domingo, 25 de setembro de 2011

Mudanças à vista no exame da OAB

Notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo mo dia 23/09 informa que a OAB pretende incluir Ciência Política, Direitos Humanos e outras disciplinas fundamentais no exame da OAB.

OAB cria comissão para implementar mudança em prova

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) instaurou uma comissão para implementar mudanças no exame de ordem, como a inclusão de questões sobre ciência política e direitos humanos. A ideia é que a primeira prova de 2012 já seja renovada.
Está prevista a inclusão de conteúdos do chamado eixo de fundamentos do direito, que inclui filosofia e sociologia geral e jurídica, psicologia, antropologia, economia e ética geral e profissional. De acordo com o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, a medida é uma resposta a críticas feitas à prova.

Resumo 24 - Formas de Governo

IV – Estado e Governo


7. Formas de Governo (Monarquia e República)


Introdução. Como já foi visto, embora haja divergências entre os autores, as denominações mais usuais e compatíveis com a Constituição brasileira em relação à tipologia de governos são:
regimes políticos: democracia e autocracia
formas de governo: monarquia e república
sistemas de governo: parlamentarismo e presidencialismo

Formas de governo. Conforme a tipologia acima, quando se fala em formas de governo trata-se da estrutura política do governo e da forma de acesso ao poder, especialmente no que se refere ao Poder Executivo. Segundo essa classificação, as formas de governo são Monarquia e República.

Monarquia

“Enforcai o último rei com as tripas do último padre” (DENIS DIDEROT, filósofo iluminista francês, 1713-1784)

Histórico. A Monarquia (do grego mono + arkê: autoridade única) é a forma mais tradicional de governo, utilizada desde a antiguidade. Segundo a classificação de Aristóteles, a monarquia, também chamada de realeza ou principado, é o governo de um só, que pode degenerar para tirania. Conforme Montesquieu, o princípio da Monarquia é a honra, ou seja, o rei deve honrar pessoas consideradas especiais com títulos e privilégios, reforçando a desigualdade, independentemente do mérito. É próprio da Monarquia, portanto, haver uma casta de privilegiados. O luxo e a ostentação são características normais tanto dos governantes como da sociedade numa monarquia. Os Estados modernos se constituíram como monarquias absolutistas, em que o poder se concentrava nas mãos do rei. Com as revoluções burguesas e o constitucionalismo, surgiram as monarquias constitucionais, nas quais o poder do rei é limitado e em sua maior parte é exercido de forma democrática e republicana.

Características da monarquia:
vitaliciedade: o poder não é exercido por tempo determinado, normalmente durando por toda a vida do rei.
hereditariedade: o poder é transmitido por sucessão hereditária, porque é propriedade da família real.
irresponsabilidade: o rei não responde por seus atos e nem deve prestar contas aos súditos.

Vantagens e desvantagens. Os defensores da Monarquia argumentam com sua estabilidade, distanciamento das lutas políticas e preparação especial do rei para o exercício do poder. Seus detratores argumentam que ela é essencialmente antidemocrática e que um Estado não pode ter sua sorte ligada a uma pessoa e sua família.

Monarquias Constitucionais. São Monarquias nas quais o poder do rei foi sendo diminuído até que lhe restou apenas o cargo quase simbólico de Chefe de Estado. Normalmente são combinadas com o sistema parlamentarista, com características republicanas, em que a Chefia de Governo é exercida por um primeiro-ministro eleito. É a única espécie de monarquia considerada compatível com a democracia. Ex: Inglaterra, Espanha, Dinamarca, Suécia etc.

República

“Nem um homem nesta terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular (...) verdadeiramente que nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa” (Frei Vicente do Salvador, 1564-1635).

