segunda-feira, 16 de maio de 2011

Resumo 16 - Estado Constitucional (continuação – conceito e espécies de Constituição

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional (continuação – conceito e espécies de Constituição)


“Em termos práticos, pode-se afirmar que nenhum profissional da área jurídica, seja ele advogado, juiz, membro do Ministério Público, delegado de polícia ou qualquer outro, nenhum deles estará capacitado para bem desempenhar suas funções se desconhecer a Constituição e os conceitos básicos do Direito Constitucional.” (Dalmo Dallari)



Introdução. A partir das contribuições do Constitucionalismo em suas vertentes liberal-burguesa, social e humanista, podemos chegar a um conceito atual de Constituição. Antes, porém, é interessante analisar a definição de Constituição segundo os pontos de vista sociológico, político e jurídico, para em seguida chegar a um conceito sintético de Constituição.

Sentido sociológico. Sob o ponto de vista sociológico, ou seja, dando ênfase à realidade fática, Ferdinand Lassalle, em célebre conferência proferida em 1863, afirmou que a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”. Tal visão, porém, é combatida por autores mais atuais que sustentam que a Constituição deve limitar o poder e estabelecer objetivos para o Estado, podendo, assim, alterar a realidade política e social.

Sentido político. O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) vê a Constituição como expressão da “decisão política fundamental”. A Constituição não deriva do direito, e sim de uma decisão de natureza política sobre como deve ser organizado e funcionar o Estado. E tal decisão deve ser tomada por um líder carismático (führer) que encarne a vontade popular. Schmitt desprezava a democracia liberal e tornou-se um autor maldito por apoiar o nazismo. Para ele, a política é regida pela relação “amigo-inimigo” e “o valor maior tem o direito de aniquilar o valor menor”. Em 1932, travou uma polêmica com Kelsen sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Para ele, deveria ser o führer, enquanto para Kelsen, deveria ser o Poder Judiciário. Na época, prevaleceu a teoria de Schmitt, tendo como resultado, com a ascensão de Hitler ao poder, a possibilidade deste de impor leis de exceção sem precisar alterar a Constituição de Weimar. No pós-guerra, porém, prevaleceu a doutrina de Kelsen. Curiosamente, Schmitt hoje é admirado por parte do pensamento de esquerda.

Sentido jurídico. Para Kelsen, a Constituição deve ser descrita sob o ponto de vista estritamente jurídico. Elaborada conforme uma norma fundamental hipotética que é a idéia de direito vigente na comunidade, a Constituição localiza-se no ápice do sistema normativo e é o fundamento de validade de todas as demais normas. Kelsen, assim, define a Constituição como o “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”. São, portanto, as normas que estabelecem a forma de Estado, a forma e o sistema de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os órgãos que vão exercer o poder e os limites da atuação deste.

Concepção estrutural de Constituição. José Afonso da Silva, um dos maiores constitucionalistas do Brasil, ensina que se deve buscar uma “concepção estrutural de Constituição, que a considera, em seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico”. Conforme o mesmo autor, “certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição”. Concluindo, José Afonso da Silva afirma que “a Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade”. A Constituição, portanto, é fato, valor e norma, conforme a teoria de Miguel Reale.

Definição sintética. Diante do que foi visto, podemos definir sinteticamente a Constituição como “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.

Tipologia das Constituições. Os teóricos do Direito Constitucional costumam estabelecer uma tipologia das Constituições, classificando-as de diversas formas. Veremos, a título de exemplo, apenas as principais classificações.

Quanto à Origem. Quanto à origem, ou o modo pelo qual a Constituição é criada, ela pode ser:

Promulgada (ou democrática): quando é discutida, votada e aprovada por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte. Ex.: as Constituições brasileiras de 1891, 1934 e 1988.
Outorgada (ou autocrática): quando é imposta por um governo autoritário, sendo também chamada de Carta Constitucional. Ex.: a Constituição brasileira de 1937, outorgada por Getulio Vargas, e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, na verdade uma nova Constituição outorgada por uma junta militar ditatorial.
Cesarista (ou bonapartista): é a Constituição elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. A Constituição de tipo cesarista em só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la. Essa técnica está atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez e sua doutrina política “bolivariana”.

