terça-feira, 30 de novembro de 2010

Gabarito e Aviso importante

GABARITOS Ciência Política – 2º Semestre - 2010

1º. Noturno, Prova 1
1-C 2-D; 3-E; 4-A; 5-A; 6-B; 7-C; 8-B; 9-C; 10-B

1º. Noturno, Prova 2
1-E 2-A; 3-D; 4-A; 5-E; 6-D; 7-B; 8-B; 9-C; 10-A


1º. Diurno, Prova 1
1-D, 2-B, 3-B, 4-D, 5-B, 6-C, 7-A, 8-D, 9-C, 10-E

1º. Diurno, Prova 2
1-C, 2-A, 3-A, 4-E, 5-B, 6-D, 7-D, 8-E, 9-B, 10-B

Aviso: para os que ficaram para a prova final, informo que a prova será de 10 questões de múltipla escolha, no mesmo formato que as demais, abrangendo toda a matéria do curso, conforme os resumos deste blog.

domingo, 24 de outubro de 2010

Resumo 27 - Formas de Estado

IV – Estado e Governo

5. Formas de Estado (ênfase em Federação)


“Estamos a cada passo reduzindo o país a Estado unitário (...) A União é aqui o Estado-Providência. Acham-no capaz de resolver, milagrosamente, todos os problemas, e entregam-lhe, de mãos atadas, a federação” (Ataliba Nogueira)

Introdução. A classificação das formas de Estado é feita conforme a divisão espacial do poder, isto é, a distribuição geográfica do poder no território do Estado. Há Estados Unitários (centralizados, sem divisão político-administrativa), e Estados Federais (descentralizados, divididos em estados-membros ou províncias com autonomia política e administrativa). Os estados federais normalmente decorrem da união de Estados, mas também podem ser formados pela descentralização de um Estado unitário. Uma terceira forma de Estado vem surgindo atualmente: o Estado Regional, em que algumas regiões ganham autonomia político-administrativa, mas não por direito próprio e sim por concessão do poder central (ex.: Espanha).

Uniões de Estados. O estudo das formas de Estado pressupõe a noção de uniões de Estados. Ao longo da história, sempre houve a união de Estados para fins de defesa, comércio etc. Exemplos: Liga do Peloponeso (união bélica de cidades gregas como Esparta, Corinto etc., entre os séculos VI e V a.C.), Liga Hanseática (união de cidades mercantis do norte da Europa entre os séculos XIII e XVII), etc..

Espécies de uniões. Conforme Sahid Maluf, as uniões de Estados podem ser classificadas em dois tipos: uniões iguais, quando os Estados a compõem espontaneamente e em igualdade de condições; uniões desiguais, nem sempre espontâneas e com prevalência de um Estado sobre outro(s).
a) Uniões Iguais
Confederação: união de dois ou mais Estados, através de um tratado, para fins de comércio, defesa etc., com possibilidade de dissolução. Ex.: OTAN, NAFTA, Mercosul.
União Pessoal: própria de monarquias, ocorre quando dois ou mais Estados, teoricamente mantendo a soberania, são governados, de forma acidental e temporária, por um mesmo rei. Ex.: Portugal e Espanha, 1616-1640.
União Real: também própria de monarquias, ocorre quando dois ou mais Estados são reunidos num único Estado soberano e sob um único rei, conservando apenas os nomes e a autonomia administrativa, mas abrindo mão da soberania. Ex.: “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte”, composto de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte e Áustria-Hungria entre 1867-1918.
Federação: dois ou mais Estados se unem de forma permanente formando um novo Estado soberano, abrindo mão das soberanias individuais e mantendo apenas autonomia político-administrativa.

b) Uniões Desiguais
Protetorado: um Estado passa a proteger outro(s), que mantém soberania limitada. Ex.: Reino Unido sobre o Egito e Iraque atual.
Vassalagem: um Estado domina outro e passa a explorá-lo, permitindo soberania limitada. Ex.: a França invadida pela Alemanha em 1940-44.
Império: um Estado predomina sobre vários outros, que mantém soberania limitada. Ex.: Império Romano.

c) Commonwealth Britânica: união sui generis, misto de uniões reais, pessoais e confederação

Formas de Estado. Vistas as uniões de Estados, passemos às formas de Estado, que tradicionalmente têm sido o Estado Unitário e a Federação. Atualmente, está surgindo um tertium genus, o Estado Regional, ainda não aceito por todos os teóricos. O que caracteriza a forma de Estado é a divisão espacial do poder.
Estado Unitário (Estado caracterizado pela centralização política e administrativa, em que todas as unidades de poder reportam-se ao poder central. Ex.: França, Uruguai)
Estado Federal (Estado caracterizado pela autonomia política e administrativa dos entes federativos, chamados de estados federados, províncias ou cantões. Ex.: EUA, Brasil, Argentina, Alemanha)
Estado Regional (forma que vem surgindo atualmente, com autonomia administrativa de algumas regiões por concessão do poder central. Ex.: Portugal, Espanha, Itália)


Federação. Etimologia (do latim foedus, foedoris: pacto, união, aliança). Definição: forma de Estado pactuada através de uma Constituição e caracterizada pela união indissolúvel de Estados, que abrem mão de sua soberania, mantendo apenas a autonomia política e administrativa, com repartição de competências e rendas.