Histórico. A República nasceu em Roma (509 a.C.) para combater a monarquia. Era o que os estudiosos denominavam governo misto, dividindo o poder entre o Consulado, o Senado e a plebe. Os dois cônsules dividiam o poder máximo, presidindo o Senado e comandando o exército (imperium) e eram eleitos anualmente. Havia ainda eleições para vários outros cargos, chamados de magistraturas, como edis, censores, questores, pretores e tribunos da plebe, cada um com funções específicas e exigência de idade mínima e experiência anterior em um cargo de menor importância (cursus honorum). Valorizava-se a moderação, a austeridade, o decoro e o respeito à coisa pública (res publica), que deveria estar acima dos interesses pessoais. O luxo e a ostentação eram vistos como negativos. Exemplo dessas virtudes foi cônsul Brutus, que mandou executar seus filhos por conspirarem contra a República. Séculos depois, Júlio César foi assassinado por senadores pelo mesmo motivo. Entre os assassinos, estava um descendente do mesmo Brutus, que era filho adotivo de César. Com a queda da República em Roma (27 a.C.), essa forma de governo praticamente desapareceu, até que passou a ser adotada por cidades italianas independentes no fim da Idade Média (Veneza, Florença etc.).

República moderna. O combate ao absolutismo monárquico identificou a República como uma forma mais democrática de governo, por limitar o poder, garantir a igualdade e propiciar a participação popular mediante a eleição de representantes. Os EUA já nasceram como República em 1776, e a Revolução Francesa implantou essa forma de governo em sua segunda fase (1792).

Características da república:
temporariedade: o poder deve ser exercido por tempo limitado, evitando-se mandatos longos e reeleições sucessivas;
eletividade: o acesso ao poder deve ser por eleição, e não por sucessão hereditária;
responsabilidade: os governantes devem responder por seus atos e prestar contas (transparência, accountability).

Princípio Republicano. Conforme a doutrina mais atual, as normas jurídicas se dividem em regras e princípios. Os princípios são mais abstratos do que as regras e estão acima delas, sendo baseados num conjunto de valores (por exemplo, o princípio da igualdade). Atualmente, entende-se que, mais do que uma forma de governo, a República é um princípio que abrange, além das características republicanas básicas, valores como a separação entre Igreja e Estado (Estado laico), ética na política, honestidade, respeito à coisa pública, impessoalidade, moderação, austeridade, combate aos privilégios, ao nepotismo e ao patrimonialismo (confusão entre o público e o privado), etc.

República x Democracia. Segundo o cientista político e filósofo Renato Janine Ribeiro, considerando que a Democracia é o regime em que se busca a conquista de direitos e a República é a forma de governo que exige sacrifícios em nome da coletividade, há uma tensão entre esses dois princípios, mas um não pode existir sem o outro. Para ele, “a República é o que nos faz respeitar o bem comum. A Democracia é o que nos faz construir uma sociedade da qual esperamos nosso bem. Na Democracia, desejamos ter e ser mais. Com a República, aprendemos a conter nossos desejos. Há uma tensão forte entre esses dois princípios, mas um não vive sem o outro” (...) “Não há política digna de seu nome, hoje, que não seja democrática e republicana. Mas há uma tensão entre esses dois ideais. A república é o regime no qual prevalece o bem comum, o que exige o sacrifício ou a contenção dos desejos e interesses privados. Já a força da democracia, hoje, e seu caráter popular estão justamente no fato de que ela mobiliza o desejo de ter mais – e sobretudo o desejo de ser mais”.

Para refletir. No Brasil, existem mais de 20 mil cargos públicos de livre nomeação pelos políticos. Nos EUA, são cerca de 10 mil e, na Inglaterra, menos de 200. A Inglaterra não seria, nesse ponto, mais republicana do que o Brasil?

Bibliografia

Leitura essencial:
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 121 a 125.

Leituras complementares:
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, ed. Malheiros.
RIBEIRO, Renato Janine. A República (coleção “Folha Explica”, ed. Publifolha).

sábado, 17 de setembro de 2011

Resumo 23 - Separação de Poderes


IV – Estado e Governo

6. Separação de Poderes



“Todo o poder corrompe: o poder absoluto corrompe absolutamente” (Lord Acton, 1887).