Quanto à Forma. Tradicionalmente, “constituição” era o modo pelo qual um Estado era organizado, sendo mais comum que essa organização derivasse de costumes políticos e declarações solenes do que de leis. Com exceção da Inglaterra, a partir do Constitucionalismo prevaleceu a idéia de que a Constituição deveria constar de uma lei escrita e solene. Daí deriva a classificação das Constituições quanto à forma:

Escrita: reduzida a um documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.

Não-escrita (costumeira, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, leis escritas e jurisprudência. Ex.: Inglaterra, Nova Zelândia e Israel.

Quanto à Mutabilidade. O Constitucionalismo logo percebeu que a imutabilidade levaria a crises institucionais, pois há a necessidade de atualização do conteúdo da Constituição conforme a alteração das circunstâncias políticas e sociais do Estado, sem que seja preciso substituí-la. Segundo a possibilidade de alteração, as Constituições são assim classificadas:

Imutável: não admite alteração (não existem exemplos dignos de nota).

Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis, o que transforma o Poder Legislativo em Assembléia Constituinte permanente. Ex.: Inglaterra.

Rígida: É o tipo predominante atualmente, entendendo-se que a Constituição, por ser hierarquicamente superior, só pode ser alterada por um processo mais complicado do que o utilizado para as leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que a maioria simples ou absoluta, além de outras limitações. Contém, ainda, algumas partes que são imutáveis, as chamadas “cláusulas pétreas”. Ex.: EUA e Brasil.

Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional.

Quanto ao conteúdo. Nas Constituições não-escritas, só faz parte da Constituição o que for matéria constitucional. Nas Constituições escritas, porém, é comum constar, além da matéria constitucional, outras matérias que não têm essa natureza, mas que, por estarem na constituição, são formalmente constitucionais. O conteúdo das Constituições pode ser assim classificado:

Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais

Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)


Quanto à Extensão. Quanto à extensão, a Constituição pode ser:

Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA
Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal.

Outras classificações. Há ainda outras classificações, podendo ser destacadas as seguintes:

Constituição-garantia (liberal, clássica)
Constituição-balanço (típica do socialismo, devendo refletir o estágio de evolução da sociedade)
Constituição Dirigente (categoria identificada pelo célebre autor português Canotilho, estabelece programas e metas a serem cumpridos pelo Estado. Ex.: Portugal)

Bibliografia:

Leituras recomendadas: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Primeira Parte, Título I, Cap. II. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 2º. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, Cap. I.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Resumo 15 - O Estado Constitucional

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional (primeira parte – Constitucionalismo)



“A Constituição integral diz: 1o. De quem e de que espécie de pessoas um Estado deve ser composto; 2o. Como deve ser governado para ser feliz e florescente.”
(Aristóteles, 385-322 a. C., A Política)


Introdução. Segundo Miguel Reale, o Estado é ao mesmo tempo uma realidade social (fatos), política (valores) e jurídica (normas). Num Estado Democrático de Direito, é a ordem jurídica que organiza o Estado, determina sua finalidade e limita o seu poder. A lei que organiza o Estado, determina a sua finalidade e limita o poder é a Constituição.

Constituição. Na linguagem comum, constituição é a forma ou composição de um objeto ou o ato de constituir (formar) algo. Todas as coisas têm uma constituição: uma mesa, uma pessoa e também o Estado. Nesse sentido, Constituição é o particular modo de ser de um Estado. Segundo essa perspectiva, Aristóteles estudou mais de 100 constituições de Estados antigos.

Conceito polêmico de Constituição. Na atualidade, interessa o que Manoel Gonçalves Ferreira Filho chama de conceito polêmico de Constituição, surgido com o Constitucionalismo, que não se satisfaz com um conceito formal de Constituição, pretendendo qualificar criticamente o objeto da definição. Segundo essa concepção, Constituição não é qualquer lei, mas sim a lei suprema que tenha certas características bem definidas.

Constitucionalismo. O Constitucionalismo foi um movimento surgido com o Estado Moderno, buscando dotar os Estados de uma lei superior, de preferência escrita, que, além de organizar o Estado, limitasse o poder e garantisse os direitos individuais. Foi uma reação ao arbítrio do Absolutismo e teve influência do iluminismo (humanismo, individualismo, racionalismo) e do contratualismo. Após as primeiras conquistas liberais, o Constitucionalismo evoluiu para contemplar novos direitos e novas formas de atuação do Estado, cuja necessidade foi sendo sentida em face das transformações sociais ocorridas nos séculos seguintes.