Histórico. A forma federativa de Estado foi criada nos EUA pela Constituição de 1787, para substituir a Confederação surgida em 1776 com a independência das 13 Colônias. As ex-colônias abriram mão de ser Estados soberanos e se uniram num único Estado soberano, dividido em estados federados com autonomia política e administrativa. Teorizada por James Madison, Alexander Hamilton e John Jay na obra O Federalista. A Guerra da Secessão (1861-1865) estabeleceu o princípio da indissolubilidade do pacto federativo.

Características do Estado Federal
nascimento de um novo Estado
base jurídica numa Constituição de tipo rígida
proibição de dissolução e secessão
soberania do Estado Federal (União) e autonomia (leis e governo próprios) dos Estados-membros (também chamados de províncias, cantões etc.)
distribuição de competências e rendas
compartilhamento do poder político (não há hierarquia entre os entes federativos)
Legislativo bicameral, com um Senado representando os Estados-membros

Modos de Formação
a) Federação centrípeta: Estados que se unem em busca das vantagens da centralização (EUA)
b) Federação centrífuga: busca da descentralização e da moderação do poder (Brasil).

A crise do federalismo. Atualmente, especialmente no Brasil, tem-se visto um declínio da autonomia dos entes federados e uma tendência à centralização do poder nas mãos do governo na União, o que prejudica o caráter descentralizador e de moderação do poder de uma federação.

A União Européia. Para alguns teóricos, a União Européia, que ainda é uma confederação, é uma federação em construção. Já há até uma Constituição Européia sendo votada. Mas a federação somente se consolidará se os Estados europeus abrirem mão integralmente da sua soberania, o que dificilmente ocorrerá.

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 139 a 145.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Caps. XXXI e XXXII. Dalmo Dallari, O Estado Federal, Ed. Ática. Madison, Hamilton & Jay, Os artigos federalistas, Ed. Nova Fronteira.

domingo, 17 de outubro de 2010

Resumo 26 - Sistemas de governo (Parlamentarismo e Presidencialismo)

IV – Estado e Governo


4. Sistemas de Governo (Parlamentarismo e Presidencialismo)


Introdução. Sistema de governo diz respeito ao modo de funcionamento do governo e à relação entre os poderes Executivo e Legislativo. No Presidencialismo a separação entre os poderes é bem marcada, com ênfase na independência. No Parlamentarismo, vigora uma estreita cooperação entre os poderes, com ênfase na harmonia.

Parlamentarismo

“O parlamentarismo educaria os partidos e os partidos educariam o povo” (Paulo Bonavides)


Formação histórica. O Parlamentarismo foi implantando gradualmente na Inglaterra, sendo fruto da evolução dos costumes políticos ingleses e não de uma formulação teórica. Essa evolução está ligada à história política da Inglaterra, especialmente do Parlamento Inglês, que deu nome ao sistema. O Parlamento é a sede do Poder Legislativo, mas nele funciona também do Executivo, composto por parlamentares escolhidos dentre os membros do partido majoritário.

Principais fatos históricos.
• 1213: criação, por João Sem Terra, de um Conselho Privado, formado nobres que aconselhavam o rei
• 1215: assinatura da Magna Carta, em que o rei reconhece direitos do povo inglês e aceita submeter a cobrança de impostos à aprovação dos seus representantes
• 1265: criação do Parlamento (casa dos representantes do povo, sede do Poder Legislativo), após uma revolta de nobres chefiados por Simon de Monfort
• 1295: oficialização do Parlamento por Eduardo I
• 1332: separação do Parlamento em duas Casas: Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns
• 1640/1649: guerra civil entre partidários do rei e do Parlamento, com vitória das forças parlamentares e execução do rei Carlos I. Instituição de uma república liderada por Cromwell
• 1660/1688: restauração da monarquia
• 1688/89: Revolução Gloriosa, prevalência do Parlamento sobre a Coroa e criação do Gabinete (Conselho de Ministros), composto por parlamentares, para auxiliar o rei; Guilherme de Orange assume a coroa após assinar um Bill of Rights (carta de direitos do povo inglês) que representa o fim do absolutismo na Inglaterra
• 1714: assunção do príncipe alemão Jorge de Hanover como rei e de Lorde Walpole como “primeiro ministro”; o rei deixa de ir ao Parlamento e começa a se afastar das decisões políticas; separação da Chefia de Estado (rei) da Chefia de Governo (primeiro-ministro)
• 1782: demissão do primeiro-ministro Lorde North por pressão do Parlamento após o fracasso na guerra de independência dos EUA; exigência da concordância da Câmara dos Comuns para a nomeação do Primeiro-Ministro; surgimento da responsabilidade política
• Século XIX: praxe de o primeiro-ministro ser indicado pelo partido majoritário na Câmara dos Comuns; enfraquecimento da Câmara dos Lordes; consolidação do Parlamentarismo na Inglaterra e sua implantação em outros Estados europeus
• Século XX: o Parlamentarismo é o sistema mais utilizado nos Estados democráticos, sendo compatível tanto com a Monarquia (ex.: Espanha, Noruega, Japão etc.) como com a República (ex.: Alemanha, Portugal, Itália etc.). Onde não prevalece o bipartidarismo de tipo inglês, o governo deve ser formado por uma coalizão de partidos que represente a maioria do Parlamento; se isso não for possível, são convocadas novas eleições.