Introdução. Como já visto, o poder do Estado é uno, pois a soberania é indivisível. Esse poder, porém, pode ser concentrado ou distribuído por vários órgãos do Estado. Além disso, os estudiosos da política há muito tempo distinguiram três formas básicas pelas quais o poder do Estado se manifesta: a elaboração das leis, a execução das leis e o julgamento dos conflitos interpretando e aplicando as leis.

Poderes do Estado. O poder do Estado, portanto, atua de três modos básicos:
Legislação é a elaboração da lei (norma geral, abstrata e dotada de sanção).
Administração é a execução ou aplicação da lei por dever de ofício, sem necessidade de provocação.
Jurisdição é a aplicação da lei, de forma definitiva, nos conflitos de interesses, mediante a provocação de uma das partes.

Por exemplo: um imposto é sempre criado por uma lei (legislação); criado o imposto, o Estado vai cobrá-lo das pessoas (execução ou aplicação da lei no caso concreto); caso haja litígio entre o Estado e o contribuinte, essa lide será decidida por um órgão do Estado, que interpretará a lei e dirá quem tem razão (jurisdição).

“Separação de poderes”. A identificação dessas três formas básicas de atuação do Estado e, posteriormente, a utilização dessa distinção para a moderação do poder e garantia da liberdade deu origem à teoria chamada de “separação de poderes”. Note-se que essa teoria não visa dividir o poder, mas sim distribuir as diferentes funções para órgãos distintos do Estado.

Antecedentes históricos. Aristóteles (século IV a.C.) foi o pioneiro na identificação das três funções básicas do Estado, recomendando que fossem distribuídas em mãos diferentes para a boa organização da polis. Marsílio de Pádua (século XIV) afirmou que legislador deve ser o povo e não o monarca. Maquiavel (século XVI), afirmou a conveniência de o Príncipe ter juízes independentes. Segundo Locke (século XVIII), os poderes do Estado seriam quatro: Legislativo, Judiciário e o Executivo dividido em Prerrogativa (administração interna) e Poder Federativo (relações internacionais). Para ele, deveria haver supremacia do Legislativo, por este representar o povo.

Montesquieu. Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, foi um filósofo e jurista francês que viveu entre 1689 e 1755. Herdou o título de barão e o cargo de juiz do tribunal de Bodeaux de um tio, mas logo vendeu o cargo para se dedicar à filosofia. Levou mais de 20 anos para escrever sua obra máxima, O Espírito das Leis, publicado em 1748.

A teoria de Montesquieu. No Capítulo VI do Livro XI da obra, Montesquieu observa que existem três espécie de poder num Estado: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Porém, segundo ele, “é uma experiência eterna que todo homem que tem poder é levado a dele abusar. Vai até encontrar limites”. Para Montesquieu, não há liberdade se um poder está unido ao outro, e onde esses três Poderes estão concentrados nas mãos de uma pessoa ou de um único órgão, reina um “despotismo atroz”. A fórmula para limitar o poder é a distribuição dos três poderes para órgãos diferentes, a fim de que um limite o outro, evitando assim o abuso e garantindo a liberdade. Segundo suas palavras, “para formar um Governo moderado, precisa combinar os poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir ao outro”.

Freios e contrapesos. Para Montesquieu, os poderes devem ser independentes e harmônicos, não devendo haver supremacia de um sobre outro. Assim, além da separação dos poderes ele aconselha que haja controles recíprocos, com um poder interferindo em alguns pontos no funcionamento do outro. Por exemplo, o Executivo poderia convocar o Legislativo e vetar leis aprovadas por este, consideradas inconvenientes. O Legislativo, por sua vez, poderia fiscalizar a execução das leis, exigindo que o Executivo preste contas. Posteriormente, essa teoria, que ficou conhecida como freios e contrapesos ou checks and balances, foi desenvolvida nos EUA a partir de 1787, onde foram implantados outros mecanismos, como controle de constitucionalidade e de legalidade pelo Judiciário, o impeachment do chefe do Executivo pelo Legislativo, a nomeação dos membros dos tribunais superiores pelo chefe do Executivo, etc.