Constitucionalismo liberal-burguês. Esta primeira fase do Constitucionalismo foi produto das teorias jusnaturalistas (Locke, Montesquieu, Rousseau etc.) e das revoluções burguesas, pelas quais a burguesia buscava ascensão política, limitação do poder e garantia dos direitos individuais (propriedade privada e liberdade religiosa, de associação etc.). As principais manifestações dessa fase ocorreram na Inglaterra, nos EUA e na França.

Constitucionalismo Inglês. A Inglaterra teve formação precoce como Estado Moderno, devido à centralização decorrente da dominação pelos reis normandos no século XI, que implantaram uma monarquia de tipo absolutista. Em 1215, barões e prelados se revoltaram e obrigaram o rei João Sem Terra a assinar a Magna Carta, aceitando algumas limitações em seu poder, como a necessidade de autorização para a criação de impostos, o habeas corpus e o julgamento dos crimes por seus pares e segundo a lei (Júri e devido processo legal). Em 1265 foi criado o Parlamento, com representantes da nobreza, do clero e da burguesia, para exercer o Poder Legislativo. Em 1332 o Parlamento cindiu-se em duas Casas: a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Na luta constante entre o rei e o Parlamento, seguiram-se a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e finalmente a Revolução Gloriosa e o Bill of Rigths (1689), que reforçaram a limitação do poder real e a garantia dos direitos individuais. A partir do século XVIII, a Câmara dos Comuns, composta por representantes eleitos pelo povo, passa a prevalecer e desenvolve-se o Parlamentarismo, sistema em que a chefia de governo cabe a um representante da corrente política majoritária segundo a votação popular, cabendo ao rei apenas chefia de Estado. Todos esses documentos e costumes políticos formam a Constituição Inglesa, que tem a peculiaridade de não ser condensada num único documento legal escrito.

Constitucionalismo Norte-americano. As colônias inglesas da América do Norte foram formadas por pessoas sem título de nobreza e que buscavam a liberdade religiosa e de comércio. Em 1620, no navio que trouxe os primeiros colonos, foi assinado o Mayflower Compact, uma espécie de contrato social fixando as normas de convivência na colônia. Contra a opressão praticada pela Inglaterra e sob a influência das idéias de Locke, as colônias declararam a independência em 1776 e redigiram a Declaração de Independência, proclamando que a finalidade do governo é a garantia dos direitos naturais (vida, liberdade, propriedade e busca da felicidade). Em 1787 as 13 ex-colônias se uniram num Estado de tipo federal e redigiram uma Constituição, incorporando os princípios de declaração e organizando o Estado seguindo a teoria de Montesquieu da tripartição do poder. Em 1791, foi promulgado o Bill of Rights, consistente nas 10 primeiras emendas à Constituição, explicitando os direitos individuais a serem garantidos pelo governo. Em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison, a Suprema Corte afirmou a supremacia da Constituição e estabeleceu o controle de constitucionalidade, determinando que o governo está submetido à Constituição e nenhuma lei pode contrariá-la. A Constituição de 1787, com 27 emendas, vigora até hoje nos EUA, sendo constantemente reinterpretada pela Suprema Corte.

Constitucionalismo Francês. Na França, o absolutismo sobreviveu até o final do século XVIII, quando foi derrubado pela Revolução de 1789. Em meio a uma crise social e econômica, o rei Luís XVI convocou os “Estados Gerais”, com representantes das três classes em que estava rigidamente dividida a sociedade francesa (clero, nobreza e povo). Liderado pela burguesia e representando a grande maioria da população, o “terceiro estado” predominou sobre os outros e declarou-se “Assembléia Nacional Constituinte”, passando a redigir uma Constituição para a França. Seguem a teoria do Abade de Sieyès, segundo a qual o Poder Constituinte Originário (poder de elaborar a Constituição, superior aos poderes constituídos) pertence à nação e é exercido por seus representantes. Em 1789 editam a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 16 resume o credo do Constitucionalismo: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição” (Art. XVI da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789). Em 1791 é promulgada uma Constituição tendo a Declaração de Direitos como preâmbulo, estabelecendo a tripartição do poder e implantando a monarquia constitucional. Com a predominância dos jacobinos há a radicalização do movimento, é implantado o terror, o rei é guilhotinado e é editada a Constituição republicana de 1793. Segue-se a reação termidoriana dos girondinos, sendo promulgada a Constituição conservadora de 1795. Seguem-se outras Constituições e, já no século XIX, o Império Napoleônico. Por influência da França, o Constitucionalismo é espalhado pela Europa e pela América Latina. A Constituição passa a ser vista como um documento de cunho político, uma declaração de princípios sem eficácia jurídica. O Código Civil francês de 1804 (“Código Napoleão”) é visto como a lei eficaz para a garantia dos direitos individuais.