Características principais.
Distinção entre Chefe de Estado (rei ou presidente da República, este normalmente eleito indiretamente e para um mandato longo) e Chefe de Governo (primeiro-ministro, também chamado de chanceler ou premiê, que é o líder da maioria no Parlamento, sem mandato fixo)
Chefia do Governo com responsabilidade política: necessidade de o primeiro-ministro manter da liderança da maioria parlamentar para continuidade no cargo; possibilidade de voto de confiança e de desconfiança, que pode levar à queda do governo; essa responsabilidade é solidária com o Gabinete, ou seja, o primeiro-ministro é responsável pelos atos dos seus ministros, e se ele cai, todo o ministério cai junto.
Possibilidade de dissolução do Parlamento pelo Chefe de Estado em casos de perda da maioria ou voto de desconfiança, com a convocação de novas eleições a qualquer momento.
Outras: importância da oposição (shadow cabinet), interpelações e prestações de contas constantes do governo perante o Parlamento, importância da opinião pública, fair play etc.

Espécies. Parlamentarismo monista (Chefe de Estado sem atribuições políticas, figura simbólica). Parlamentarismo dualista (ou clássico: Chefe de Estado com algumas atribuições políticas, primeiro-ministro depende também da sua confiança). O sistema francês (ou “semi-presidencialismo”): Chefe de Estado (Presidente) com muitas atribuições políticas e de governo.

Parlamentarismo no Brasil – 2º. Reinado e 1961/63. O plebiscito de 1993.

Prós e contras. Prós: racionalização do poder, menos personalista; valorização do debate político, importância da opinião pública. Contras: fragilidade e instabilidade.

Conclusões. “Sua fraqueza é sua força”, porque tem mecanismos racionais de resolução das crises, sem revoluções, sem traumas e sem quebra da legalidade. O Parlamentarismo é o sistema que mais respeita a opinião pública (Sahid Maluf). “Educa os partidos e os partidos educam o povo” (Bonavides).


Presidencialismo

“O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo (...) o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimes” (Ruy Barbosa).

Introdução. No sistema presidencialista, a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo é marcada pela ênfase na independência, enquanto no Parlamentarismo a ênfase é na harmonia. Alguns autores chegam a afirmar que no Parlamentarismo não existe separação de poderes, que só ocorreria no Presidencialismo.

Origem. Introduzido pela Constituição norte-americana de 1787, sob a influência da teoria da separação de poderes de Montesquieu e da repulsa à monarquia inglesa. Dali espalhou-se para os demais Estados das Américas.

Características.
Chefia de Estado e de Governo exercidas pela mesma pessoa (Presidente da República)
Chefia unipessoal do Executivo (ministros são meros auxiliares do Presidente, sem responsabilidade política solidária perante o Parlamento)
Eletividade do Presidente
Presidente tem mandato com prazo determinado (não tem responsabilidade política, responde apenas por crime político através do impeachment, pode ser reeleito, mas com limites)
Presidente tem poder de veto e, em muitos casos, iniciativa de lei (aplicação do sistema de freios e contrapesos)

Prós e Contras. Prós: estabilidade do governo, fortalecimento e independência do Poder Executivo. Contras: falta de responsabilidade política do presidente, problemas no relacionamento com o Legislativo, personalismo, o “caudilho” latino-americano. Só funciona bem nos EUA.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 126 a 133.
Leituras complementares: Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, Caps. XLIII e XLIV. Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 21 e 22. Marcelo Caetano, Direito Constitucional, Forense, Parte I, Cap. I. Winston Churchill, História dos povos de língua inglesa, Vol. 3, Livro VIII.
Filmes: “Morte ao Rei” (To Kill a King, Inglaterra, Alemanha, 2003); “As Loucuras do Rei George” (The Madness of King George, Inglaterra, 1994).

sábado, 2 de outubro de 2010

Filme para a prova

A Onda (Die Welle). Alemanha, 2008. Direção e Roteiro: Dennis Gansel. O filme trata de autocracia e totalitarismo. Deverá ser assistido pelos alunos. Haverá na prova do segundo semestre uma questão sobre o filme.

Resumo 25 - Formas de Governo

IV – Estado e Governo


3. Formas de Governo (Monarquia e República)


Introdução. Como já foi visto, embora haja divergências entre os autores, as denominações mais usuais e compatíveis com a Constituição brasileira em relação à tipologia de governos são:
regimes políticos: democracia e autocracia;
formas de governo: monarquia e república;
sistemas de governo: parlamentarismo e presidencialismo.

Formas de governo. Atualmente, segundo a maioria dos autores, quando se fala em formas de governo trata-se da estrutura política do governo e da forma de acesso ao poder, especialmente o Poder Executivo. Segundo essa classificação, as formas de governo são monarquia e república.

