sábado, 24 de abril de 2010

Resumo 14 – Conceito de Estado

II – Do Estado (continuação)

5. Conceito de Estado

"Tudo o que pode ser em geral pensado pode ser pensado claramente. Tudo o que se pode enunciar pode-se enunciar claramente"
(L. Wittgenstein)

O que é o Estado? Após estudar os elementos essenciais do estado e sua natureza jurídica, podemos chegar a um conceito ou definição de Estado. Conceituar ou definir é dizer, por meio de outras palavras, o que é uma coisa ou o que uma palavra significa. Definir significa limitar a extensão de um termo, para torná-lo distinto de outros termos.

A multiplicidade de conceitos. Há tantos conceitos diferentes de Estado que há mais de 100 anos o francês Bastiat instituiu um prêmio de 50 mil francos para uma definição perfeita. Até hoje ninguém ganhou o prêmio. O cientista político norte-americano David Easton encontrou 145 definições diferentes e acabou desistindo de conceituar Estado, passando a tratar de “sistema político”.

Estado não é nação. Ao contrário do que afirmam alguns dicionários e autores, Estado não é a “nação politicamente organizada”. Estado não se confunde nação e não depende dela para existir. Elemento essencial do Estado é o povo, que pode conter várias nações ou nação nenhuma. Nação é comunidade e não contem os elementos de uma sociedade (finalidade, ordem, poder). O Estado se organiza juridicamente para fins políticos. Política é finalidade, o Direito é a forma.

Regras da definição. Segundo Edmundo Dantès Nascimento, uma definição deve obedecer às seguintes regras:
a) a definição deve ser conversível ao definido (ex.: “ser humano é o animal racional” – “animal racional é o ser humano”);
b) a definição deve ser mais clara do que o definido;
c) a definição não deve conter o definido (ex.: “impedimento é o ato de impedir” = vício da petição de princípio);
d) a definição deve ser positiva (a coisa deve ser definida pelo que ela é, e não pelo que ela não é: “branco é o que não é preto”);
e) a definição deve ser breve (mas entre a brevidade e a clareza, deve-se preferir a clareza).

Exemplo: art. 213 do Código de Processo Civil: “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou interessado a fim de se defender”.


Os diversos pontos de vista. Segundo Bonavides, o Estado pode ser definido segundo diversos pontos de vista:
a) filosófico: Estado é a síntese da contradição dialética entre a família e a sociedade (Hegel);
b) jurídico: “ordem coativa normativa da conduta humana” (Kelsen);
c) sociológico e político: “comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima” (Max Weber)

Definições sintéticas. As melhores definições são aqueles que sintetizam os diversos pontos de vista.
• “Corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando” (Jellinek)
• “Pessoa jurídica soberana constituída de um povo organizado, sobre um território, sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social” (Groppalli)
• “Ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (Dallari)
• “Pessoa jurídica soberana composta de um povo e um território, que tem por fim o bem comum”

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 57 a 59.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 3, item 6. Edmundo Dantès Nascimento, Lógica aplicada à advocacia, Cap. V.

Resumo 13 – Personalidade Jurídica do Estado

II – Do Estado (continuação)

4. Personalidade jurídica do Estado.


“À multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou melhor (para falar em termos mais reverentes), daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa” (Thomas Hobbes)


Pessoa. A palavra pessoa vem do latim persona, máscara utilizada pelos atores do teatro romano, a qual servia para caracterizar os personagens e, ao mesmo tempo, dar maior ressonância à voz (per sonare: soar por, através de). Pessoa, na linguagem atual, é a dimensão social do ser humano, daí derivando a personalidade.

Personalidade jurídica. Para o Direito, pessoa é o sujeito ou titular de direitos e obrigações. A personalidade jurídica é a capacidade genérica, ou em abstrato, de ser sujeito de direitos e obrigações. Todos os seres humanos são pessoas? Coisas e animais são pessoas? O Estado é uma pessoa?

Seres Humanos. Atualmente, todos os seres humanos são considerados pessoas perante o Direito, ou seja, capazes de direitos e obrigações. Nem sempre foi assim: na antiguidade greco-romana, só os cidadãos eram pessoas, o que excluía mulheres, crianças, escravos e estrangeiros. Onde há escravidão os escravos não são considerados pessoas. Quanto aos fetos, discute-se se são ou não pessoas.

Coisas e animais. Na Idade Média chegou-se a processar objetos e animais, como vassouras e gatos, como supostos cúmplices de bruxaria, o que, na linguagem atual, lhes conferia personalidade. Atualmente, discute-se se a proteção aos animais e às plantas decorre de direitos próprios destes (Herman Benjamin) ou de um imperativo ético (Miguel Reale).