Constitucionalismo Social. Com a revolução industrial, surge no século XIX o proletariado, massa de trabalhadores urbanos pobres e que enfrentam péssimas condições de trabalho. Predomina o pensamento liberal segundo o qual a desigualdades sociais são decorrências naturais de relações livres, nas quais o Estado não deve interferir. Os trabalhadores se unem em sindicatos para reivindicar melhores condições de trabalho, mas são duramente reprimidos. Marx e Engels criticam a concepção burguesa de direitos individuais, que se preocupa apenas com a liberdade e não garante a igualdade social, permitindo a exploração dos trabalhadores pelos detentores do capital. Pregam a revolução para acelerar o processo de extinção do capitalismo. Segundo eles, numa primeira fase seria necessária a ditadura do proletariado para possibilitar a extinção da propriedade privada e a expropriação dos meios de produção pelo Estado (socialismo). Em seguida, o Estado seria extinto e não haveria mais classes sociais nem exploração (comunismo). Em 1891, a Igreja Católica lança a sua doutrina social, exposta na encíclica Rerum Novarum, pregando a solidariedade social ao invés da luta de classes, a garantia de condições de vida digna a todos os seres humanos e a função social da propriedade. A propriedade não deve ser extinta, mas deve servir para um fim socialmente útil. Em oposição à ideologia liberal, a intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas passa a ser vista como necessária para garantir uma maior igualdade entre as pessoas. As Constituições do início do século XX passam a incorporar os direitos sociais e a ordem econômica, assuntos que até então não eram vistos como matéria constitucional. Na Rússia, a Revolução bolchevique de 1917, liderada por Lênin, implanta o socialismo, com a ditadura do partido comunista, apresentado como a vanguarda do proletariado. As Constituições da URSS de 1919 e 1933 implantaram direitos sociais, mas, na prática, suprimiram a liberdade. Milhões de soviéticos são assassinados ou mandados para campos de concentração (Gulag) por serem vistos como inimigos do regime. Diz Lênin: “Temos gasto muito tempo em discussões e tenho que dizer que agora é muitíssimo melhor ‘discutir com fuzis’ que com teses de oposição. Não necessitamos de oposições, camaradas! Não é o momento disso. Deste lado ou do outro – com um fuzil, não com oposição.” Na Alemanha, em 1919, a República de Weimar edita uma Constituição social-democrata, procurando compatibilizar a democracia, os direitos sociais e o capitalismo.

Por influência de Kelsen, a Constituição passa a ser vista como norma suprema, mas a supremacia é apenas formal, porque sua efetividade prática é reduzida pela teoria predominante, que vê a maioria das normas constitucionais como programáticas, sem aplicabilidade imediata, dependendo de regulamentação pelas leis.

As democracias liberais perdem prestígio e os regimes totalitários (socialismo e nazi-fascismo) ganham força, principalmente após a grave crise econômica mundial iniciada em 1929. Em 1933, Hitler é eleito chanceler da Alemanha e, sem precisar revogar a Constituição democrática de Weimar, consegue implantar uma ditadura e aprovar leis que respaldam a perseguição de judeus e outros cidadãos alemães considerados inimigos do Estado. Eclode a Segunda Guerra Mundial, na qual morrem mais de 50 milhões de pessoas. Seis milhões de judeus, entre eles crianças, mulheres e idosos, são exterminados nos campos de concentração nazistas.

Neoconstitucionalismo. Após as atrocidades da II Guerra Mundial, é editada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela qual os Estados se comprometem a garantir a todos os seres humanos os direitos políticos, civis e sociais, compatibilizando liberdade e igualdade. Itália (1947), Alemanha (1949) Portugal (1976), Espanha (1978), Brasil (1988) etc. editam novas Constituições segundo esses parâmetros. Surge uma nova teoria constitucional, sustentando a força normativa da Constituição e a sua aplicabilidade imediata, vinculando os legisladores e aplicadores da lei. É o Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo Humanista, segundo Dalmo Dallari. Essa nova postura vem encontrando respaldo no Brasil, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Bibliografia

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Cap. IV, itens 104 a 114.