Monarquia

“Enforcai o último rei com as tripas do último padre” (DENIS DIDEROT, filósofo iluminista francês, 1713-1784)

Histórico. A monarquia é a forma mais tradicional de governo, utilizada desde a antiguidade. Segundo a classificação de Aristóteles, a monarquia, também chamada de realeza ou principado, é o governo de um só, que pode degenerar para tirania. Os Estados modernos se constituíram como monarquias absolutistas, em que o poder se concentrava nas mãos do rei. Com as revoluções burguesas e o constitucionalismo, surgiram as monarquias constitucionais, nas quais o poder do rei é limitado e em sua maior é exercido de forma democrática e republicana.

Características da monarquia.
Vitaliciedade: o poder não é exercido por tempo determinado, normalmente durando por toda a vida do rei.
Hereditariedade: o poder é transmitido por sucessão hereditária, porque é propriedade do rei.
Irresponsabilidade: o rei não responde por seus atos e nem deve prestar contas aos súditos.

Vantagens e desvantagens. Os defensores da monarquia argumentam com sua estabilidade, distanciamento das lutas políticas e preparação especial do rei. Seus detratores argumentam que ela é essencialmente antidemocrática e que um Estado não pode ter sua sorte ligada a uma pessoa e sua família.

Monarquias constitucionais. Monarquias nas quais o poder do rei foi sendo diminuído até que lhe restou apenas o cargo quase simbólico de Chefe de Estado. São normalmente combinadas com o sistema parlamentarista, com características republicanas, em que a Chefia de Governo é exercida por um primeiro-ministro. É a única espécie de monarquia considerada compatível com a democracia. Ex: Inglaterra, Espanha, Dinamarca, Suécia etc.

República

“Nem um homem nesta terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular (...) verdadeiramente que nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa” (Frei Vicente do Salvador, 1564-1635).

Histórico. A república nasceu em Roma (509 a.C.) para combater a monarquia. Era um governo misto, dividindo o poder entre consulado, senado e plebe. Valorizava a moderação, o decoro e o respeito à coisa pública (res publica), que deveria estar acima dos interesses pessoais. Nessa época, o cônsul Brutus mandou executar seus filhos por conspirarem contra a República e Júlio César foi assassinado por senadores pelo mesmo motivo. Com a queda da república romana (27 a.C.), essa forma de governo praticamente desapareceu, até que passou a ser adotada por cidades italianas independentes no fim da Idade Média.

República moderna. O combate ao absolutismo monárquico identificou a república como uma forma democrática de governo, por limitar o poder e propiciar a participação popular. Os EUA já nasceram como república em 1776 e a Revolução Francesa implantou a república em sua segunda fase (1792).

Características da república.
temporariedade: o poder deve ser exercido por tempo limitado, evitando-se mandatos longos e reeleições sucessivas;
eletividade: o acesso ao poder deve ser por eleição, e não por sucessão hereditária;
responsabilidade: os governantes devem responder por seus atos e prestar contas (transparência, accountability).

Princípio Republicano. Atualmente, entende-se que, mais do que uma forma de governo, a república é um princípio que abrange, além das características republicanas básicas, separação entre Igreja e Estado, ética na política, honestidade, respeito à coisa pública, impessoalidade, moderação, combate aos privilégios, ao nepotismo e patrimonialismo (confusão entre o público e o privado), etc.

República x Democracia: “A República é o que nos faz respeitar o bem comum. A Democracia é o que nos faz construir uma sociedade da qual esperamos nosso bem. Na Democracia, desejamos ter e ser mais. Com a República, aprendemos a conter nossos desejos. Há uma tensão forte entre esses dois princípios, mas um não vive sem o outro” (...) “Não há política digna de seu nome, hoje, que não seja democrática e republicana. Mas há uma tensão entre esses dois ideais. A república é o regime no qual prevalece o bem comum, o que exige o sacrifício ou a contenção dos desejos e interesses privados. Já a força da democracia, hoje, e seu caráter popular estão justamente no fato de que ela mobiliza o desejo de ter mais – e sobretudo o desejo de ser mais” (Renato Janine Ribeiro)


Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 121 a 125.
Leitura complementar: Renato Janine Ribeiro, A República (coleção “Folha Explica”, ed. Publifolha).

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Resumo 24 - Separação de Poderes

IV – Estado e Governo

2. Separação de Poderes



“Todos os homens são bestas; os príncipes são bestas que não estão atreladas” (Montesquieu)


Introdução. O poder do Estado é uno, mas ele atua basicamente de três formas distintas: Legislação (elaboração da lei, que é a norma geral, abstrata e dotada de sanção). Administração (execução ou aplicação da lei por dever de ofício, sem necessidade de provocação). Jurisdição (aplicação da lei, de forma definitiva, nos conflitos de interesses, mediante provocação de uma das partes).

Separação de poderes. A identificação dessas três formas básicas de atuação do Estado e, posteriormente, a sua utilização para a moderação do poder e garantia da liberdade deu origem à teoria chamada de “separação de poderes” ou “tripartição do poder”. Note-se que essa teoria não visa dividir o poder, mas sim distribuir as diferentes funções para órgãos distintos do Estado.