O caso Harry Berger. O alemão Harry Berger era um agente do Comintern que veio ao Brasil para participar da tentativa de revolução comunista em 1935. Preso, foi barbaramente torturado pela polícia de Getúlio Vargas. Heráclito Sobral Pinto, então um jovem advogado, à falta de uma lei que pudesse proteger o preso, já que o habeas corpus estava suspenso, utilizou, em seu favor, a lei de proteção aos animais, assinada anos antes pelo próprio Vargas.

Pessoa Jurídica. O Direito reconhece a personalidade jurídica de entidades formadas por outras pessoas, dotadas de existência e vontade próprias, que não se confundem com seus membros, como empresas, clubes, associações e o Estado. O Estado, portanto, é uma pessoa jurídica, pois é formado por outras pessoas e é capaz de direitos e obrigações.

Histórico. Deve-se ao contratualismo a primeira concepção do Estado como um ente autônomo, com vontade própria, diferenciado de seus membros. Essa concepção, porém, era puramente política. As teorias para qualificar juridicamente o Estado surgem no século XIX, com publicistas alemães como Savigny, Gierke e Jellinek. Deve-se a eles a qualificação do Estado como pessoa jurídica, com importantes repercussões no Direito Público.

Teorias. A partir do século XIX, surgiram várias teorias para explicar a personalidade jurídica do Estado:

ficcionismo: para essa teoria, pessoas, na realidade, são apenas os seres humanos dotados de consciência e vontade. Segundo Savigny, a pessoa jurídica é uma ficção criada pelo Direito por motivos de ordem prática (ficcio juris), a fim de possibilitar que certas entidades sejam sujeitos de direitos e obrigações legais.
realismo: para os realistas, o Estado tem existência real, alguns chegando ao exagero de afirmar que essa realidade é material (organicismo biológico). Já os adeptos do organicismo ético como Gierke, quando as pessoas se reúnem para realizar uma finalidade, surge um novo ente real, com vida própria e independente de seus membros, mas que não tem existência material, e sim moral (espiritual, ideal).
institucionalismo: para Hauriou, a pessoa jurídica ou instituição é uma unidade de fim. Segundo a filosofia tomista, existem unidades físicas (ex.: um bloco de metal) e unidades de fim (partes que se unem para um objetivo comum, como um relógio). Não só os objetos materiais são reais, mas também as emoções e as idéias. A instituição é uma união de pessoas em torno de uma idéia e, assim, tem existência real.

Teoria de Jellinek. Para Jellinek, sujeito, em sentido jurídico, não é uma algo material, palpável, mas simplesmente uma capacidade, criada mediante a vontade da ordem jurídica. A ordem jurídica pode atribuir essa capacidade a seres humanos e a instituições. Assim, a personalidade jurídica do Estado é algo real, e não fictício.

Oposição. Em oposição à idéia de Estado como pessoa jurídica, Seydel afirma que o Estado é apenas terra e gente dominadas por uma vontade superior. Para o anarquista de cátedra Duguit, o Estado é uma relação de fato e, portanto, não poderia se transformar em pessoa.

Importância. O reconhecimento da personalidade jurídica do Estado foi uma conquista importantíssima do Direito Público. Dela resulta: a capacidade do Estado para ser sujeito de direitos e obrigações; sua vontade não se confunde com a dos governantes (órgãos); limitação do poder; conciliação do jurídico com o político (vontade + regulação).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo III, itens 60 a 63.
Leituras complementares: Miguel Reale, Lições preliminares de Direito, Cap. XVIII. Georg Jellinek, Teoría General del Estado, L II, Cap. 6.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Resumo 12 - Elementos do Estado - Finalidade

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado (continuação)

3.4. Finalidade


“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas: que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis e que entre estes direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados.”

(Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 1776)



Introdução. Como toda sociedade, o Estado não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para a realização de certos objetivos. Por isso, a finalidade, ao lado de povo, território e soberania, é também considerada como um elemento essencial do Estado, ou seja, não existe Estado sem finalidade. É o chamado elemento teleológico do Estado (télos = finalidade).

Importância. Finalidade diz respeito aos objetivos que o Estado pretende alcançar e aos meios que ele emprega para isso. Relaciona-se com as funções do Estado, ou seja, com o que o Estado deve ou pode fazer para atingir suas finalidades. Para Villeneuve, a legitimidade da atuação do Estado depende da adequação dos meios à finalidade.