Funções típicas e atípicas. Além dos freios e contrapesos, cada um dos três poderes tem funções típicas e atípicas, a fim de que possam funcionar adequadamente, mantendo a independência e a harmonia. O Legislativo tem como função típica a legislação e como funções atípicas a administração (funcionários próprios, material etc.) e jurisdição (julgamento do impeachment, julgamento disciplinar de seus membros). O Poder Executivo tem como função típica a administração e como funções atípicas a legislação (medidas provisórias, decretos, veto, iniciativa de lei) e jurisdição (processo administrativo). O Poder Judiciário tem como função típica a jurisdição e como funções atípicas a administração (funcionários próprios, material etc.) e legislação (iniciativa de lei).

Dogma do Constitucionalismo liberal. A partir das Constituições dos EUA (1787) e da França (1791), a teoria da separação dos poderes, com o fim de limitar o poder e assim garantir a liberdade, tornou-se um dogma do Constitucionalismo Liberal e foi incorporada na maioria das Constituições. Já no século XX, porém, ela passou a sofrer críticas, principalmente porque prejudicaria a eficiência do Estado. Atualmente, muitos autores afirmam que o dogma da separação de poderes estaria superado.

Função de controle. O eminente constitucionalista alemão Karl Loewenstein sustenta a existência de um Poder de Controle, que seria exercido pelo Ministério Público e pelo Legislativo, que tradicionalmente exerce a fiscalização do cumprimento das leis pelo Executivo, inclusive através do Tribunal de Contas. Podemos acrescentar que nesse contexto estaria também o controle externo do Judiciário e do Ministério Público e a imprensa livre, essencial para o controle do poder na democracia.

Para pensar. Você acha que o dogma liberal da separação de poderes está superado?

Bibliografia

Leitura essencial:
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 115 a 120.

Leituras complementares:
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, Cap. 10.
MONTESQUIEU, Charles de. O espírito das leis, Livro XI, Cap. VI.
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 1, capítulo sobre Montesquieu.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Resumo 22 - Sistemas Eleitorais


IV – Estado e Governo

5. Sistemas Eleitorais



“A vontade do povo significa, na prática, a vontade do maior número ou da parte mais ativa do povo, da maioria ou daqueles que conseguem se fazer aceitos como a maioria; conseqüentemente, o povo pode desejar oprimir uma parte de seu número, e são necessárias tantas precauções contra isto como contra qualquer outro abuso do poder” (J. Stuart Mill, Sobre a Liberdade, 1859)


Introdução. Na democracia representativa, a escolha de representantes é feita pelo sufrágio (voto e candidatura). Há diversas formas de se organizar as eleições e contabilizar os votos, a fim de que a representação seja autêntica, isto é, corresponda o mais fielmente possível à vontade popular, pois esse é o objetivo da democracia. Os diversos modos pelos quais se organizam as eleições e se contabilizam os votos são sistemas eleitorais.

Definição. Conforme Jairo Nicolau, sistema eleitoral é o “conjunto de regras que define como, em uma determinada eleição, o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos”. Em outras palavras, o sistema eleitoral determina “como se transformam votos em poder”.

