sábado, 3 de abril de 2010

Resumo 11 - Elementos do Estado - Soberania

II – Do Estado (continuação)

3. Elementos do Estado Moderno (continuação)

3.3. Soberania


“O direito e o poder são as duas faces de uma mesma moeda: só o poder pode criar o direito e só o direito pode limitar o poder” (Norberto Bobbio)


Introdução. Como toda sociedade, o Estado tem como um dos seus elementos essenciais o poder. Porém, o poder do Estado tem características próprias que o diferem do poder das demais sociedades. A principal delas é a soberania. Por isso, a soberania é considerada elemento essencial do Estado, ao lado do povo e do território. Sendo a soberania uma característica exclusiva do poder do Estado, trataremos de poder e soberania no mesmo capítulo.

O Poder do Estado. Segundo Burdeau, o poder do Estado é a força da idéia representada pelos objetivos de uma sociedade (bem comum). Os homens inventaram o Estado para não obedeceram aos homens. O Estado é uma forma de poder que enobrece a obediência, pois a relação entre governantes e governados deixa de ser baseada na força ou na vontade arbitrária do governante e baseia-se no ideal do bem comum. É um poder abstrato, pois independe das pessoas que o exercem transitoriamente.

Espécies de Poderes. Todas as sociedades são dotadas de poder, mas o poder do Estado tem características próprias e exclusivas. Segundo Jellinek, há dois tipos poderes: dominante (do Estado) e não-dominantes (outras sociedades). O poder dominante dispõe de força legal para obrigar, com seus próprios meios, à obediência de suas ordens (coação), o que não ocorre com os poderes não-dominantes.

Poder Dominante. O poder dominante possui as seguintes características: é originário, porque não é criado por nenhum outro poder e dá sustentação a todos os demais poderes; é irresistível, porque dotado de coação legal (regulada e limitada pelo Direito), da qual ninguém pode se subtrair.

A Soberania. Segundo Jellinek, a soberania é uma característica essencial do poder do Estado. Só o poder do Estado é soberano e não há Estado sem poder soberano. É a qualidade que torna o poder do Estado supremo internamente e que, externamente, significa que o Estado é igual e independente em relação aos demais.

Histórico. O conceito de soberania não era conhecido na Antiguidade nem na Idade Média, pois, segundo Jellinek, faltava a noção da oposição entre o poder do Estado e os demais poderes. A noção de soberania surge com o Estado Moderno, como conseqüência da afirmação do poder exclusivo e supremo do monarca sobre o território e o povo do Estado, em oposição aos senhores feudais, à Igreja, ao imperador e às cidades livres.

A teoria de Jean Bodin (1530-1596). O primeiro teórico a tratar do assunto foi Jean Bodin, em sua obra Os seis livros da República (1576). Baseando-se na realidade francesa da época, para Bodin a soberania é o poder absoluto e perpétuo num Estado, pertencente ao monarca (legibus solutus, superiorem non recognoscens). As únicas limitações ao poder soberano seriam as leis divinas e naturais, as quais ninguém pode contrariar.

A teoria de Rousseau. Outro autor importante a tratar da soberania foi Rousseau (1712-1778). Para ele, a soberania pertence ao povo e expressa a vontade geral. Ela é una, indivisível, inalienável, imprescritível. É também absoluta, mas não deve impor obrigações inúteis aos cidadãos e tratar a todos com igualdade.

Fundamento da soberania. A concepção de soberania evoluiu de uma base exclusivamente política (força, vontade) para uma justificativa jurídica (baseada no direito), culminando com uma síntese dos dois fundamentos, sendo hoje considerada como um conceito ao mesmo tempo político e jurídico.

Concepção Política de Soberania. Segundo uma concepção puramente política, poder é força, dominação, importando que produza resultados (eficácia). Para Jhering, a força produz o Direito. Segundo essa concepção, soberania é o poder incontrastável de mando, ou seja, o poder de querer coercitivamente e de fixar competências (preocupação com a plena eficácia do poder).