Leituras complementares: Dalmo Dallari, A Constituição na vida dos povos, parte I, caps. 2 e 3. Fábio Konder Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos, caps. 1º a 5º e 14º. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, cap. 1º.

Filmes: Robin Hood (dir. Ridley Scott, 2010). Morte ao rei (To kill a king, dir. Mike Barner, 2003).

terça-feira, 3 de maio de 2011

Resumo 14 - Conceito de Estado

II – Do Estado (continuação)

5. Conceito de Estado


"Tudo o que pode ser em geral pensado pode ser pensado claramente. Tudo o que se pode enunciar pode-se enunciar claramente" (L. Wittgenstein)

Introdução. Afinal, que é o Estado? Após estudar os elementos essenciais do Estado e sua natureza jurídica, podemos chegar a um conceito ou definição de Estado. Conceituar ou definir é dizer, por meio de outras palavras, o que é uma coisa ou o que uma palavra significa. Definir significa limitar a extensão de um termo, para identificá-lo e torná-lo distinto de outros termos.

A multiplicidade de conceitos. Há tantos conceitos diferentes de Estado que há mais de 100 anos o francês Bastiat instituiu um prêmio de 50 mil francos para uma definição perfeita. Até hoje ninguém ganhou o prêmio. O cientista político norte-americano David Easton encontrou 145 definições diferentes e acabou desistindo de conceituar Estado, passando a tratar de “sistema político”.

Estado não é nação. Primeiramente, vejamos o que o Estado não é. Ao contrário do que afirmam alguns dicionários e autores, Estado não é a “nação politicamente organizada”. Como já foi visto, Estado não se confunde nação e não depende dela para existir. Elemento essencial do Estado é o povo, que pode conter várias nações ou nação nenhuma. Nação é comunidade e não contém os elementos de uma sociedade (finalidade, ordem, poder). Além disso, o conceito de nação não abrange o território, pois uma nação pode ocupar o território de vários Estados. Portanto, se Estado não é nação, não se pode definir o Estado como “nação” politicamente organizada. Além disso, o Estado se organiza juridicamente para fins políticos. Política é a finalidade, o Direito é a forma de organização.

Regras da definição. Segundo Edmundo Dantès Nascimento, baseado na Lógica de Aristóteles, uma definição deve obedecer às seguintes regras:
a) a definição deve ser conversível ao definido (ex.: “ser humano é o animal racional” – “animal racional é o ser humano”);
b) a definição deve ser mais clara do que o definido;
c) a definição não deve conter o definido (ex.: “impedimento é o ato de impedir” = vício da petição de princípio);
d) a definição deve ser positiva (a coisa deve ser definida pelo que ela é, e não pelo que ela não é: “branco é o que não é preto”);
e) a definição deve ser breve (mas entre a brevidade e a clareza, deve-se preferir a clareza).

• Exemplo: art. 213 do Código de Processo Civil: “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou interessado a fim de se defender”.


Os diversos pontos de vista. Segundo Bonavides, o Estado pode ser definido segundo diversos pontos de vista: o filosófico, o jurídico e o sociológico (também chamado por Dallari de político).

Ponto de vista filosófico. Filosoficamente, muitos autores pensaram sobre a essência do Estado. Para Aristóteles, por exemplo, o Estado é uma forma de convivência perfeita que está na natureza do ser humano e que este busca a fim de obter a eudaimonia (felicidade completa). Modernamente, teve grande influência o pensamento de Hegel, para quem o Estado é a síntese da contradição dialética entre a família (tese) e a sociedade (antítese).