Tipos de sistemas. Há diversos sistemas eleitorais, que podem ser utilizados de forma exclusiva ou combinada, como é mais comum. Os sistemas mais conhecidos são:
Majoritário
• Distrital
• Proporcional
• Distrital Misto


Sistema Majoritário. É o sistema mais simples: quem obtém mais votos é eleito (“first past the post”). Pode exigir maioria simples (maior número de votos entre os candidatos) ou maioria absoluta (mais da metade dos votos válidos). No sistema de maioria absoluta, caso não haja maioria de votos numa primeira votação faz-se um segundo turno entre os dois mais votados. O sistema majoritário (maioria simples ou absoluta, conforme o caso) é normalmente utilizado para a eleição do chefe do Executivo (presidente, governador e prefeito) e para senador. No sistema distrital, o sistema majoritário também é usado para a escolha de candidatos ao Legislativo (vereadores e deputados).

Conseqüências do Sistema Majoritário. Segundo os cientistas políticos, o sistema de maioria simples induz ao bipartidarismo e à formação de governos mais homogêneos, com maioria mais clara e programa mais definido. Os partidos pequenos tendem a enfraquecer ou desaparecer, porque não vêem vantagem em lançar candidatos próprios. Já o sistema de maioria absoluta (turno duplo, se necessário) favorece o pluripartidarismo e forma governos de coalizão, pois os partidos pequenos preferem lançar candidatos próprios no primeiro turno e deixar as coalizões para o segundo.

Sistema Distrital. Tradicionalmente, a representação política no Poder Legislativo era vinculada a comunidades regionais. Deputados e vereadores eram representantes da sua comunidade de origem, chamada “distrito”. Nesse sistema, para a eleição de representantes aos parlamentos municipais, estaduais ou federais, divide-se a circunscrição (cidade, estado ou país) em distritos, em número correspondente ao de vagas a serem preenchidas, e em cada distrito realiza-se uma mini-eleição pelo sistema majoritário. Normalmente, cada distrito elege apenas um representante por maioria simples. Esse sistema ainda é utilizado em muitos países, como Inglaterra, EUA etc., mas deixou de ser utilizado no Brasil.

Conseqüências do Sistema Distrital. Considerando que o sistema distrital é combinado com o sistema majoritário, ele produz as mesmas conseqüências desse sistema. Além disso, são citados como aspectos positivos do sistema distrital a aproximação entre o representante e o eleitor, facilitando a fiscalização por parte deste, e o barateamento das campanhas eleitorais, pois o candidato só faz campanha em seu distrito e não em toda a circunscrição. Isso tende a diminuir a corrupção, em grande parte causada pela necessidade de arrecadar somas cada vez maiores para campanhas cada vez mais caras. Por outro lado, são citados como aspectos potencialmente negativos do sistema distrital a facilitação do clientelismo, a possibilidade de formação de “currais eleitorais”, a sub-representação das minorias e a possibilidade de manipulação do desenho dos distritos para favorecer um determinado grupo político (gerrymandering).

Sistema Proporcional. Esse sistema foi criado na Bélgica, em 1900, sob a inspiração de Stuart Mill, com o intuito de possibilitar a representação de minorias e favorecer pluralismo no Poder Legislativo. A eleição é feita em toda a circunscrição e não por distritos. Basicamente, cada partido elege, para o Legislativo, número de representantes proporcional à votação obtida. Ex.: 20% dos votos = 20% das cadeiras; 10% dos votos = 10% das cadeiras e assim por diante. Com isso, um partido pequeno, que, por exemplo, tenha em média 10% dos votos, e que, portanto, dificilmente conseguiria eleger um representante num distrito, pelo sistema proporcional conseguiria ter 10% das cadeiras no Legislativo.

Cálculo da representação proporcional. Há diversas maneiras de se fazer esse cálculo. Segundo a lei brasileira (Código Eleitoral), divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher, obtendo-se o quociente eleitoral (QE). O QE é o número mínimo de votos que um partido precisa obter para conquistar uma vaga. Em seguida, para se saber a quantas vagas o partido terá direito, divide-se a votação do partido pelo quociente eleitoral (QE), obtendo-se o quociente partidário (QP). Se houver sobras, as vagas restantes são preenchidas pelo sistema da maior média (repete-se a operação, adicionado-se 1 ao QE). Caso haja coligações de partidos, o cálculo do QP é feito com base nos votos da coligação.