Antecedentes históricos. Aristóteles (século IV a.C.) foi o pioneiro na identificação das três funções básicas do Estado, recomendando que fossem distribuídas em mãos diferentes para a boa organização da polis. Marsílio de Pádua (século XIV) afirmou que legislador deve ser o povo e não o monarca. Maquiavel (século XVI), afirmou a conveniência de o Príncipe ter juízes independentes. Segundo Locke (século XVIII), os poderes do Estado seriam quatro: Legislativo, Judiciário e o Executivo dividido em Prerrogativa (administração interna) e Poder Federativo (relações internacionais). Para ele, deveria haver supremacia do Legislativo, por este representar o povo.

Montesquieu. Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, foi um filósofo e jurista francês que viveu entre 1689 e 1755. Herdou o título de barão e o cargo de juiz do tribunal de Bodeaux de um tio, mas logo vendeu o cargo para se dedicar à filosofia. Levou mais de 20 anos para escrever sua obra máxima, O Espírito das Leis, publicado em 1748.

A teoria de Montesquieu. No Capítulo VI do Livro XI da obra, Montesquieu observa que existem três espécie de poder num Estado: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Porém, segundo ele, “é uma experiência eterna que todo homem que tem poder é levado a dele abusar. Vai até encontrar limites”. Para Montesquieu, não há liberdade se um poder está unido ao outro, e onde esses três Poderes estão concentrados nas mãos de uma pessoa ou de um único órgão, reina um “despotismo atroz”. A fórmula para limitar o poder é a distribuição dos três poderes para órgãos diferentes, a fim de que um limite o outro, evitando assim o abuso e garantindo a liberdade. Segundo suas palavras, “para formar um Governo moderado, precisa combinar os poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir ao outro”.

Freios e contrapesos. Para Montesquieu, os poderes devem ser independentes e harmônicos, não devendo haver supremacia de um sobre outro. Assim, além da separação dos poderes ele aconselha que haja controles recíprocos, com um poder interferindo em alguns pontos no funcionamento do outro. Por exemplo, o Executivo poderia convocar o Legislativo e vetar leis aprovadas por este, consideradas inconvenientes. O Legislativo, por sua vez, poderia fiscalizar a execução das leis, exigindo que o Executivo preste contas. Posteriormente, essa teoria, que ficou conhecida como freios e contrapesos ou checks and balances, foi desenvolvida nos EUA a partir de 1787, onde foram implantados outros mecanismos, como controle de constitucionalidade e de legalidade pelo Judiciário, o impeachment do chefe do Executivo pelo Legislativo, a nomeação dos membros dos tribunais superiores pelo chefe do Executivo, etc.

Funções típicas e atípicas. Além dos freios e contrapesos, cada um dos três poderes tem funções típicas e atípicas, a fim de que possam funcionar adequadamente, mantendo a independência e a harmonia. O Legislativo tem como função típica a legislação e como funções atípicas a administração (funcionários próprios, material etc.) e jurisdição (julgamento do impeachment, julgamento disciplinar de seus membros). O Poder Executivo tem como função típica a administração e como funções atípicas a legislação (medidas provisórias, decretos, veto, iniciativa de lei) e jurisdição (processo administrativo). O Poder Judiciário tem como função típica a jurisdição e como funções atípicas a administração (funcionários próprios, material etc.) e legislação (iniciativa de lei).

Dogma do Constitucionalismo liberal. A partir dos EUA (1787) e França (1791), a teoria da separação dos poderes, com o fim de limitar o poder e assim garantir a liberdade, tornou-se um dogma do Constitucionalismo Liberal e foi incorporado na maioria das Constituições. A partir do século XX, porém, ela passou a sofrer críticas, principalmente porque prejudicaria a eficiência do Estado. Atualmente, muitos autores afirmam que o dogma da separação de poderes estaria superado.

Função de controle. Teóricos como Karl Loewenstein têm sustentado a existência de um Poder de Controle, que seria exercido pelo Ministério Público e pelo Legislativo, que tradicionalmente exerce a fiscalização do cumprimento das leis pelo Executivo, inclusive através do Tribunal de Contas. Nesse contexto estaria também o controle externo do Judiciário e do Ministério Público. Isso sem falar na imprensa livre, essencial para o controle do poder na democracia.

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 115 a 120.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 10. Montesquieu, O espírito das leis, Livro XI, Cap. VI. F. Weffort (org.), Os clássicos da política, vol. 1, capítulo sobre Montesquieu.

sábado, 28 de agosto de 2010

Resumo 23 - Sistemas Eleitorais

IV – Estado e Governo
Regimes de Governo – Democracia – continuação

Sistemas Eleitorais



“A vontade do povo significa, na prática, a vontade do maior número ou da parte mais ativa do povo, da maioria ou daqueles que conseguem se fazer aceitos como a maioria; conseqüentemente, o povo pode desejar oprimir uma parte de seu número, e são necessárias tantas precauções contra isto como contra qualquer outro abuso do poder” (J. Stuart Mill, Sobre a Liberdade, 1859)


Introdução. Na democracia representativa a escolha de representantes é feita pelo sufrágio (voto). Há diversas formas de se organizar a escolha dos candidatos e contabilizar os votos, a fim de que a representação seja autêntica, ou seja, corresponda o mais fielmente possível à vontade popular, pois esse é o principal objetivo da democracia. Isso é feito por meio dos sistemas eleitorais.

