividem-se em duas espécies: a Moral (que é imperativa, porque pretende determinar comportamentos, mas é unilateral, porque não pode ser imposta) e o Direito (imperativo-atributivo e bilateral, porque determina comportamentos e estabelece uma relação que autoriza a parte lesada a buscar uma sanção em caso de descumprimento da norma).

Adequação. Além da reiteração e da ordem, é também necessário que as ações do grupo sejam adequadas para atingir o fim almejado (bem-comum). A superexaltação (exagero) de um fator em detrimento de outros (ordem pública, fatores econômicos etc.) gera desvios e, portanto, inadequação das atividades sociais em relação à finalidade, prejudicando a busca do bem comum.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo I, itens 14 e 15.
Leituras complementares: Hans Kelsen, Teoria pura do direito. Miguel Reale, Lições preliminares de direito.

Resumo 3 – Elementos da Sociedade: Finalidade

I – Da Sociedade (continuação)
2. Elementos característicos da Sociedade



“Todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, que é seu princípio, assim como o de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem” (Aristóteles, Política, 355 a.C).


Definição de Sociedade. Sociedade é “toda forma de coordenação das atividades humanas objetivando um determinado fim e regulada por um conjunto de normas” (Celso Bastos). Por essa definição podemos identificar os elementos que compõem uma sociedade: atividades humanas coordenadas e reguladas por normas, dirigidas a uma finalidade.

Elementos característicos da sociedade. Nem toda reunião de pessoas constitui uma sociedade: é preciso que estejam presentes os elementos característicos da sociedade. Esses elementos diferenciam uma verdadeira sociedade de um simples agrupamento de pessoas. Toda sociedade deve possuir os seguintes elementos: a) finalidade; b) manifestações de conjunto ordenadas; c) poder.

a) Finalidade.
Toda sociedade deve buscar uma finalidade, ou seja, deve ter um objetivo, que é definido por seus membros, baseado naquilo que estes entendem como um bem (valor). A finalidade relaciona-se com a liberdade humana, porque só o ser livre e racional pode escolher objetivos com base em valores.

Finalismo x Determinismo. As teorias deterministas acreditam que o comportamento humano é regido por fatores materiais (geografia, economia etc.) ou sobrenaturais e, portanto, negam a possibilidade de escolha de finalidades, sendo, no fundo, incompatíveis com a liberdade humana (ex.: socialismo científico marxista).

Finalismo. O finalismo, por sua vez, aceita a possibilidade de escolha da finalidade social com base na vontade livre e em valores racionalmente ponderados, pressupondo, portanto, a liberdade humana (ex.: contratualismo).

Goffredo Telles Jr. e a Liberdade. Monismo materialista (Tobias Barreto). Panteísmo (Spnioza). Dualidade espírito-matéria intuída por Descartes e Kant e comprovada cientificamente por Bergson. O mundo ético como um estágio superior da natureza única que compõe a substância universal (Goffredo).

O ser humano é livre, mas livre não é aquele que faz tudo o que quer, e sim aquele que conhece a si mesmo, sabe o que é bom para si e age de acordo com o que verdadeiramente lhe convém, buscando o seu bem. Aquele que age movido pelas paixões não é verdadeiramente livre, mas sim escravo delas; portanto, não é feliz, e sim padece.

Bem comum. Segundo Dallari, a finalidade da sociedade humana e também a do Estado deve ser o bem comum, entendido como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana” (João XXIII, Encíclica Pacem in Terris).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo I, itens 11 a 13.
Leituras complementares: Goffredo Telles Jr., A folha dobrada, Caps. 34 e segs. e O direito quântico.