Exemplo. Numa cidade com 100.000 votos válidos e 20 vagas para vereador, o QE é 5.000 (são precisos 5.000 votos para o partido conquistar uma cadeira na Câmara de Vereadores). Se o partido A obteve 20.000 votos, o Partido B teve 10.000 votos, o Partido C teve 5.000 votos e o Partido D teve 4.000 votos, a quantas cadeiras terá direito cada partido? Resposta: se o Partido A obteve 20.000 votos, seu QP é 4: terá direito a quatro cadeiras. Se o Partido B teve 10.000 votos, seu QP é 2: terá direito a duas cadeiras. Se o Partido C teve 5.000 votos, seu QP é um: terá direito a uma vaga. O Partido D não terá direito à representação, pois não atingiu o QE. As sobras serão repartidas entre os partidos que atingiram o QE.

Preenchimento das vagas no sistema proporcional. A partir do resultado da votação, se sabe quantas vagas cada partido conquistou. Para o preenchimento dessas vagas há dois sistemas: a lista aberta e a lista fechada. Pelo sistema de lista aberta (usado no Brasil), as vagas de cada partido são preenchidas pelos seus candidatos mais votados, por ordem de votação. Por exemplo, se o partido obteve quatro cadeiras, os quatro candidatos mais votados ocupam as vagas. Pelo sistema de lista fechada, o partido apresenta previamente uma lista, com a ordem de preferência dos candidatos, preenchendo as vagas conquistadas segundo essa ordem. Nesse caso, os quatro primeiros da lista pré-ordenada ocupam as vagas. A favor da lista aberta, argumenta-se que o eleitor pode escolher seu candidato preferido, mas isso traz a desvantagem de provocar competição dentro do próprio partido pela preferência dos eleitores, encarecendo ainda mais a campanha. Já na lista fechada, não há competição interna na campanha eleitoral e todos fazem campanha pelo partido, que sai fortalecido. Em contrapartida, os eleitores não podem influir na composição da lista, que é decidida pela direção do partido, nem sempre de forma democrática.

Conseqüências do Sistema Proporcional. O sistema proporcional gera o pluripartidarismo. Em seu favor, argumenta-se que ele possibilita a representação das minorias (que têm poucas chances pelo sistema majoritário), o que por sua vez favorece o pluralismo político. Isso, porém, traz o risco de multiplicação excessiva de partidos, com o surgimento dos chamados “partidos nanicos” e “legendas de aluguel”. Há, ainda, outros efeitos nefastos. Os candidatos de um partido com um “puxador de votos”, que infla o seu quociente partidário, podem ser eleitos com um número pequeno de votos, superando candidatos mais votados de outros partidos (“efeito Tiririca”). A campanha eleitoral fica ainda mais cara, pois todos fazem propaganda contra todos e numa área muito grande, o que, por sua vez, favorece a corrupção. Há, também, um distanciamento do eleitor, pois o representante, colhendo votos dispersos por uma grande área, não se sente vinculado a uma comunidade determinada.

Sistema Distrital Misto. Utilizado na Alemanha, esse sistema pretende unir as vantagens dos sistemas distrital e proporcional. Metade dos representantes é eleita pelo sistema distrital e metade pelo sistema proporcional. O eleitor dá dois votos: um no seu distrito e outro na circunscrição.

Sistemas adotados no Brasil. Atualmente no Brasil, para a chefia do Executivo (presidente da República, governador de Estado e prefeito) é utilizado o sistema majoritário. Exige-se maioria absoluta (segundo turno, se necessário), exceto para municípios com menos de 200 mil eleitores. Para o Senado, é utilizado o sistema majoritário (maioria simples). Para os Legislativos (Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores), é utilizado o sistema proporcional, com lista aberta.