Definição. Sistema eleitoral é o “conjunto de regras que define como, em uma determinada eleição, o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos”. Em outras palavras, o sistema eleitoral determina “como se transformam votos em poder” (Jairo Nicolau)

Tipos de sistemas. Há diversos tipos de sistemas eleitorais, que podem ser utilizados de forma exclusiva ou, como é mais comum, de forma combinada. Os sistemas mais conhecidos são o Majoritário, o Distrital, o Proporcional e o Distrital Misto.

Sistema Majoritário. É o sistema mais simples: quem obtém mais votos é eleito. Pode exigir maioria simples (maior número de votos entre os candidatos) ou maioria absoluta (mais da metade dos votos válidos, que pode ser obtida em primeiro ou segundo turno de votação). Utilizado para a eleição do chefe do Executivo (presidente, governador e refeito), para senador e, no sistema distrital, para a escolha de candidatos ao Legislativo.

Conseqüências do Sistema Majoritário. O sistema de maioria simples tende ao bipartidarismo e forma governos mais homogêneos, com maioria mais clara e programa mais definido. Os partidos pequenos tendem a enfraquecer, porque não têm força para lançar candidatos próprios. O sistema de maioria absoluta (turno duplo, se necessário) favorece o pluripartidarismo e forma governos de coalizão, pois os partidos preferem lançar candidatos próprios no primeiro turno e deixar as coalizões para o segundo.

Sistema Distrital. Utilizado para a eleição dos membros do Poder Legislativo (órgãos colegiados). Divide-se a circunscrição (cidade, estado ou País) em distritos, em número correspondente ao de cadeiras na casa legislativa. Em cada distrito realiza-se uma eleição pelo sistema majoritário. Normalmente, cada distrito elege apenas um representante. Ex: Inglaterra e EUA.

Conseqüências do Sistema Distrital. As mesmas do sistema majoritário. Aspectos positivos: aproximação entre o eleitor e o representante e barateamento das campanhas. Aspectos negativos: facilitação do clientelismo, possibilidade de formação de “currais eleitorais”, sub-representação das minorias e possibilidade de manipulação do desenho dos distritos (gerrymandering)

Sistema Proporcional. Criado na Bélgica, em 1900, sob a inspiração de Stuart Mill. Possibilita a representação de minorias e correntes de opinião diversas no Poder Legislativo. A eleição é feita em toda a circunscrição e não por distritos. Basicamente, cada partido elege, para o Legislativo, número de representantes proporcional votação obtida. Ex.: 20% dos votos = 20% das cadeiras.

Cálculo da representação proporcional. Divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher = quociente eleitoral (QE); divide-se a votação do partido (ou coligação) pelo quociente eleitoral (QE) = quociente partidário (QP). QP será número de cadeiras a que o partido (ou coligação) tem direito. Se houver sobras, as vagas restantes são preenchidas pelo sistema da maior média (repete-se a operação, adicionado-se 1 ao QE).

Exemplo. Numa cidade com 100.000 votos válidos e 20 vagas para vereador, o QE é 5.000 (são precisos 5.000 votos para o partido conquistar uma cadeira na Câmara de Vereadores). O partido A obteve 20.000 votos, o Partido B teve 10.000 votos e o Partido C teve 4.000 votos, a quantas cadeiras terá direito cada partido? Resposta: se o Partido A obteve 20.000 votos, seu QP é 4: terá direito a 4 cadeiras. Se o Partido B teve 10.000 votos, seu QP é 2: terá direito a 2 cadeiras. Se o Partido C teve 4.000 votos, não terá direito a cadeira, pois não atingiu o QE.

Preenchimento das vagas no sistema proporcional. Pelo sistema de lista aberta (usado no Brasil), as vagas de cada partido são preenchidas pelos candidatos mais votados, por ordem de votação. Pelo sistema de lista fechada, o partido apresenta previamente uma lista, com a ordem de preferência dos candidatos, preenchendo as vagas conquistadas segundo essa ordem.

Conseqüências do Sistema Proporcional. O sistema proporcional possibilita a representação das minorias, que têm poucas chances pelo sistema majoritário, favorecendo o pluralismo político. Isso gera o pluripartidarismo, às vezes com multiplicação excessiva de partidos, o que tem levado ao estabelecimento de cláusulas de barreira (requisitos mínimos para que um partido possa eleger representantes). Os candidatos de um partido com grande votação ou com um “puxador de votos” (ex. Enéias) podem ser eleitos com um número de votos menor do que candidatos mais votados de outros partidos.

Sistema Distrital Misto. Utilizado para as eleições no Poder Legislativo (menos o Senado). Metade dos representantes é eleita pelo sistema distrital e metade pelo sistema proporcional. O eleitor dá dois votos: um no seu distrito e outro na circunscrição. Utilizado na Alemanha e proposto para o Brasil. Seus defensores alegam que ele une as vantagens do sistema distrital e do proporcional.