Hegel. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo alemão que exerceu enorme influência na filosofia e na prática da Política. Era um filósofo idealista (como Platão), ou seja, ao contrário dos materialistas, partia do pressuposto de que as coisas são antes pensadas para depois ganharem materialidade e que o mundo material é um reflexo do mundo ideal ou espiritual. Seu sistema filosófico baseava-se na dialética, segundo a qual tudo (o mundo, a história etc.) se desenvolve a partir de fatos ou conceitos (tese e antítese) que se contrapõem e formam uma síntese, que os une e supera. Ao longo da história, as civilizações expressam o espírito de seu tempo (zeitgeist), mas ao mesmo tempo produzem as contradições que vão levar à sua superação por outra cultura, de modo que o progresso é constante. Assim, o Estado grego seria uma comunidade moral de indivíduos, como uma grande família. Essa comunidade foi confrontada pelo individualismo trazido pelos romanos, pelo cristianismo e pela sociedade individualista surgida com o contratualismo. Desse embate surgiu o Estado moderno de tipo prussiano (monarquia constitucional), em que Hegel vivia e que ele via como o ápice da história. Esse Estado seria uma síntese que engloba e supera a união moral, baseada em relações afetivas, como é a família (espírito subjetivo), e a união de indivíduos que buscam seus próprios interesses, como é a sociedade civil (espírito objetivo). Para Hegel, somente nesse Estado as pessoas seriam realmente livres, autoconscientes e realizadas (espírito absoluto). Hegel influenciou muitos pensadores importantes, como Marx, que, porém, inverteu a dialética hegeliana afirmando que as condições materiais é que criam as idéias (materialismo dialético). Seu culto ao Estado também influenciou nazi-fascismo. Assim, embora essa não fosse sua intenção, Hegel é considerado inspirador dos totalitarismos de esquerda e de direita que surgiriam no século XX.


Ponto de vista jurídico. A partir da segunda metade do século XIX, os pensadores passaram a dar ênfase ao aspecto jurídico do Estado, vendo-o como uma ordenação de pessoas num determinado território. O ápice dessa linha de pensamento é representado por Kelsen, que pensava o Estado sob o ponto de vista estritamente jurídico. Para ele, Estado e ordem jurídica são a mesma coisa. Assim, ele definia Estado simplesmente como a “ordem coativa normativa da conduta humana”.

Ponto de vista sociológico. A Sociologia examina os fatos como eles ocorrem na realidade, embora essa análise nem sempre seja neutra. Marx, por exemplo, via o Estado como um instrumento da burguesia para a exploração do proletariado. Já Duguit, numa análise mais neutra, via o Estado como força material irresistível, embora regulada e limitada pelo Direito. Quem, porém, melhor analisou o Estado sob esse ponto de vista foi Max Weber, para quem Estado é a “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”.

Definições sintéticas. As melhores definições são aqueles que sintetizam os diversos pontos de vista.
“Corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando” (Jellinek)
“Pessoa jurídica soberana constituída de um povo organizado, sobre um território, sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social” (Groppalli)
“Ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (Dallari)
“Pessoa jurídica soberana composta de um povo e um território, que tem por fim o bem comum” .

Para discussão.
Tente formular um conceito sintético de Estado.
Em quê a teoria de Hegel difere do contratualismo?
Na sua opinião, o Estado Moderno contemplado por Hegel é de fato o ápice da evolução das instituições sociais, políticas e jurídicas, ou essa evolução teve ou terá continuidade?

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 57 a 59.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 3, item 6. Edmundo Dantès Nascimento, Lógica aplicada à advocacia, Cap. V. Francisco Weffort (org.), “Hegel: o Estado e a realização da liberdade”, por Gildo Marçal Brandão, in: Os clássicos da política, vol. 2.

