sábado, 20 de agosto de 2011

Resumo 20 - Partidos Políticos

IV – Estado e Governo

3. Partidos Políticos


“Sem os partidos políticos não poderia funcionar o governo representativo, nem a ordem despontar do caos eleitoral” (James Bryce)

“O melhor partido é apenas uma espécie de conspiração contra o resto do país” (Lord Halifax)

Introdução. Os partidos políticos surgiram na democracia moderna, servindo como intermediários entre as diversas correntes de opinião da sociedade e o Estado e canalizando essas correntes para a representação política. Embora em declínio, eles ainda são os atores principais do sistema político, sendo a democracia representativa também chamada de “democracia de partidos”.

Histórico. É natural, na sociedade humana, a tendência à formação de grupos políticos rivais, como os democratas e oligarcas em Atenas, os defensores da plebe e os aristocratas do Senado em Roma, os guelfos (partidários do papa) e gibelinos (partidários do imperador) na Idade Média etc. Essa rivalidade freqüentemente extrapolava a arena política e degenerava em violência e guerra civil.

Combate às facções. Tradicionalmente, esses grupos rivais eram chamados de “facções” e considerados nocivos por dividirem a sociedade. Rousseau e os líderes da Revolução Francesa combateram as “sociedades parciais”, não admitindo a existência de “corpos intermediários” entre povo e a “vontade geral”. Em 1791 foi aprovada a Lei Le Chapelier, que proibia qualquer tipo de associação na França.

Aceitação dos partidos. Na Inglaterra, onde era tradicional a divisão dos grupos políticos entre tories (proprietários rurais, conservadores, apoiadores da Monarquia) e whigs (burgueses, liberais, apoiadores do Parlamento), os partidos começaram a ser aceitos no final do século XVIII, a partir dos escritos de Burke e da compreensão do papel da oposição.
Burke definiu o partido político como um “grupo de homens unidos para a promoção, através de seu esforço conjunto, do interesse nacional, com base em algum princípio determinado com o qual todos concordam”.

Ascensão dos partidos. No século XIX, com a massificação da política provocada pela extensão do sufrágio, os partidos foram assumindo lugar de destaque no sistema político, congregando as diferentes correntes de opinião da sociedade e servindo de intermediários entre a massa desorganizada de eleitores e o governo do Estado. Com isso, eles passaram a ser regulados pelo sistema jurídico, integrando até mesmo a Constituição de alguns Estados, como o Brasil.

Declínio dos partidos. Nas últimas décadas, os partidos têm sofrido um declínio em sua importância, pois não têm se mostrado eficientes para canalizar as reivindicações da sociedade contemporânea, sendo muitas vezes substituídos nessa tarefa por outros tipos de organização social, como as ONGs e as redes sociais da internet. Para isso contribuem a sua estrutura interna pouco democrática e o fato de se dedicarem exclusivamente ao jogo político e aos interesses de seus membros, deixando de constituir um canal de comunicação para a sociedade.

Crítica aos partidos. Segundo o teórico alemão Robert Michels (1876-1936), partidos políticos e sindicatos têm a tendência à formação de oligarquias internas, que passam a comandá-los segundo seus interesses pessoais. Segundo Michels, a oligarquização de partidos e sindicatos é uma “lei de ferro” sociológica.

Natureza. Para alguns teóricos, o partido político é uma realidade sociológica. Para outros, como Kelsen, é um órgão do Estado. Em alguns Estados, como a Alemanha, ele é considerado como pessoa jurídica de direito público; já em outros, como o Brasil, é considerado como pessoa jurídica de direito privado.

Conceito. Uma boa definição de partidos políticos é esta de Paulo Bonavides: “Organização de pessoas que, inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente por meios legais, e nele conservar-se para a realização dos fins propugnados”.


Classificações. Há várias classificações relativas aos partidos políticos, segundo autores como Max Weber, Giovanni Sartori, Angelo Panebianco, Norberto Bobbio e Maurice Duverger. Utilizaremos como base a deste último, com algumas contribuições dos outros.

Quanto à organização interna. Quanto à organização interna, ou seja, com relação ao seu funcionamento e o tipo de filiados que o compõem, Duverger classifica os partidos em:
partidos de quadros: mais preocupados com a qualidade do que com a quantidade de membros e são financiados por grandes contribuintes, não necessariamente filiados (ex.: partidos Republicano e Democrata nos EUA e o PSDB no Brasil)
partidos de massas: nascem para representar as massas trabalhadoras, buscam o maior número possível de adeptos e são financiados por contribuições dos filiados (ex.: o Partido Trabalhista inglês e o PT no Brasil)

Partido “pega-tudo”. Segundo a doutrina mais atual, essa classificação está superada, pois, com a profissionalização da classe política e a oligarquização dos partidos, tanto os partidos de quadros como os de massas tendem a se transformar no que se chamou de partidos eleitorais de massa ou partidos “pega-tudo”, flexibilizando seus programas e dirigindo-se mais aos eleitores em geral do que aos seus filiados ou a uma classe social específica.