Concepção jurídica de soberania. Segundo uma concepção puramente jurídica (normativista), o poder é criado pelo Direito. Hans Kelsen (1871-1973), na sua Teoria Pura do Direito, sustenta que a ordem jurídica (direito posto, positivo) é escalonada como uma pirâmide em que as normas superiores são o fundamento de validade das inferiores, desde a norma suprema, que é a Constituição, até as sentenças judiciais e os contratos, que são normas particulares (relativas a um caso concreto). O fundamento de validade desse sistema seria uma norma hipotética, que não é posta, mas simplesmente suposta, ou seja, é um pressuposto lógico para a construção do sistema e inexistente no campo dos fatos. Este seria o ponto fraco da doutrina de Kelsen, pois o fundamento da soberania fica sem explicação fática. Segundo a concepção jurídica, portanto, soberania é o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, ou seja, poder soberano é aquele que dá a última palavra sobre qual é a norma válida num Estado (preocupação com a eficácia do Direito).

Concepção culturalista de soberania. A concepção culturalista, ou jurídico-política, de soberania, exposta por Miguel Reale (1910-2006), faz uma síntese das duas concepções. Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, de autoria de Reale, o Estado é ao mesmo tempo um fenômeno social (fato), político (valor) e jurídico (norma). O poder é substancialmente político, mas não há organização social sem direito (ubi societas, ibi jus; ubi jus, ibi societas). O que há são graus de juridicidade: a presença do Direito vai de um mínimo (a força ordenadamente exercida) até um máximo (força empregada exclusivamente como um meio de realização do Direito), conforme o grau de evolução cultural de uma sociedade.

Conceito jurídico-político. Segundo a concepção culturalista ou jurídico-política, de soberania, para organizar-se a sociedade necessita do poder, mas esse poder é exercido segundo uma norma e, à medida que a sociedade evolui, o poder vai sendo cada vez mais exercido conforme os valores sociais. Soberania, assim, é a capacidade de um povo de organizar-se juridicamente e de fazer valer, dentro de seu território, a universalidade de suas decisões, nos limites dos fins éticos da convivência humana.

Justificação da soberania. Da mesma forma que o poder, a soberania possui duas linhas doutrinárias de justificação: a doutrina teocrática, isto é, o poder vem de Deus, sendo transmitido ao monarca ou ao povo; e a doutrina democrática, pela qual a fonte do poder é o próprio povo, sendo por ele exercido diretamente ou por meio de representantes.

Titular da Soberania. Para Bodin, o titular da soberania é o monarca (absolutismo). Para Rousseau, é o povo (democracia). Para o Abade de Sieyés e outros teóricos da Revolução Francesa, é a nação. Segundo Jellinek e outros teóricos da doutrina alemã da personalidade jurídica do Estado, o titular da soberania é o próprio Estado. Esta é a teoria mais aceita atualmente, sem excluir o povo como fonte do poder.

Objeto e significação. Internamente, ou seja, em relação ao povo do Estado e quem se encontre em seu território, a soberania é o poder supremo. Externamente, ou seja, em relação aos outros Estados, a soberania significa igualdade e independência de um Estado em relação aos demais.

Relativização da Soberania. Segundo Farrajoli, a soberania é relativizada internamente pelo Estado de Direito, pela separação de Poderes, pelos grupos de pressão etc., embora ainda seja o grau máximo de poder. Externamente, ela é atenuada pela ONU e por tratados internacionais, blocos econômicos etc.
Teoria da negação da soberania: ela não existe de fato, o que existe é a crença na soberania (Duguit).

Conclusões. Soberania não é o poder, mas sim uma qualidade essencial e exclusiva do poder do Estado. É expressão do poder máximo, mas não do poder absoluto, pois tem regras e limites para o seu exercício, seja interna, seja externamente. Seu titular é o Estado, mas sua fonte é o povo. É elemento essencial do Estado, pois sem soberania não pode existir Estado.


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo II, itens 31 a 38 e 53 a 56.
Leituras complementares: G. Jellinek, Teoría General del Estado, L. III, Cap. 13, item II. G. Burdeau, O Estado, Cap. I. H. Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, Segunda Parte, Cap. II, item G M. Reale, Teoria do Direito e do Estado, Cap. IV, itens 92 a 94. L. Ferrajoli, A soberania no mundo moderno.

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