Especialistas avaliam operação que matou Bin Laden

Especialistas avaliam operação que matou Bin Laden

Menos de 24 horas depois da confirmação da morte do terrorista Osama bin Laden durante a ação da inteligência e das Forças Armadas americanas no Paquistão, a imprensa internacional começa a se perguntar sobre questões legais envolvendo o caso. Apesar de anunciada prematuramente como uma operação do exército americano com a colaboração do governo paquistanês, o jornal The New York Times confirmou, na manhã desta segunda-feira (2/5), que o planejamento e a execução da ação foram unilaterais. Eram, portanto, desconhecidos pelas autoridades do Paquistão.
De acordo com o The New York Times, embora a presença, no país, do serviço de inteligência e das tropas americanas ocorressem há anos com o consentimento e suporte do Paquistão, as autoridades locais não tinham quaisquer informações sobre o ataque de domingo (1º/5) ao refúgio de Osama bin Laden. A operação foi avaliada pelo presidente Obama, a CIA e as Forças Armadas em quatro reuniões ocorridas a partir de 14 de março e autorizada no dia 29 do mesmo mês, sem o envolvimento do Paquistão.
Ainda na segunda-feira, jornalistas e comentaristas da imprensa americana e internacional começaram a avaliar, contudo, os aspectos legais por trás da morte do terrorista, embora, ninguém tenha criticado abertamente a ação americana.
O advogado Jeffrey Toobin, comentarista de Justiça da rede CNN e da revista The New Yorker, publicou, na tarde desta segunda-feira, no site da revista, um artigo em que discute questões envolvendo a legalidade da operação.
No texto, Toobin, comenta peculiaridades que envolvem o caso como a própria definição de ‘assassinato’. “Osama bin Laden foi morto, não capturado. Se tivesse sido levado em custódia, seguiria então o mais complexo e doloroso processo legal na história americana. As dificuldades seriam intermináveis: corte civil criminal ou um tribunal militar? Em solo americano, ou no exterior – em Guantánamo? Teria ainda Bin Laden acesso às evidências que pesavam sobre ele?”, questiona Toobin no texto entitulado “Matar Osama: Foi Legal?”.
O comentarista observa ainda que, apesar da aparente aclamação global em relação à morte do terrorista, os próprios Estados Unidos estabeleceram, no passado, padrões que poderiam colocar à margem da Justiça operações como a deste domingo. O autor cita a Ordem Executiva 11905, emitida pelo presidente Henry Ford (1974 - 1977) por conta da participação de agentes da CIA em planos de assassinato. “Nenhum funcionário do Governo dos Estados Unidos deve se envolver, conspirar ou promover assassinatos políticos”, diz o trecho da Ordem citada pelo colunista da New Yorker.
Toobin menciona também que, durante a administração Bush, este entendimento foi “informalmente” revisto, e que a morte de bin Laden — que parece ter resistido à captura — não seria mais enquadrada pela proibição. A morte de líderes “altamente beligerantes durante uma situação de conflito armado não constitui assassinato”, de acordo com alguns políticos americanos, explica o autor.
A publicação semanal britânica sobre assuntos políticos, New Statesman, também publicou avaliações, em seu site, sobre a legalidade da operação. “Às vezes, afirmam, pode haver Justiça sem uma base jurídica ou mesmo em violação do devido processo legal”, escreveu o articulista David Allen Green, que vive nos EUA. “De qualquer forma, é improvável que mesmo as almas mais sensíveis à menor irregularidade legal criem polêmica sobre esta morte em particular.”
Green também questiona que parâmetros podem ser usados para se definir o que configura uma “execução” neste caso. Citando discussões em blogs e sites especializados, o autor menciona que, de acordo com resoluções da própria União Europeia e dadas as circunstâncias conhecidas da morte de bin Laden, o ponto de vista dominante até então é que não se tratou de uma execução em desacordo com leis internacionais.
Contudo Green polemiza. “Então trata-se de uma punição a um crime, afinal? E o assassinato de um determinado indivíduo, planejado, ordenado e executado pelo Estado como punição por um ato criminoso não constitui, na maioria das definições regulares para o termo, uma execução?”, menciona o correspondente citando um artigo sobre a morte de bin Laden com o seguinte título: "Quando uma execução não é uma execução? - publicado no premiado blog inglês ‘Heresy Corner’".
“O que a UE afirma efetivamente é que a pena capital só é aceitável se feita sob ordens secretas, determinada por um líder político, sem julgamento e possibilidade de recurso?”, conclui a citação.
Mais otimista, o articulista Parag Khanna, no espaço reservado à opinião da rede CNN, afirmou que este pode ser um passo rumo “à criação de um Estado de Direito Global”.
“Nos últimos dez anos, o Direito Internacional evoluiu de tal forma a fim de justificar intervenções diretas como esta, a fim de que pudéssemos agir mais rapidamente sobre o emaranhado de protocolos e deliberações que inventamos”, avaliou o especialista em relações internacionais, Parag Khanna, à CNN.
“O princípio fundamental por trás das instituições e dos tratados é que a soberania é uma responsabilidade, não apenas um privilégio. Isso se aplica não só aos ditadores e terroristas fugitivos, mas os governos que lhes dão um porto seguro”, opinou.

Fonte:
http://www.conjur.com.br/2011-mai-02/especialistas-avaliam-legalidade-operacao-matou-bin-laden