Quanto à organização externa. Essa classificação diz respeito ao número de partidos que existem ou podem existir num Estado:
Partido único: sistema próprio do totalitarismo, que só admite um partido e não admite divisões políticas. Ex.: nazi-fascismo, URSS e Cuba.
Bipartidarismo: sistema em que dois grandes partidos predominam em razão do sistema eleitoral, sem proibir a existência de outros. Ex.: Inglaterra e EUA.
Pluripartidarismo: sistema em que mais de dois partidos predominam e têm chances de chegar ao poder, podendo levar à extrema dispersão e à necessidade de imposição de limites, que são as “cláusulas de barreira”. Ex.: Brasil e Alemanha.

Quanto ao âmbito de atuação. Segundo essa classificação os partidos são:
Partidos de vocação universal ou internacional: extrapolam os limites dos Estados. Ex.: o antigo PC da URSS.
Partidos nacionais: atuam nos limites do território do Estado, sem se restringir a uma região. É o único tipo permitido atualmente no Brasil.
Partidos regionais: atuam em determinadas regiões de um Estado. Ex.: os partidos estaduais da República Velha.
Partidos locais: atuam apenas nas cidades. Não existem exemplos dignos de nota.

Quanto à ideologia. Essa classificação é baseada em Norberto Bobbio, que em obra recente defende a validade, ainda hoje, da dicotomia entre direita e esquerda, que para alguns estaria superada. Essa divisão tem origem na Revolução Francesa, quando a Assembléia Nacional dividiu-se entre os jacobinos (radicais, defensores da igualdade, que se sentavam à esquerda do salão) e girondinos (moderados, defensores da liberdade e que se localizavam à direita). Para Bobbio, o critério de distinção entre os dois pólos é a postura diante da igualdade.

Esquerda. Preocupação com a igualdade real. Reivindica justiça social por meio de maior intervenção do Estado. Prega a predominância do coletivo, mesmo que isso prejudique a liberdade individual. A centro-esquerda (social-democracia) atua segundo as regras do jogo democrático. A extrema-esquerda despreza a democracia e aceita métodos violentos e governo totalitário para atingir suas finalidades (Ex.: URSS, Cuba, FARCs, MST etc.).

Direita. Valoriza a liberdade individual e a igualdade formal (perante a lei). Condena a intervenção do Estado na economia e na sociedade. As desigualdades sociais seriam naturais e o progresso do indivíduo deve depender do próprio esforço. A centro-direita (direita liberal) aceita as regras do jogo democrático. A extrema-direita despreza a democracia e prega superioridade de um grupo sobre outros (nacionalismo xenófobo, racismo etc.), usando milícias e métodos violentos para a imposição da ideologia (Ex.: nazi-fascismo, Ku Klux Klan, neonazistas etc.).

Partidos políticos no Brasil. Os partidos políticos surgiram no Brasil durante o reinado de D. Pedro II, dividindo-se entre conservadores e liberais. Durante a República Velha predominaram os partidos de âmbito estadual (PRP etc.). Entre 1946 e 1965, predominaram o PSD (centro), PTB (centro-esquerda) e a UDN (centro-direita). Durante a ditadura militar, só foram permitidos dois partidos, a ARENA (apoio à ditadura) e o MDB (oposição consentida). Com a redemocratização, surgiram: PDS (ex-ARENA, atual PP), PMDB (ex-MDB), PFL (dissidência do PDS) e outros. Atualmente, temos DEM (ex-PFL, dissidência do antigo PDS), PT (intelectuais de esquerda e sindicalistas), PSDB (dissidência do PMDB), PDT (herdeiro do PTB getulista), PPS (ex-PCB), PC do B (dissidência do antigo PCB), PSOL (dissidência do PT), PV etc.

Outras formas de representação. No século XX foram tentadas outras formas de representação política, como a profissional, a corporativa (usada parcialmente no Brasil em 1934), a institucional etc., porém elas não foram capazes de substituir a representação por meio dos partidos.

Para pensar. Ainda seria válida atualmente a dicotomia entre direita e esquerda? Em caso positivo, você é de direita ou de esquerda?

Bibliografia

Leitura essencial
:
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 84 a 87.

Leituras complementares:
BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, Caps. 19 (item 5), 23, 24 e 25.
DIAS, Reinaldo. Ciência Política.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos (ed. UNB).
SCHIMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Resumo 19 - Democracia representativa e semidireta

IV – Estado e Governo

2. Democracia direta, representativa e semidireta


“Nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem o seu consentimento" (Abraham Lincoln)


Introdução. Já vimos que democracia é o regime de governo em que prevalece a vontade do povo. Essa vontade pode ser expressa diretamente, como ocorria nas democracias antigas, ou por meio de representantes, como é mais freqüente nas democracias modernas. Também é possível a combinação da vontade popular com a intermediação de representantes.

Formas de Democracia. Conforme a forma da participação popular nas decisões mais relevantes do governo de um Estado, podemos classificar as formas de democracia como direta, semidireta e representativa. Essas formas de democracia podem ser praticadas de forma isolada ou cumulativamente.

Democracia direta. Democracia direta era a forma de democracia praticada na Grécia antiga, especialmente em Atenas, onde o povo debatia e decidia as questões mais importantes da polis em assembléias realizadas em praça pública, sem a intermediação de representantes. Hoje esse tipo de democracia só é praticado em pequenos cantões (estados federados) suíços (Landsgemeinde) e ainda assim de forma restrita, porque os assuntos não são amplamente discutidos, havendo uma preparação prévia pelas autoridades. Rousseau era um admirador da democracia direta, tendo escrito: “É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do parlamento; logo que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la” (Do contrato social, 1765).