Desvio da finalidade. A falta de consciência da real finalidade do Estado ou o desprezo desta leva à superexaltação de aspectos particulares, como a economia (ênfase exagerada no desenvolvimento econômico, como na antiga URSS e na China Atual) e a ordem pública (Estado policial, p.ex., a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985) em detrimento do bem comum.

Opiniões contrárias. Nem todos os autores aceitam a finalidade como elemento do Estado. As teorias deterministas, influenciadas pelo materialismo e pelo cientificismo do século XIX, negam que Estado possa ter uma finalidade, sustentando que tudo é determinado por fatores externos. Kelsen, por sua vez, a vê como uma questão política, estranha ao Direito e que, portanto, não pode compor a essência do Estado, que para ele é o mesmo que a ordem jurídica.

Classificações. Entre os que aceitam a finalidade como elemento essencial do Estado, há diversas visões sobre quais são ou quais deveriam ser os fins do Estado. Tais visões são representadas pelas seguintes classificações:

1) De caráter geral

a) fins objetivos: são fins próprios do Estado. Subdividem-se em: fins objetivos universais (de todos os Estados, p. ex., a autarquia para Aristóteles) e fins objetivos particulares (peculiares de cada Estado, p. ex., a “missão histórica” reivindicada pelos EUA de levar a democracia liberal para o mundo)

b) fins subjetivos: alguns defendem que os fins do Estado não são próprios dele, mas a síntese das aspirações dos indivíduos que o compõem

2) Conforme o relacionamento do Estado com os indivíduos e a sociedade

a) Fins expansivos: Pregam a expansão das atividades do Estado. Tais fins podem ser utilitários (alegam buscar o maior bem para o maior número de pessoas, p. ex., os totalitarismos socialista e fascista) ou éticos (o Estado define o comportamento moral, p. ex., as teocracias islâmicas). Ambos podem levar a uma expansão excessiva do poder do Estado, em detrimento da liberdade das pessoas.

b) Fins limitados: Pretendem limitar a atuação do Estado ao mínimo necessário. Nesse sentido, há três linhas de pensamento muito parecidas: o Estado-polícia (État-gendarme: a única função do Estado é a manutenção da segurança pública; o restante deve ser deixado aos particulares – não confundir com Estado policial); o Estado Liberal (liberalismo político e econômico, o Estado deve se limitar a garantir a liberdade: “laissez faire, laissez passer...”); e o Estado de Direito (o Estado limita-se à aplicação do direito positivo, sem preocupação com valores como ética e justiça; é o direito visando à manutenção do status quo e não como instrumento de transformação social).

c) Fins relativos: Corrente baseada no solidarismo (Jellinek, Groppali, Dallari), segundo a qual, além das funções tradicionais (segurança, justiça etc.), o Estado deve agir para manter, ordenar e auxiliar as manifestações de solidariedade social, como, por exemplo, condições dignas de trabalho, previdência social, saúde, educação, cultura, meio ambiente etc., a fim de propiciar a todos os cidadãos uma vida digna e oportunidades iguais de progresso e desenvolvimento pessoal.

Princípios do Solidarismo: a) dignidade essencial da pessoa humana; b) primazia do bem comum sobre interesses privados; c) função social da propriedade; d) primazia do trabalho sobre o capital; e) subsidiariedade das instâncias superiores de poder em relação às inferiores.


3) Quanto à natureza:

a) fins exclusivos (fins essenciais, próprios do Estado e vedados à iniciativa privada, como, p. ex., defesa, segurança pública, justiça, moeda etc.)

b) fins concorrentes (complementares à iniciativa privada, como, p. ex., indústria, transportes, assistência social etc.)

Obs.: a definição do que são fins exclusivos e concorrentes depende, em alguns casos, da orientação ideológica. Por exemplo, para a direita liberal, saúde, educação, previdência social, comunicações etc. são fins concorrentes, enquanto que para a esquerda são exclusivos. A doutrina solidarista (fins relativos) evita os exageros das duas posições.

Debate. E você, o que pensa sobre as funções do Estado?
É função do Estado produzir moralidade, cultura e ciência?
• O Estado deve produzir bens como petróleo ou navios?
• O Estado deve ou não regular a Economia? para isso é necessário que ele tenha um banco?