Sistemas adotados no Brasil. Chefia do Executivo (Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito): majoritário (maioria absoluta, turno duplo se necessário). Maioria simples para municípios com menos de 200 mil eleitores. Senado: majoritário: maioria simples. Legislativos (Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas dos Estados e Câmara de Vereadores): proporcional com lista aberta. Há proposta para uma reforma do sistema eleitoral brasileiro, para a adoção do sistema Distrital Misto, com lista fechada.

Bibliografia
Leitura essencial
: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, 101 a 103.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 17. Jairo Nicolau, Sistemas eleitorais, ed. FGV. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Título V, Cap. II, n. 18.

Resumo 22 - Sufrágio

IV – Estado e Governo

Regimes de Governo – Democracia – continuação

O Sufrágio


“Nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem o seu consentimento" (Abraham Lincoln)

Introdução. Diversas são as formas de escolha de governantes: força física, sorteio, sucessão hereditária, voto etc. A democracia representativa, que prevalece no Estado Moderno, requer a escolha de representantes para governar em nome do povo. Essa escolha é feita através do sufrágio, que envolve o direito de votar e ser votado.

Definição. Sufrágio é o direito público subjetivo (exercido na esfera pública e para fins públicos) de participar das decisões políticas, votando (sufrágio ativo) ou sendo votado (sufrágio passivo). Observe-se que o sufrágio é utilizado tanto para a escolha de representantes (democracia representativa) como para a expressão direta da vontade popular (democracia semidireta: plebiscito e referendo).

Natureza. O sufrágio é um direito ou obrigação? Na democracia, o sufrágio é fundamentalmente um direito público subjetivo.

Voto obrigatório. Há quem entenda que, devido à necessidade de se escolher representantes e de se saber qual é a vontade do povo, o sufrágio ativo (voto) é também uma função do cidadão, e, portanto, um dever, da mesma forma que serviço militar e o tribunal do júri, o que justificaria a sua obrigatoriedade.

Extensão. Segundo a extensão, o sufrágio pode ser restrito ou universal, conforme sejam ou não previstas restrições ao seu exercício. O sufrágio universal é o único compatível com a atual idéia de democracia. Ele não significa ausência total de restrições, mas sim ausência de restrições discriminatórias ou injustificáveis.

Restrições ao sufrágio. São consideradas justificáveis e, portanto, compatíveis com o sufrágio universal, desde que razoáveis, as restrições ligadas a: nacionalidade, idade, condição mental, condenação judicial (a questão da “ficha suja”), engajamento militar etc. São consideradas incompatíveis com o sufrágio universal as restrições de cunho: racial (judeus na Alemanha nazista, negros no sul dos EUA até a década de 60), sexo (o sufrágio feminino), condição econômica (sufrágio censitário), condição intelectual (sufrágio capacitário, o voto do analfabeto) etc.

Modo de exercício. O sufrágio ativo (voto) pode ser: aberto ou secreto, conforme deva ser exercido com publicidade ou em segredo; múltiplo ou igual, conforme valha mais para alguns ou tenha valor igual para todos; direto ou indireto, conforme tenha por destinatário o próprio candidato ao mandato ou um colégio eleitoral que vai escolher o mandatário.

O sufrágio no Brasil. Império e República Velha: voto censitário, coronelismo, voto de cabresto, curral eleitoral, fraudes etc. A Revolução de 30: título eleitoral, cédula oficial, voto secreto. A urna eletrônica. Atualmente, temos no Brasil o sufrágio secreto, com valor igual, direto e com reduzidas possibilidades de fraude.

As fraudes na Flórida. No capítulo 1 do livro Stupid white men, Michael Moore relata as fraudes ocorridas na eleição presidencial na Flórida em 2000. Foram impostas restrições arbitrárias ao sufrágio e criadas dificuldades para o voto que impediram milhares de eleitores pobres, negros e latinos de votar. Tais fraudes foram decisivas para a eleição de George W. Bush, que mesmo assim teve menos votos populares que Al Gore.

Bibliografia
Leitura essencial
: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 97 a 100.
Leitura complementar: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 16. Jairo Nicolau, História do voto no Brasil. Michael Moore, Stupid white men, Cap. 1.
Filme: Mississipi em Chamas (Mississipi Burning )

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Resumo 21 - Partidos Políticos

IV – Estado e Governo

1. Regimes de Governo

a) Democracia – continuação

Representação Política – Partidos Políticos


“Sem os partidos políticos não poderia funcionar o governo representativo, nem a ordem despontar do caos eleitoral” (James Bryce)

“O melhor partido é apenas uma espécie de conspiração contra o resto do país” (Lord Halifax)

Introdução. Os partidos políticos surgiram na democracia moderna, servindo como intermediários entre as diversas correntes de opinião da sociedade e o Estado e canalizando essas correntes para a representação política. Embora em declínio, eles ainda são os atores principais do sistema político, sendo a democracia representativa também chamada de “democracia de partidos”.