Democracia Representativa. Devido à impossibilidade da reunião de um grande número de pessoas para a tomada de decisões e à desconfiança quanto à capacidade do povo de tomar decisões de governo, a democracia no Estado Moderno é predominantemente representativa, ou seja, o povo elege representantes para tomar as decisões em seu lugar. Prevaleceu, na democracia moderna, a opinião de Montesquieu, que escreveu: “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade (...) Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá.” (Montesquieu, O espírito das leis, 1748).

John Stuart Mill (1806-1873). Filósofo e teórico da política inglês, escreveu várias obras famosas, dentre as quais uma sobre o governo representativo. Segundo ele: “O único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser uma parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.” (O governo representativo, 1861).

Representação Política. A representação política pressupõe a escolha de representantes, aos quais é conferido um mandato. O mandato político foi inspirado no contrato de mandato do Direito Civil, através do qual uma pessoa nomeia outra para representá-la num ato jurídico.

Mandato imperativo. De início, o mandato político era imperativo, ou seja, havia vinculação do representante às instruções dos representados, que poderiam revogar o mandato caso houvesse desobediência ou infidelidade. Na França, por exemplo, essas instruções se chamavam cahiers de dolèance (cadernos de queixas).

Mandato livre. A partir da Revolução Francesa e dos escritos de Edmund Burke (1729-1797) na Inglaterra, o titular de mandato passa a ser visto como representante de todo o povo e não apenas dos seus eleitores, surgindo o mandato livre, pelo qual o representante não se vincula às instruções de seus eleitores. Segundo Burke: “O Parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados, mas uma assembléia deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo. Elegei um deputado, mas quando o haveis escolhido, ele não é o deputado por Bristol, e sim um membro do parlamento.” (“Discurso aos eleitores de Bristol”, 1774).

Características do Mandato Político. Atualmente, o mandato político é livre (não vinculado), geral (para qualquer assunto de competência do representante), autônomo (os atos do representante não dependem de confirmação), irresponsável (o representante não deve explicações por suas decisões) e irrevogável (com exceção do recall, que não existe no Brasil).

Democracia semidireta. A democracia semidireta é um meio-termo entre a democracia direta e a representativa. Nesse tipo de democracia o povo participa da tomada de decisões políticas, propondo, aprovando ou autorizando a elaboração de uma lei ou a tomada de uma decisão relevante pelo Estado. A atuação do povo, porém, não é exclusiva, pois ele age em conjunto com os representantes eleitos, que por sua vez vão elaborar, discutir ou aprovar a lei, conforme o instrumento de democracia semidireta que está sendo utilizado. É utilizada atualmente em combinação com a democracia representativa, que ainda prevalece. Muito usada em países como EUA e Itália, é rara no Brasil, que só a utilizou em 1963, 1993 e 2005 e em quatro leis de iniciativa popular.

Instrumentos da democracia semidireta. São instrumentos da democracia semidireta:
• plebiscito
• referendo
• iniciativa popular
• veto popular
recall

Plebiscito. Plebiscito (do latim plebiscitum: decreto da plebe) é uma consulta ao povo pelo qual este aprova ou não a elaboração ou a modificação futura de uma lei, uma emenda constitucional ou uma decisão governamental. Se houver aprovação, cabe ao poder competente a elaboração da medida. É importante notar que ele é anterior à lei ou à decisão governamental, que só serão elaboradas se houver aprovação popular. Exemplo: o plebiscito de 1993 sobre forma e sistema de governo. Caso fosse aprovada pelo povo a implantação da monarquia e/ou do parlamentarismo, a regulamentação caberia aos deputados e senadores, por meio de emenda à Constituição. É também por meio de plebiscito que se decide a criação de novos municípios e estados da Federação, como está sendo proposto em relação ao Pará.

Referendo. Referendo (do latim referendum: aprovação) é uma consulta feita ao povo sobre uma lei, emenda constitucional ou decisão governamental já elaborada pelo poder competente, mas ainda não vigente. Se houver aprovação, a medida entra em vigor. Note-se que o referendo é posterior à elaboração da medida pelos representantes. Exemplo: o referendo de 2005 sobre o desarmamento. Neste caso, a proibição da fabricação e da venda de armas já constava da lei, porém a sua vigência dependia da aprovação popular, o que não ocorreu.

Iniciativa popular. Na democracia representativa, o processo de elaboração de uma lei é iniciado por um projeto apresentado por um representante (membro do Poder Legislativo, chefe do Poder Executivo e do Judiciário, conforme o caso). A iniciativa popular é um instrumento de democracia semidireta que permite que o processo legislativo seja iniciado pelo do povo. Exige-se que um número relevante de eleitores (1% do eleitorado, no Brasil) assine o projeto. A partir daí, o processo legislativo segue seu trâmite normal, com discussão e deliberação pelo Poder Legislativo e veto sou sanção pelo Poder Executivo. Ex.: a Lei da Ficha Limpa.

