III – Estado e Direito
2. O Estado Constitucional
“Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição” (Art. XVI da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. França, 1789).
2.1. Constituição – primeira abordagem
• Constituição: forma ou composição de um objeto, ou ato de constituir (formar) algo. Todas as coisas têm uma constituição.
• Nesse sentido geral, Constituição é o particular modo de ser de um Estado (Aristóteles)
• O “conceito polêmico de Constituição” (Ferreira Filho): surgido com o Constitucionalismo, não se satisfaz com um conceito formal, pretendendo qualificar criticamente o objeto da definição.
2.2. O Constitucionalismo
• Movimento surgido a partir do Estado Moderno, buscando dotar os Estados de uma lei superior, de preferência escrita, que limitasse o poder e garantisse os direitos individuais. Ganhou impulso com o Iluminismo (humanismo, individualismo, racionalismo) e teve grande influência do contratualismo.
2.3. Histórico do Constitucionalismo
Constitucionalismo Liberal-Burguês
• Inglaterra: Magna Carta (1215), Parlamento (1265), Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Revolução Gloriosa e Bill of Rigths (1689), Parlamentarismo (séc. XVIII)
• EUA: “Mayflower Compact” (1620). Colonização. Declaração de Independência (1776). Constituição (1787). Supremacia da Constituição e controle de constitucionalidade – caso Marbury x Madison (1803)
• França: Revolução e Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Teoria do Poder Constituinte: Abade de Sieyès (poder constituinte e poderes constituídos). Titular: povo. Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado. Constituições de 1791 (moderada), 1793 (jacobina) e 1795 (termidoriana). Império napoleônico e dispersão do constitucionalismo pela Europa e América Latina.
• Constitucionalismo Social: Revolução Industrial e surgimento do proletariado no séc. XIX. A crítica marxista. A doutrina social da Igreja (encíclica Rerum Novarum, 1891). Direitos sociais e ordem econômica nas Constituições do séc. XX. Século XX: México (1917) e Alemanha (1919). Revolução Russa (1917). II Guerra e Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Welfare State. Constituições do pós-guerra (Alemanha, Portugal, Brasil).
2.4. Conceito de Constituição
• Sentido jurídico (Kelsen): “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”
• Sentido sociológico (Lassalle): a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”
• Sentido político (Schimitt): “decisão política fundamental”
• Concepção estrutural de Constituição (J. A. Silva): “certos modos de agir em sociedade [fato] transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente [valor] e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais [norma]: a constituição”
• Definição sintética: “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.
2.5. Tipologia das Constituições (principais classificações)
Origem:
• Promulgada (ou democráticas): discutidas, votadas e aprovadas por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte
• Outorgada (ou autocráticas): impostas por um governo autoritário, sendo também chamadas de Carta Constitucional
• Cesarista (ou bonapartista): elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. Tem só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la (técnica atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez).
Forma:
• Escrita: reduzida a um, ou às vezes mais de um, documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.
• Não-escrita (costumeira, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, documentos escritos e jurisprudência. Ex.: Inglaterra.
Mutabilidade:
• Imutável: não admite alteração. No início do Constitucionalismo, pretendia-se que as Constituições fossem imutáveis, mas logo se percebeu que isso levaria a crises institucionais.
• Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis. Ex.: Estatuto Albertino da Itália (1848) e Inglaterra.
• Rígida: pode ser alterada, mas por um processo mais complicado do que o das demais leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que as maiorias simples e absoluta, além de outras limitações. Quase sempre contém cláusulas imutáveis (cláusulas pétreas). É o tipo predominante atualmente. Ex.: EUA e Brasil.
• Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional.
Conteúdo:
• Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais
• Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)
Extensão:
• Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA
• Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal.
2.6. Poder Constituinte
• Poder Constituinte Originário (inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado). Poder de fato. Limitações sociais, políticas e de direito natural. Ocasiões em que se manifesta (Revolução, fundação de Estados, consenso social).
• Poder Constituinte Derivado (Poder Reformador ou Competência Reformadora) (instituído ou secundário, limitado e condicionado). Limitações materiais, circunstanciais e procedimentais.
2.7. Supremacia da Constituição
• Hierarquia das normas: Constituição – leis – decretos etc.
• Direito intertemporal: recepção (normas infraconstitucionais compatíveis com a nova Constituição são recepcionadas. As incompatíveis são revogadas). Desconstitucionalização e repristinação.
2.8. Controle de Constitucionalidade
• Finalidade: garantia da supremacia e da rigidez da Constituição, impedindo que normas inconstitucionais integrem o sistema.
• Histórico: o caso Marbury x Madison (EUA, 1803): todo juiz é defensor da Constituição.
• Formas de controle: o controle preventivo (comissões do Legislativo e veto jurídico do chefe do Executivo) e o controle repressivo (Judiciário).
• Atos passíveis de controle: lei ou ato normativo com força de lei, ou seja, um comando geral, abstrato e de escalão imediatamente infraconstitucional (leis, medidas provisórias etc.). Também as emendas constitucionais, se forem incompatíveis com as cláusulas pétreas.
• Espécies de inconstitucionalidade: formal (vício no processo de criação da norma) e material (vício no conteúdo da norma)
• Jurisdição Constitucional
a) Controle difuso (concreto, aberto, via de defesa): em qualquer processo, por qualquer juiz.
b) Controle concentrado (abstrato, genérico, via de ação): ADIn, ADC etc. Competência concentrada no tribunal constitucional (STF e Tribunais Estaduais)
2.10. Constituições Brasileiras
• Carta Imperial de 25 de março 1824
• A Constituição Republicana de 1891
• A Constituição de 1934
• A Carta ditatorial de 1937 e o Estado Novo
• A Constituição de 1946
• O golpe militar e a Constituição de 1967
• O AI-5 e Carta ditatorial de 1969
• A “Constituição Cidadã” de 1988
Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Cap. IV, itens 104 a 108.
Leituras complementares: Georg Jellinek, Teoría General del Estado, L. III, Cap. 15. Celso Bastos, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, Cap. VI, itens 6 a 9. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Caps. 1º. a 5º. Luiz Alberto David Araujo & Vidal Serrano Nunes Jr., Curso de Direito Constitucional, Parte 1, Cap. 1. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Cap. II, item I.
domingo, 9 de agosto de 2009
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