Síntese. Segundo Dallari, há um fim geral, que é o bem comum (conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana). O bem comum é definido em relação a determinado povo, situado num determinado território, ou seja, conforme as peculiaridades de cada povo e de cada Estado. Normalmente, a finalidade do Estado consta da Constituição de cada Estado (no Brasil, no Preâmbulo e no art. 3º. Constituição de 1988).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 48 a 52.
Leituras complementares: Georg Jellinek, Teoría General del Estado, L II, Cap. 8º. Alessandro Groppali, Doutrina do Estado, Segunda Parte, Cap. I, item 8. Esperidião Amin, “Solidarismo: antítese do horror econômico brasileiro”, Revista ADUSP, Dez./1997.

domingo, 11 de abril de 2010

Marina responde a declaração absurda de Lula (mais uma)

Lula, do alto da sua ignorância arrogante, arrotou o seguinte sobre as multas que recebeu da Justiça Eleitoral por fazer propaganda eleitoral ilegal:

"Não podemos ficar subordinados ao que um juiz diz que podemos ou não"

Marina Silva, que "nasceu analfabeta", mas estudou e conhece o papel do Judiciário numa democracia, responde:

“A necessária reforma política que nós precisamos fazer não é para colocar os políticos acima da Justiça. Aliás, é para ajudar a colocar a política nos trilhos da justiça econômica, social e da ética”.

Perfeito.

sábado, 3 de abril de 2010

Resumo 11 - Elementos do Estado - Soberania

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno (continuação)

3.3. Soberania


“O direito e o poder são as duas faces de uma mesma moeda: só o poder pode criar o direito e só o direito pode limitar o poder” (Norberto Bobbio)


Introdução. Como toda sociedade, o Estado tem como um dos seus elementos essenciais o poder. Porém, o poder do Estado tem características próprias que o diferem do poder das demais sociedades. A principal delas é a soberania. Por isso, a soberania é considerada elemento essencial do Estado, ao lado do povo e do território. Sendo a soberania uma característica exclusiva do poder do Estado, trataremos de poder e soberania no mesmo capítulo.

O Poder do Estado. Segundo Burdeau, o poder do Estado é a força da idéia representada pelos objetivos de uma sociedade (bem comum). Os homens inventaram o Estado para não obedeceram aos homens. O Estado é uma forma de poder que enobrece a obediência, pois a relação entre governantes e governados deixa de ser baseada na força ou na vontade arbitrária do governante e baseia-se no ideal do bem comum. É um poder abstrato, pois independe das pessoas que o exercem transitoriamente.

Espécies de Poderes. Todas as sociedades são dotadas de poder, mas o poder do Estado tem características próprias e exclusivas. Segundo Jellinek, há dois tipos poderes: dominante (do Estado) e não-dominantes (outras sociedades). O poder dominante dispõe de força legal para obrigar, com seus próprios meios, à obediência de suas ordens (coação), o que não ocorre com os poderes não-dominantes.

Poder Dominante. O poder dominante possui as seguintes características: é originário, porque não é criado por nenhum outro poder e dá sustentação a todos os demais poderes; é irresistível, porque dotado de coação legal (regulada e limitada pelo Direito), da qual ninguém pode se subtrair.

A Soberania. Segundo Jellinek, a soberania é uma característica essencial do poder do Estado. Só o poder do Estado é soberano e não há Estado sem poder soberano. É a qualidade que torna o poder do Estado supremo internamente e que, externamente, significa que o Estado é igual e independente em relação aos demais.

Histórico. O conceito de soberania não era conhecido na Antiguidade nem na Idade Média, pois, segundo Jellinek, faltava a noção da oposição entre o poder do Estado e os demais poderes. A noção de soberania surge com o Estado Moderno, como conseqüência da afirmação do poder exclusivo e supremo do monarca sobre o território e o povo do Estado, em oposição aos senhores feudais, à Igreja, ao imperador e às cidades livres.

A teoria de Jean Bodin (1530-1596). O primeiro teórico a tratar do assunto foi Jean Bodin, em sua obra Os seis livros da República (1576). Baseando-se na realidade francesa da época, para Bodin a soberania é o poder absoluto e perpétuo num Estado, pertencente ao monarca (legibus solutus, superiorem non recognoscens). As únicas limitações ao poder soberano seriam as leis divinas e naturais, as quais ninguém pode contrariar.

A teoria de Rousseau. Outro autor importante a tratar da soberania foi Rousseau (1712-1778). Para ele, a soberania pertence ao povo e expressa a vontade geral. Ela é una, indivisível, inalienável, imprescritível. É também absoluta, mas não deve impor obrigações inúteis aos cidadãos e tratar a todos com igualdade.

Fundamento da soberania. A concepção de soberania evoluiu de uma base exclusivamente política (força, vontade) para uma justificativa jurídica (baseada no direito), culminando com uma síntese dos dois fundamentos, sendo hoje considerada como um conceito ao mesmo tempo político e jurídico.