Veto Popular. É um instrumento da democracia semidireta por meio do qual o povo pode vetar uma lei já aprovada ou revogar uma decisão judicial. Não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos.

Recall. O recall é a revogação do mandato político pelo povo. Colhendo-se um número de assinaturas determinado pela Constituição ou pela lei, convoca-se um recall, através do qual o eleitorado decide se um mandatário deve ou não ter o seu mandato cassado. Também não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos. Exemplo: na Califórnia, em 2003, o povo revogou o mandato do governador Gray Davis, considerado inepto, e elegeu Arnold Schwarzenegger. Há proposta para implantá-lo no Brasil, com o sugestivo nome de “Lei da Justa Causa”.

Deturpação da democracia semidireta. Embora sejam meios de aumentar a participação do povo em decisões importantes de governo, os instrumentos da democracia semidireta podem ser utilizados para legitimar medidas antidemocráticas, o que se faz mediante a manipulação da opinião pública com propaganda maciça e a intimidação da oposição, da imprensa e dos eleitores. É a clássica utilização de instrumentos da democracia para destruir a democracia. Exemplos: cesarismo, bonapartismo, nazismo e chavismo. Por isso é importante sempre lembrar esta lição: "É o eterno destino do indolente ver seus direitos se tornarem uma presa para o esperto. A condição sob a qual Deus deu a liberdade ao homem é a eterna vigilância" (Mr. T.P. Curran, Middle Temple, 1790).

Para pensar. Atualmente, com ampliação do acesso à internet, seria interessante a utilização pelos governos desse instrumento para a consulta popular, ampliando, assim, a participação do povo nas decisões políticas?

Bibliografia

Leitura essencial
:
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 79 a 83.

Leituras complementares:
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulos sobre Burke e Stuart Mill.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Resumo 18 - Regimes de Governo

IV – Estado e Governo

1. Regimes de Governo: Democracia e Autocracia


Introdução. A partir deste capítulo estudaremos os regimes (democracia e autocracia), as formas (república e monarquia) e os sistemas (parlamentarismo e presidencialismo) de governo, que, basicamente, caracterizam o modo de acesso, distribuição e exercício poder num Estado.

Teorias clássicas sobre os tipos de governo. Ao longo da história, muitos filósofos e teóricos da política elaboraram classificações dos tipos de governo. Destacaremos a seguir as classificações mais importantes.

Platão (428-347 a.C.). Na República, Platão descreveu dois tipos ideais de governo (monarquia e aristocracia, governo de um ou de poucos, treinados conforme os conselhos do filósofo) e quatro tipos reais, todos corrompidos, cada um baseado num princípio e que se sucedem em ordem decrescente: timocracia (honra), oligarquia (riqueza), democracia (liberdade excessiva, licenciosidade) e tirania (violência).

Aristóteles (384-322 a.C.). Baseado na observação dos Estados de sua época, Aristóteles classificou os governos segundo o número de governantes e o modo de exercício do poder. Para ele, as formas boas de governo são as exercidas em benefício do bem comum, e as formas más ou degeneradas são as exercidas para favorecer apenas aqueles que governam.
a) governo de um:
Monarquia (forma boa): apenas um exerce o poder, mas em favor do bem comum
Tirania (forma má): poder exercido por um tirano em seu próprio interesse
b) governo de poucos:
Aristocracia (forma boa): governo dos virtuosos (aristói, aqueles que têm aretê ou virtude)
Oligarquia (forma má): voltada para o bem dos poucos (olígos) que governam
c) governo de muitos:
Politeia (forma boa, que significa “constituição”): governo de muitos, exercido no sentido do bem comum
Democracia (forma degenerada): governo de muitos dominado pelos demagogos e exercido no interesse dos pobres contra os ricos

Importante observar que tanto para Platão como para Aristóteles a democracia era uma forma degenerada de governo, porque eles se baseavam no que ocorria em Atenas na sua época. Esse sentido mudou com o tempo e a democracia passou a ser considerada o melhor regime de governo, qualificando-se como demagogia ou oclocracia a degeneração da democracia.

Cícero (106-46 a.C.). Filósofo, senador e advogado romano, Marco Túlio Cícero utilizou a classificação de Aristóteles, porém pregava um governo misto, como era a República romana, na qual se combinavam a monarquia (Consulado), a aristocracia (Senado) e a democracia (Assembléia Popular), equilibrando e moderando o poder.

Políbio (203-120 a.C.) e Maquiavel (1469-1527). Políbio e Maquiavel adotaram a teoria dos ciclos, segundo a qual os governos sempre passam pelos seguintes ciclos: monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia (governo desorganizado da multidão). Eles divergem sobre o que ocorre partir da oclocracia. Para Políbio, retorna-se à monarquia, reiniciando-se o ciclo, já para Maquiavel o Estado se dissolve e é dominando por outro.

Montesquieu (1869-1755). Em O espírito das leis, Montesquieu identificou três formas de governo, cada uma com sua natureza (modo de ser) e seu princípio (o que a faz funcionar), sendo cada uma delas adequada às características de um país.
a) República. Natureza: governo popular, podendo ser o governo de muitos (democracia) ou o governo de poucos (aristocracia). Princípio: virtude política ou patriotismo. Própria de Estados pequenos.
b) Monarquia. Natureza: governo de um só, mas com leis fixas e estabelecidas. Princípio: honra. Própria de Estados médios.
c) Despotismo. Natureza: governo de um só, segundo a vontade do déspota. Princípio: medo. Próprio de Estados grandes.