Propostas de reforma. Há diversas propostas para uma reforma do sistema eleitoral brasileiro. Numa Comissão formada pelo Congresso Nacional, o relator do projeto, deputado Henrique Fontana (PT) propôs a adoção de um inédito sistema “proporcional misto”, em que metade dos componentes das casas legislativas seria eleita pelo sistema de lista aberta e metade por lista fechada. Por outro lado, há um movimento suprapartidário em favor do voto distrital: http://www.euvotodistrital.org.br/


Bibliografia

Leitura essencial


DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, 101 a 103.

Leituras complementares

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, Cap. 17.
NICOLAU, Jairo. Sistemas eleitorais, ed. FGV.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, Título V, Cap. II, n. 18.

sábado, 3 de setembro de 2011

Resumo 21 - Sufrágio


IV – Estado e Governo

4. Sufrágio


“O voto não é, como pretendem muitos, um direito político, é mais do que isso, é uma fração da soberania nacional; é o cidadão" (José de Alencar - 1829-1877).


Introdução. Diversas são as formas de escolha de governantes: força física, sorteio, sucessão hereditária, voto etc. A democracia representativa, que prevalece no Estado Moderno, requer a escolha de representantes para governar em nome do povo. Essa escolha é feita através do sufrágio, que envolve o direito de votar e ser votado.

Definição. Sufrágio (do latim suffragium: escolher) é o direito público subjetivo de participar das decisões políticas, votando ou sendo votado. Faz parte dos direitos políticos do cidadão. É direito público subjetivo porque é um direito do cidadão exercido na esfera pública e para fins públicos. O direito de sufrágio envolve o sufrágio ativo (voto) e o sufrágio passivo (candidatura). É utilizado também para expressão da vontade popular na democracia semidireta (plebiscito e referendo).

Natureza. Discute-se se o sufrágio é apenas um direito ou é também uma obrigação. Na democracia, o sufrágio é fundamentalmente um direito, mas há opiniões no sentido de que, na sua forma ativa (voto), é também uma obrigação, daí o voto obrigatório adotado em alguns sistemas democráticos.

Voto obrigatório. O voto obrigatório deriva do entendimento de que, na democracia, existe a necessidade de se escolher representantes e de saber qual é a vontade do povo, o que se faz através do voto. Por isso, o voto, além de ser um direito, seria também uma função do cidadão, e, portanto, um dever, da mesma forma que serviço militar e o tribunal do júri.

Sufrágio universal. A democracia moderna se caracteriza pelo sufrágio universal, ou seja, pela extensão do direito ao sufrágio a todos os membros do povo que tiverem um mínimo de capacidade para fazer escolhas políticas, sem restrições discriminatórias ou injustificáveis. No passado, havia restrições hoje consideradas injustificáveis, como a proibição do sufrágio feminino, que só começou a ser abandonada no início do século XX, a partir de protestos das chamadas “sufragettes”. No Brasil, a primeira eleição que admitiu a presença de mulheres ocorreu em 1932, e ainda hoje há países que não admitem o sufrágio feminino, como a Arábia Saudita.

Restrições ao sufrágio. São consideradas justificáveis e, portanto, compatíveis com o sufrágio universal, desde que razoáveis, as seguintes restrições:
• nacionalidade
• idade
• condição mental
• condenação judicial (“ficha suja”)
• engajamento militar

São consideradas incompatíveis com o sufrágio universal as seguintes restrições:
• raciais (judeus na Alemanha nazista, negros no sul dos EUA até a década de 60)
• sexo
• condição econômica (sufrágio censitário)
• condição intelectual (sufrágio capacitário)

Modo de exercício. O sufrágio ativo (voto) pode ser:
aberto ou secreto, conforme deva ser exercido com publicidade ou em segredo (na democracia antiga, o voto era aberto, mas na democracia moderna o voto secreto é considerado uma garantia da liberdade do eleitor)
múltiplo ou igual, conforme tenha ou não valor igual para todos (“one man, ore vote”)
direto ou indireto, conforme tenha por destinatário o próprio candidato ao mandato ou um colégio eleitoral que vai escolher o mandatário