Concepção Política de Soberania. Segundo uma concepção puramente política, poder é força, dominação, importando que produza resultados (eficácia). Para Jhering, a força produz o Direito. Segundo essa concepção, soberania é o poder incontrastável de mando, ou seja, o poder de querer coercitivamente e de fixar competências (preocupação com a plena eficácia do poder).

Concepção jurídica de soberania. Segundo uma concepção puramente jurídica (normativista), o poder é criado pelo Direito. Hans Kelsen (1871-1973), na sua Teoria Pura do Direito, sustenta que a ordem jurídica (direito posto, positivo) é escalonada como uma pirâmide em que as normas superiores são o fundamento de validade das inferiores, desde a norma suprema, que é a Constituição, até as sentenças judiciais e os contratos, que são normas particulares (relativas a um caso concreto). O fundamento de validade desse sistema seria uma norma hipotética, que não é posta, mas simplesmente suposta, ou seja, é um pressuposto lógico para a construção do sistema e inexistente no campo dos fatos. Este seria o ponto fraco da doutrina de Kelsen, pois o fundamento da soberania fica sem explicação fática. Segundo a concepção jurídica, portanto, soberania é o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, ou seja, poder soberano é aquele que dá a última palavra sobre qual é a norma válida num Estado (preocupação com a eficácia do Direito).

Concepção culturalista de soberania. A concepção culturalista, ou jurídico-política, de soberania, exposta por Miguel Reale (1910-2006), faz uma síntese das duas concepções. Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, de autoria de Reale, o Estado é ao mesmo tempo um fenômeno social (fato), político (valor) e jurídico (norma). O poder é substancialmente político, mas não há organização social sem direito (ubi societas, ibi jus; ubi jus, ibi societas). O que há são graus de juridicidade: a presença do Direito vai de um mínimo (a força ordenadamente exercida) até um máximo (força empregada exclusivamente como um meio de realização do Direito), conforme o grau de evolução cultural de uma sociedade.

Conceito jurídico-político. Segundo a concepção culturalista ou jurídico-política, de soberania, para organizar-se a sociedade necessita do poder, mas esse poder é exercido segundo uma norma e, à medida que a sociedade evolui, o poder vai sendo cada vez mais exercido conforme os valores sociais. Soberania, assim, é a capacidade de um povo de organizar-se juridicamente e de fazer valer, dentro de seu território, a universalidade de suas decisões, nos limites dos fins éticos da convivência humana.

Justificação da soberania. Da mesma forma que o poder, a soberania possui duas linhas doutrinárias de justificação: a doutrina teocrática, isto é, o poder vem de Deus, sendo transmitido ao monarca ou ao povo; e a doutrina democrática, pela qual a fonte do poder é o próprio povo, sendo por ele exercido diretamente ou por meio de representantes.

Titular da Soberania. Para Bodin, o titular da soberania é o monarca (absolutismo). Para Rousseau, é o povo (democracia). Para o Abade de Sieyés e outros teóricos da Revolução Francesa, é a nação. Segundo Jellinek e outros teóricos da doutrina alemã da personalidade jurídica do Estado, o titular da soberania é o próprio Estado. Esta é a teoria mais aceita atualmente, sem excluir o povo como fonte do poder.

Objeto e significação. Internamente, ou seja, em relação ao povo do Estado e quem se encontre em seu território, a soberania é o poder supremo. Externamente, ou seja, em relação aos outros Estados, a soberania significa igualdade e independência de um Estado em relação aos demais.

Relativização da Soberania. Segundo Farrajoli, a soberania é relativizada internamente pelo Estado de Direito, pela separação de Poderes, pelos grupos de pressão etc., embora ainda seja o grau máximo de poder. Externamente, ela é atenuada pela ONU e por tratados internacionais, blocos econômicos etc.
Teoria da negação da soberania: ela não existe de fato, o que existe é a crença na soberania (Duguit).

Conclusões. Soberania não é o poder, mas sim uma qualidade essencial e exclusiva do poder do Estado. É expressão do poder máximo, mas não do poder absoluto, pois tem regras e limites para o seu exercício, seja interna, seja externamente. Seu titular é o Estado, mas sua fonte é o povo. É elemento essencial do Estado, pois sem soberania não pode existir Estado.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 31 a 38 e 53 a 56.
Leituras complementares: G. Jellinek, Teoría General del Estado, L. III, Cap. 13, item II. G. Burdeau, O Estado, Cap. I. H. Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, Segunda Parte, Cap. II, item G M. Reale, Teoria do Direito e do Estado, Cap. IV, itens 92 a 94. L. Ferrajoli, A soberania no mundo moderno.