Classificação atual. Há muita confusão entre os autores quando se fala de regimes, formas e sistemas de governo. Utilizaremos neste curso a seguinte classificação, que é mais atual e está de acordo com a Constituição brasileira:
regimes de governo: democracia e autocracia formas de governo: monarquia e república sistemas de governo: parlamentarismo e presidencialismo


Regimes de Governo. O poder soberano do Estado é exercido através do governo, abrangendo este os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo a nossa classificação, os regimes de governo são democracia e autocracia, conforme o governo seja mais ou menos autoritário, haja mais ou menos liberdade e participação popular etc.


1.1. Democracia

“A democracia está em toda parte, a democracia não existe em parte alguma” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho)

Introdução. A Democracia (do grego demos: povo, kratos: poder) teve origem na Grécia antiga e foi definida por Abraham Lincoln como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Ou seja, a Democracia é o regime em que o poder pertence ao povo, é exercido pelo povo e em benefício do povo.

“Nós aqui presentes solenemente afirmamos que esses homens não morreram em vão, que esta nação, com a graça de Deus, verá o nascimento de uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra” (Lincoln, Discurso de Gettysburg, 1863).

Democracia Antiga. Democracia era o regime de governo das cidades-Estado gregas, especialmente Atenas, por volta de V e IV a. C. Possuía as seguintes características básicas:
• exercício direto do poder pelo povo (decisões políticas tomadas em assembléias na praça pública)
• alto grau de participação dos cidadãos
• conceito restrito de cidadania (exclusão de jovens, mulheres, escravos e às vezes dos pobres)
• liberdade política com limitação da liberdade individual
isagoria (direito à palavra nas assembléias), isonomia (igualdade perante a lei) e isotimia (igualdade no acesso aos cargos públicos)
• cargos públicos preenchidos preferencialmente por sorteio e exercidos por tempo limitado

Discurso de Péricles

Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a cidade outorga honraria o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios.

O governo favorece a maioria em vez de poucos – por isso é chamado de democracia. Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças; quanto à condição social, o avanço na vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição.

Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento sem afetação. Empregamos a riqueza mais para o uso do que para a exibição e situamos a desgraça real da pobreza não no reconhecimento do fato, mas na recusa de combatê-la.

Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil.

Em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia. Em resumo, afirmo que, como cidade, somos a escola de toda a Grécia...
(Discurso em homenagem aos atenienses mortos na guerra do Peloponeso, 430 a. C.)

Democracia Moderna. Desaparecida na Grécia, a democracia só ressurgiu no Estado Moderno, a partir das revoluções burguesas e do constitucionalismo, como parte da luta contra o absolutismo e pela afirmação dos direitos naturais. A democracia moderna, porém, se diferencia da antiga pela extensão da cidadania (busca do sufrágio universal) e pela limitação da participação direta (democracia representativa).

Rousseau. A maior contribuição teórica para a democracia moderna foi dada por Rousseau, que em sua obra O contrato social (1762) afirmou que a soberania pertence ao povo e a lei deve ser expressão da vontade geral. Para Rousseau, todos os seres humanos são livres e iguais por natureza, e, para que continuem assim ao passar a viver em sociedade, é necessário formular um contrato social pelo qual ninguém esteja submetido a outrem, mas sim todos subordinados a todos. Com isso, todos seriam ao mesmo tempo sujeitos (soberanos) e objetos (súditos) do poder, permanecendo assim tão livres e iguais como no estado natural. Na democracia que idealizou, Rousseau não aceitava que a vontade dos cidadãos fosse representada, nem que houvesse corpos intermediários (associações) ou sociedades parciais (partidos políticos) entre o governo e o povo.

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com a toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. É esse o problema fundamental ao qual o Contrato Social dá a solução” (Rousseau)


“A Democracia na América”. Este é o título de um livro clássico do filósofo francês Alexis de Tocqueville, que, em vista aos EUA em 1831, ficou impressionado com o funcionamento da democracia norte-americana, caracterizada pela intensa participação dos cidadãos, pela igualdade de oportunidades e pela prevalência da soberania popular mediante eleições livres. Para ele, a democracia política, social e econômica ali vigente era o futuro da humanidade. Ficou famosa sua observação de que os males da democracia devem ser resolvidos com mais democracia e não com restrições às instituições democráticas.

Século XIX. No século XIX prevaleceu a democracia liberal, caracterizada pela garantia das liberdades públicas e da igualdade formal (perante a lei). A participação popular era limitada à eleição de representantes e o sufrágio (direito de votar e ser votado) era restrito em razão da renda (voto censitário), da escolaridade (a maioria da população era analfabeta) e do sexo (proibição do sufrágio feminino). Somente aos poucos e apenas em alguns países, como Inglaterra, EUA e França, é que essa democracia foi se transformando em democracia de massas, com a extensão do sufrágio à maior parte da população.