Voto direto e indireto. Nos EUA, o voto para presidente da República é indireto. Os eleitores de cada estado da federação elegem um número de delegados proporcional à população e que, por sua vez, vão compor o colégio eleitoral que vai escolher o presidente. Como o partido que obtém a maioria dos votos populares em cada estado tem direito a todos os delegados desse estado, desprezando-se os votos de quem votou contra o candidato vencedor, matematicamente pode acontecer de um presidente ter a maioria no colégio eleitoral mesmo tendo a minoria dos votos populares, e isso já aconteceu algumas vezes na história norte-americana. Mesmo assim, não há grande polêmica quanto ao caráter democrático das eleições norte-americanas. No Brasil, a ditadura militar imitou esse sistema para dar um verniz democrático às eleições, porém a composição do colégio eleitoral era manipulada para dar a vitória sempre ao partido governista (“casuísmos”), o que levou, em 1983, à campanha das “Diretas já”.

O sufrágio no Brasil. Na fase do Império, vigorava o sufrágio censitário, pelo qual o direito de votar e ser votado dependia da condição econômica do cidadão. Somente os mais ricos podiam se candidatar aos altos cargos. Na República Velha, o critério econômico foi abandonado em prol do sufrágio capacitário, impedindo-se o voto dos analfabetos, que eram a maioria da população. Além disso, predominavam o coronelismo, o clientelismo, o “voto de cabresto”, os “currais eleitorais”, as fraudes (eleição a “bico de pena”) etc. A Revolução de 1930 trouxe como uma de suas bandeiras a moralização do processo eleitoral, instituindo o título de eleitor, a cédula oficial, o voto secreto e organizando a Justiça Eleitoral (antes, eram os próprios políticos que organizava as eleições). Atualmente, vigora no Brasil o sufrágio universal, secreto, com valor igual, direto e com reduzidas possibilidades de fraude devido à urna eletrônica. Segundo a Constituição vigente, os direitos políticos começam a ser adquiridos aos 16 anos, completando-se aos 35, idade em que o brasileiro nato pode ser candidato a presidente da República.

As fraudes na Flórida. No capítulo 1 do livro Stupid white men, Michael Moore relata as fraudes ocorridas na eleição presidencial na Flórida em 2000. Foram impostas restrições arbitrárias ao sufrágio e criadas dificuldades para o voto que impediram milhares de eleitores pobres, negros e latinos de votar. Além disso, o sistema de votação era complexo e confuso, prejudicando ainda mais os eleitores mais humildes. Tais fraudes foram decisivas para a eleição de George W. Bush, que mesmo assim teve menos votos populares que Al Gore.

Para pensar. Há uma grande polêmica em torno da obrigatoriedade do voto. Brasil, Argentina e Chile, por exemplo, adotam a obrigatoriedade, enquanto nos EUA, na Alemanha e na Inglaterra, o voto é facultativo. Nos países onde o voto é facultativo, a média de comparecimento dos eleitores às urnas é apenas de 50%, o que, em democracias frágeis como a brasileira, pode levar dúvidas quanto à legitimidade popular do pleito. Argumenta-se que apenas os eleitores conscientes comparecem. Por outro lado, pode-se argumentar que os eleitores “encabrestados” por políticos inescrupulosos, pelo bolsa-família e por igrejas comparecerão de qualquer jeito, enquanto muitos eleitores conscientes preferirão ficar em casa, seja porque não acreditam no sistema, seja por comodidade. Você é favor ou contra o voto obrigatório?

Bibliografia

Leitura essencial:
DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 97 a 100.

Leituras complementares:
NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil.
MOORE, Michael. Stupid white men, Cap. 1.

Filme: Mississipi em Chamas (Mississipi Burning, dir. Alan Parker, 1988)