terça-feira, 3 de maio de 2011

Resumo 14 - Conceito de Estado

II – Do Estado (continuação)

5. Conceito de Estado


"Tudo o que pode ser em geral pensado pode ser pensado claramente. Tudo o que se pode enunciar pode-se enunciar claramente" (L. Wittgenstein)

Introdução. Afinal, que é o Estado? Após estudar os elementos essenciais do Estado e sua natureza jurídica, podemos chegar a um conceito ou definição de Estado. Conceituar ou definir é dizer, por meio de outras palavras, o que é uma coisa ou o que uma palavra significa. Definir significa limitar a extensão de um termo, para identificá-lo e torná-lo distinto de outros termos.

A multiplicidade de conceitos. Há tantos conceitos diferentes de Estado que há mais de 100 anos o francês Bastiat instituiu um prêmio de 50 mil francos para uma definição perfeita. Até hoje ninguém ganhou o prêmio. O cientista político norte-americano David Easton encontrou 145 definições diferentes e acabou desistindo de conceituar Estado, passando a tratar de “sistema político”.

Estado não é nação. Primeiramente, vejamos o que o Estado não é. Ao contrário do que afirmam alguns dicionários e autores, Estado não é a “nação politicamente organizada”. Como já foi visto, Estado não se confunde nação e não depende dela para existir. Elemento essencial do Estado é o povo, que pode conter várias nações ou nação nenhuma. Nação é comunidade e não contém os elementos de uma sociedade (finalidade, ordem, poder). Além disso, o conceito de nação não abrange o território, pois uma nação pode ocupar o território de vários Estados. Portanto, se Estado não é nação, não se pode definir o Estado como “nação” politicamente organizada. Além disso, o Estado se organiza juridicamente para fins políticos. Política é a finalidade, o Direito é a forma de organização.

Regras da definição. Segundo Edmundo Dantès Nascimento, baseado na Lógica de Aristóteles, uma definição deve obedecer às seguintes regras:
a) a definição deve ser conversível ao definido (ex.: “ser humano é o animal racional” – “animal racional é o ser humano”);
b) a definição deve ser mais clara do que o definido;
c) a definição não deve conter o definido (ex.: “impedimento é o ato de impedir” = vício da petição de princípio);
d) a definição deve ser positiva (a coisa deve ser definida pelo que ela é, e não pelo que ela não é: “branco é o que não é preto”);
e) a definição deve ser breve (mas entre a brevidade e a clareza, deve-se preferir a clareza).

• Exemplo: art. 213 do Código de Processo Civil: “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou interessado a fim de se defender”.


Os diversos pontos de vista. Segundo Bonavides, o Estado pode ser definido segundo diversos pontos de vista: o filosófico, o jurídico e o sociológico (também chamado por Dallari de político).

Ponto de vista filosófico. Filosoficamente, muitos autores pensaram sobre a essência do Estado. Para Aristóteles, por exemplo, o Estado é uma forma de convivência perfeita que está na natureza do ser humano e que este busca a fim de obter a eudaimonia (felicidade completa). Modernamente, teve grande influência o pensamento de Hegel, para quem o Estado é a síntese da contradição dialética entre a família (tese) e a sociedade (antítese).

Hegel. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo alemão que exerceu enorme influência na filosofia e na prática da Política. Era um filósofo idealista (como Platão), ou seja, ao contrário dos materialistas, partia do pressuposto de que as coisas são antes pensadas para depois ganharem materialidade e que o mundo material é um reflexo do mundo ideal ou espiritual. Seu sistema filosófico baseava-se na dialética, segundo a qual tudo (o mundo, a história etc.) se desenvolve a partir de fatos ou conceitos (tese e antítese) que se contrapõem e formam uma síntese, que os une e supera. Ao longo da história, as civilizações expressam o espírito de seu tempo (zeitgeist), mas ao mesmo tempo produzem as contradições que vão levar à sua superação por outra cultura, de modo que o progresso é constante. Assim, o Estado grego seria uma comunidade moral de indivíduos, como uma grande família. Essa comunidade foi confrontada pelo individualismo trazido pelos romanos, pelo cristianismo e pela sociedade individualista surgida com o contratualismo. Desse embate surgiu o Estado moderno de tipo prussiano (monarquia constitucional), em que Hegel vivia e que ele via como o ápice da história. Esse Estado seria uma síntese que engloba e supera a união moral, baseada em relações afetivas, como é a família (espírito subjetivo), e a união de indivíduos que buscam seus próprios interesses, como é a sociedade civil (espírito objetivo). Para Hegel, somente nesse Estado as pessoas seriam realmente livres, autoconscientes e realizadas (espírito absoluto). Hegel influenciou muitos pensadores importantes, como Marx, que, porém, inverteu a dialética hegeliana afirmando que as condições materiais é que criam as idéias (materialismo dialético). Seu culto ao Estado também influenciou nazi-fascismo. Assim, embora essa não fosse sua intenção, Hegel é considerado inspirador dos totalitarismos de esquerda e de direita que surgiriam no século XX.


Ponto de vista jurídico. A partir da segunda metade do século XIX, os pensadores passaram a dar ênfase ao aspecto jurídico do Estado, vendo-o como uma ordenação de pessoas num determinado território. O ápice dessa linha de pensamento é representado por Kelsen, que pensava o Estado sob o ponto de vista estritamente jurídico. Para ele, Estado e ordem jurídica são a mesma coisa. Assim, ele definia Estado simplesmente como a “ordem coativa normativa da conduta humana”.

Ponto de vista sociológico. A Sociologia examina os fatos como eles ocorrem na realidade, embora essa análise nem sempre seja neutra. Marx, por exemplo, via o Estado como um instrumento da burguesia para a exploração do proletariado. Já Duguit, numa análise mais neutra, via o Estado como força material irresistível, embora regulada e limitada pelo Direito. Quem, porém, melhor analisou o Estado sob esse ponto de vista foi Max Weber, para quem Estado é a “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima”.

Definições sintéticas. As melhores definições são aqueles que sintetizam os diversos pontos de vista.
“Corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando” (Jellinek)
“Pessoa jurídica soberana constituída de um povo organizado, sobre um território, sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social” (Groppalli)
“Ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (Dallari)
“Pessoa jurídica soberana composta de um povo e um território, que tem por fim o bem comum” .

Para discussão.
Tente formular um conceito sintético de Estado.
Em quê a teoria de Hegel difere do contratualismo?
Na sua opinião, o Estado Moderno contemplado por Hegel é de fato o ápice da evolução das instituições sociais, políticas e jurídicas, ou essa evolução teve ou terá continuidade?

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 57 a 59.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 3, item 6. Edmundo Dantès Nascimento, Lógica aplicada à advocacia, Cap. V. Francisco Weffort (org.), “Hegel: o Estado e a realização da liberdade”, por Gildo Marçal Brandão, in: Os clássicos da política, vol. 2.

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