Século XX. O início do século XX foi marcado pelo desprestígio da democracia liberal, que sofria ataques tanto dos socialistas como dos fascistas. Os socialistas criticavam a democracia formal, que não garantia a participação popular e a igualdade real. Os fascistas criticavam a fraqueza dos governos democráticos para tomar decisões essenciais ao Estado e dar força à nação. Ambos pregavam as virtudes da ditadura, seja do proletariado, seja do líder carismático (duce ou führer).

Pós-guerra. A democracia só recuperou seu prestígio após o fim da II Guerra Mundial, mas agora com exigência de ampla participação popular e garantia dos direitos civis, políticos e sociais. Atualmente, nenhum Estado, mesmo os totalitários como Coréia do Norte e Cuba, admite ser antidemocrático. O problema, portanto, é como identificar uma democracia, ou, antes, saber se a democracia existe de fato ou não.

A democracia existe? Para Rousseau, não existe e talvez nunca existirá uma democracia perfeita, a não ser para “um povo de deuses”. De fato, parece impossível, exceto num Estado ideal, que todas as leis sejam expressões da vontade geral e que o governo aja sempre de acordo com essa vontade. O que existe são Estados onde isso ocorre com mais ou com menos intensidade, ou seja, existem Estados mais e menos democráticos, além, é claro, de Estados não democráticos, que são as autocracias. O que se deve buscar, portanto, como escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é a democracia possível.

Poliarquia. Atento ao fato de que não existe uma democracia perfeita, o cientista político norte-americano Robert A. Dahl, em obra publicada em 1972, propôs que, em lugar de democracia, fosse utilizada a qualificação de poliarquia para os Estados onde houvesse, ao mesmo tempo, um grau razoável de participação popular e de competição pelo poder (oposição). Para que haja uma poliarquia não basta a ocorrência isolada de um dos fatores, ou seja, não basta haver alto grau de participação popular sem possibilidade de oposição (como em Cuba, na Síria e no Irã), como também não basta haver competição pelo poder (oposição) se o povo não pode participar da vida política (ex.: a República Velha no Brasil). Embora a obra de Dahl seja muito influente, o termo poliarquia não substituiu a tradicional democracia, sendo usado apenas por estudiosos da Ciência Política.

A democracia segundo Dallari. Segundo Dallari, para que um Estado seja considerado democrático, ele deve preencher os seguintes requisitos:
supremacia da vontade popular: eleições livres e periódicas; sufrágio universal; outras formas de participação popular, como plebiscito, referendo, iniciativa popular e orçamento participativo; prestação de contas, transparência etc.
preservação da liberdade: limitação do poder; liberdade de imprensa, de expressão, de associação e outras liberdades públicas; oposição; respeito às minorias etc.
igualdade de direitos: garantia de acesso livre e igualitário aos direitos políticos, civis e sociais.

Democracia como técnica e como valor. Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004), a democracia é ao mesmo tempo técnica e valor. Como técnica, ou seja, sob o ponto de vista formal, ela é definida como “regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Bobbio ensina que “apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar”. Sob esse ponto de vista, a vontade da maioria deve prevalecer, porém com respeito às regras do jogo democrático, ou seja, não se pode usar a democracia para destruir a democracia. Ainda segundo Bobbio, a democracia é também um valor, isto é, um conjunto de fins (e não apenas de meios), dentre os quais sobressaem a liberdade e a igualdade jurídica, social e econômica.

Democracia como ethos. Na mesma linha de ver a democracia como um valor e não apenas como uma técnica de escolha de governantes, o cientista político brasileiro Renato Janine Ribeiro escreve que a democracia deve orientar nossas condutas morais, afetivas, sociais e comportamentais (ethos).

“Democracia não é só a escolha por votos, mas é o casal ter um diálogo bom e respeitoso, o patrão ouvir os empregados e aceitar suas sugestões, o professor ou o pai escutar o aluno ou o filho e não ter vergonha de pedir desculpas. Democracia, aqui, significa um concentrado de atitudes, em que se incluem a conversa limpa, honesta e sincera, a renúncia a ser o dono da verdade e, finalmente, as boas maneiras. Ser educado pode ser um traço essencial da democracia, porque é um modo de dizer que o outro vale tanto quanto nós” (Renato Janine Ribeiro).


Para pensar sobre a democracia

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos" (Churchill)

“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a ferida que corrói a carne por fora e o tumor invisível que corrói por dentro. As feridas democráticas curam-se pelo sol da publicidade, com o cautério da opinião pública livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves” (Clemenceau)

“Nenhuma guerra explodiu até agora entre Estados dirigidos por regimes democráticos. O que não quer dizer que os Estados democráticos não tenham feito guerras, mas apenas que jamais fizeram entre si” (Norberto Bobbio)


1.2. Autocracia

“Quando me perguntam se uma nação está madura para ser livre, respondo: existe um homem maduro para ser déspota?” (Lord John Russel).

“O despotismo se apresenta freqüentemente como o reparador de todos os males sofridos; é o apoio da razão, o sustentáculo dos oprimidos e o instaurador da ordem. Os povos adormecem no seio da prosperidade momentânea que ele propicia; e, quando despertam, estão na miséria. A liberdade, ao contrário, comumente nasce no meio das tempestades, estabelece-se penosamente entre as discórdias civis e não é senão quando já está velha que se pode conhecer seus benefícios” (A. Tocqueville).



Introdução. Autocracia é a denominação mais atual para o regime político que se contrapõe à democracia. Também se fala em ditadura, tirania, despotismo, absolutismo e totalitarismo, porém cada um desses conceitos tem características próprias e são todos abrangidos pelo termo mais genérico autocracia. Autocracia significa governar por si próprio (auto + kratos ), servindo para designar todos os regimes de tipo autoritário. Segundo o autor alemão Karl Loewenstein, a autocracia se caracteriza pela existência, num Estado, de uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas como “único detentor do poder, cuja competência abarca a função de tomar a decisão política fundamental, assim como sua execução, e que ademais está livre de qualquer controle eficaz”.

Histórico. Loewenstein observa que durante a maior parte da história os povos viveram sob autocracias, como, por exemplo, os antigos impérios teocráticos, o império romano e as monarquias absolutistas do Estado Moderno. Ainda no século XX, pelo menos até o fim da Guerra Fria, predominaram as autocracias, tanto de esquerda como de direita.

Despotismo, tirania e ditadura. Como já observado, esses são sinônimos imperfeitos de autocracia.

Despotismo qualifica um governo em que a relação entre governante e governados é igual à de senhor (despotes, em grego) e escravo. Tradicionalmente é utilizado em referência aos antigos impérios orientais. Geralmente se considera que os antigos déspotas governavam a título legítimo, pois esse tipo de dominação era aceito pelos povos dominados. Foi também utilizado pejorativamente em relação aos monarcas absolutistas do Estado Moderno, alguns deles sendo chamados de “déspotas esclarecidos” quando aceitavam influência do Iluminismo.
Tirania é o termo tradicional para qualificar o governo exercido por um líder ilegítimo e opressor.
Ditadura era o mecanismo da República romana utilizado em episódios de conturbação social ou perigo externo, quando os direitos dos cidadãos eram suspensos e um líder era escolhido para tomar as decisões necessárias para debelar a crise. Seu mandato era temporário e ele deveria responder pelos abusos que praticasse. Essa foi a origem de mecanismos constitucionais atuais para o enfrentamento de crises, como os estados de sítio, de emergência e de calamidade pública. Em 48 a.C., Julio César, aproveitando-se da guerra civil e de seu poder militar, se fez ditador de Roma, porém sem prazo determinado, sendo assassinado em 44 a.C por senadores que defendiam a república e queriam impedi-lo de restaurar a monarquia em Roma. A partir daí, ditadura passou a designar um governo forte, com poder concentrado e apto a tomar medidas excepcionais, como foi o Comitê de Salvação Pública instalado pelos jacobinos durante fase do terror da Revolução Francesa (1793). No século XX, tornaram-se comuns as ditaduras militares, sob o pretexto de evitar revoluções socialistas.

Autoritarismo. Como visto, autocracia abrange todos os regimes caracterizados pelo autoritarismo. Segundo Loewenstein o autoritarismo moderno se caracteriza pelo monopólio do poder por uma pessoa ou grupo de pessoas, excluindo a participação dos destinatários do poder na formação da vontade estatal. Há um predomínio do Poder Executivo sobre os demais Poderes, que funcionam sob uma aparência de normalidade. Esse tipo de regime normalmente não procura impor sua ideologia ao povo, contentando-se com o controle político. Não é incompatível com o Estado de Direito, possuindo, em regra, uma Constituição, porém os direitos individuais não são adequadamente garantidos. Exemplos desse tipo de regime são as ditaduras militares latino-americanas da década de 1970 e o chamado “neopresidencialismo”. Entre os regimes autoritários, há os totalitários, que além do autoritarismo possuem outras características específicas.

Totalitarismo. Termo criado por Mussolini, também autor da frase “tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Segundo Loewenstein, além do controle político, o totalitarismo pretende abranger toda a ordem socioeconômica e moral do Estado, modelando a vida privada, a consciência e os costumes do povo segundo uma ideologia oficial imposta a todos. São instrumentos desse tipo de regime a polícia política, o partido único, o monopólio dos meios de comunicação de massa, a propaganda, o culto à personalidade de um líder carismático e o terror contra os adversários. Foi muito bem retratado no romance 1984, de George Orwell.

Formas de Totalitarismo. Numa época em que o socialismo ainda tinha muito prestígio entre os intelectuais, Hannah Arendt, em sua obra Origens do Totalitarismo (1950), abrangeu no conceito de totalitarismo tanto o nazi-fascismo como o socialismo praticado na URSS, sendo muito criticada por isso. Atualmente, é praticamente consensual que esses regimes de fato eram totalitários. Um tipo novo de totalitarismo identificado por alguns autores é o praticado em teocracias islâmicas, como o Irã.

Fascismo. O nome fascismo vem do italiano fascio (feixe), lembrando o termo latino fasces, feixe de varas com um machado no meio, que simbolizava a autoridade dos magistrados e a unidade do povo na Roma antiga. O movimento foi criado na Itália por Mussolini no início do século XX e se espalhou por diversos países, inclusive o Brasil (Integralismo). É xenófobo e procura integrar a nação num todo orgânico, anulando as individualidades. Segundo Bobbio, trata-se de um sistema autoritário de dominação com as seguintes características:
a) monopólio do poder por um partido único de massa, hierarquicamente organizado;
b) ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição ao socialismo, num sistema de tipo corporativo;
c) objetivos de expansão imperialista;
d) mobilização das massas e seu enquadramento em corporações (sindicatos etc.) associadas ao regime;
e) aniquilamento das oposições mediante o uso da violência e do terror;
f) aparelho de propaganda baseado no controle dos meios de comunicação de massa;
g) crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado;
h) tentativa de integrar nas estruturas de controle do Estado a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

Nazismo. Abreviação de “nacional-socialismo”, ideologia do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), liderado por Adolf Hitler a partir de 1921 e que chegou ao poder na Alemanha em 1933. Incorporou e exacerbou as características do fascismo italiano. Era socialista no sentido de que pretendia massificar as políticas sociais do Estado, porém em benefício apenas da própria nação, abominando o internacionalismo marxista. Também desprezava o igualitarismo socialista, pregando o chamado “darwinismo social”. O componente nacionalista foi exacerbado pelo ideal de supremacia ariana e pelo ódio racial, dirigido especialmente contra os judeus, assassinados aos milhões.


"Aprendi muito com o marxismo. Não com essas doutrinações sociais, essas asneiras absurdas – mas, sim, com seus métodos" (Adolf Hitler, "in" Joachim Fest, "Hitler", vol. I, ed. Nova Fronteira).

Socialismo. O socialismo implantado em diversos países a partir da Revolução Russa de 1917 baseava-se nas teorias de Marx e Lênin. Segundo Marx, as contradições do sistema capitalista causariam fatalmente a sua destruição, porém, para acelerar o processo, era necessário que a classe trabalhadora (proletariado) tomasse o poder pela revolução. A partir daí, o Estado, comandado pela “ditadura do proletariado”, tomaria o controle da propriedade privada e dos meios de produção e acabaria com a divisão da sociedade em classes. Vendo suas teorias sociais e políticas como “verdades científicas”, os seguidores de Marx não toleravam opiniões contrárias. Para Lênin, a ditadura seria comandada pelo partido (“vanguarda do proletariado”) e os opositores deveriam ser simplesmente exterminados. Esse primeiro momento seria o socialismo. Num segundo momento, a propriedade privada seria extinta e o próprio Estado, tornando-se desnecessário, desaparecia, implantando-se o comunismo. O estágio do comunismo nunca chegou a ser atingido, implantando-se, na realidade, Estados de tipo totalitário, comandados por uma minoria que não queria abdicar do poder. Assim, tanto na URSS como em seus satélites da chamada “Cortina de Ferro” (Alemanha Oriental, Albânia etc.) e ainda hoje na China, na Coreia do Norte e em Cuba, houve a implantação de regimes autoritários de partido único, com culto à personalidade do líder, perseguição de opositores pela polícia política e outros componentes tipicamente totalitários. Calcula-se que esses regimes assassinaram mais de 50 milhões de pessoas, superando os regimes nazi-fascistas.

Para pensar

“Comunistas defendem classe, nazistas defendem raça, fascistas defendem a nação. Todas essas ideologias – podemos chamá-las de totalitárias – atraem os mesmos tipos de pessoas” (Jonah Goldberg, Fascismo de Esquerda, p. 88.)



Bibliografia
Leitura essencial:


DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 75 a 78.
LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, 1ª parte, cap. 3.

Leituras complementares:
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política.
________. O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo.
________. A teoria das formas de governo.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível.
FINLEY, M. Y. Democracia antiga e moderna.
GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda.
ORWELL, George. 1984.
RIBEIRO. Renato Janine. A democracia (Coleção Folha Explica).
1984, de George Orwell.
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulo sobre Tocqueville.

Filme: A Onda (Die Welle). Alemanha, 2008. Direção e roteiro: Dennis Gansel (obrigatório, vai cair na prova).

Trabalho Semestral

Caras e caros, bem-vindos de volta das férias! Espero que tenham descansado e estejam prontos para muito trabalho neste segundo semestre!

Atendendo a milhares de pedidos, para este semestre programei um trabalho, a ser realizado em duplas, e que valerá dois pontos na nota semestral. Cada dupla ficará responsável por um país (Estado, na nossa linguagem científica) e deverá pesquisar os itens abaixo, conforme a teoria exposta nas aulas. Os trabalhos serão apresentados oralmente, acompanhados de um resumo de no máximo duas folhas.

Itens a serem pesquisados:
Regime de governo (democracia ou autocracia – aqui será necessário justificar a opinião, admitindo-se divergências; democracia direta, semidireta ou representativa)
Forma de governo (monarquia ou república)
Sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo)
Forma de Estado (unitário ou federal; união real, pessoal ou commonwealth)
Tipo de Constituição (escrita ou não-escrita; promulgada, outorgada ou cesarista; rígida, flexível ou semi-rígida; analítica ou sintética; dirigente ou não dirigente)
Sistema eleitoral (distrital simples, distrital misto ou proporcional para o Legislativo; majoritário simples ou maioria absoluta, para o Executivo)

Os trabalhos deverão começar a ser apresentados em outubro, conforme cronograma a ser divulgado. As inscrições já começaram!