Histórico. É natural, na sociedade humana, a tendência à formação de grupos políticos rivais, como os democratas e oligarcas em Atenas, os defensores da plebe e do Senado em Roma, os guelfos (partidários do papa) e gibelinos (partidários do imperador) na Idade Média etc. Essa rivalidade freqüentemente extrapolava a arena política e degenerava em violência e guerra civil.

Combate às facções. Tradicionalmente, esses grupos rivais eram chamados de facções e considerados nocivos por dividirem a sociedade. Rousseau e os líderes da Revolução Francesa combateram as “sociedades parciais”, não admitindo a existência de “corpos intermediários” entre povo e a “vontade geral”. Em 1791 foi aprovada a Lei Le Chapelier, que proibia qualquer tipo de associação na França.

Aceitação dos partidos. Na Inglaterra, onde era tradicional a divisão dos grupos políticos entre tories (proprietários rurais, conservadores, apoiadores da Monarquia) e whigs (burgueses, liberais, apoiadores do Parlamento), os partidos começaram a ser aceitos no final do século XVIII, a partir dos escritos de Burke e da compreensão do papel da oposição.

Ascensão dos partidos. No século XIX, com a massificação da política provocada pela extensão do sufrágio, os partidos foram assumindo lugar de destaque no sistema político, congregando as diferentes correntes de opinião da sociedade e servindo de intermediários entre a massa desorganizada de eleitores e o governo do Estado. Com isso, eles passaram a ser regulados pelo sistema jurídico, integrando até mesmo a Constituição de alguns Estados, como o Brasil.

Declínio dos partidos. Nas últimas décadas, os partidos têm sofrido um declínio em sua importância, pois não têm se mostrado eficientes para canalizar as reivindicações da sociedade contemporânea, sendo muitas vezes substituídos nessa tarefa por outros tipos de organização social, como as ONGs. Para isso contribui a sua estrutura interna pouco democrática e o fato de se dedicarem exclusivamente ao jogo político e aos interesses de seus membros, deixando de constituir um canal de comunicação para a sociedade.

Crítica aos partidos. Segundo o teórico Robert Michels (1876-1936), todos os partidos políticos têm a tendência à formação de oligarquias internas, que passam a comandá-los segundo seus interesses pessoais. Embora sejam considerados essenciais à democracia, a estrutura interna dos partidos raramente é democrática.

Natureza. Para alguns teóricos, o partido político é uma realidade sociológica, já para outros, como Kelsen, é um órgão do Estado. Em alguns Estados, como a Alemanha, ele é considerado como pessoa jurídica de direito público; já em outros, como o Brasil, é considerado como pessoa jurídica de direito privado.

Conceito. “Organização de pessoas que, inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente por meios legais, e nele conservar-se para a realização dos fins propugnados” (Paulo Bonavides)


Classificações. Há várias classificações relativas aos partidos políticos, segundo autores como Max Weber, Giovanni Sartori, Angelo Panebianco, Norberto Bobbio e Maurice Duverger. Utilizaremos como base a deste último, com algumas contribuições dos outros.

Quanto à organização interna. Quanto à organização interna, ou seja, com relação ao seu funcionamento e o tipo de filiados que o compõem, Duverger classifica os partidos em:
partidos de quadros: mais preocupados com a qualidade do que com a quantidade de membros e são financiados por grandes contribuintes, não necessariamente filiados (ex.: partidos Republicano e Democrata nos EUA e o PSDB no Brasil)
partidos de massas: nascem para representar as massas trabalhadoras, buscam o maior número possível de adeptos e são financiados por contribuições dos filiados (ex.: o Partido Trabalhista inglês e o PT no Brasil)

Partido “pega-tudo”. Segundo a doutrina mais atual, essa classificação está superada, pois, com a profissionalização da classe política e a oligarquização dos partidos, tanto os partidos de quadros como os de massas tendem a se transformar no que se chamou de partidos eleitorais de massa ou partidos “pega-tudo”, flexibilizando seus programas e dirigindo-se mais aos eleitores em geral do que aos seus filiados ou a uma classe social específica.


Quanto à organização externa. Essa classificação diz respeito ao número de partidos que existem ou podem existir num Estado:
Partido único: sistema próprio do totalitarismo, que só admite um partido e não admite divisões políticas. Ex.: nazi-fascismo, URSS e Cuba.
Bipartidarismo: sistema em que dois grandes partidos predominam em razão do sistema eleitoral, sem proibir a existência de outros. Ex.: Inglaterra e EUA.
Pluripartidarismo: sistema em que mais de dois partidos predominam e têm chances de chegar ao poder, podendo levar à extrema dispersão e à necessidade de imposição de limites, que são as “cláusulas de barreira”. Ex.: Brasil e Alemanha.

Quanto ao âmbito de atuação. Segundo essa classificação os partidos são:
Partidos de vocação universal ou internacional: extrapolam os limites dos Estados. Ex.: o antigo PC da URSS.
Partidos nacionais: atuam nos limites do território do Estado, sem se restringir a uma região. É o único tipo permitido atualmente no Brasil.
Partidos regionais: atuam em determinadas regiões de um Estado. Ex.: os partidos estaduais da República Velha.
Partidos locais: atuam apenas nas cidades. Não existem exemplos dignos de nota.

Quanto à ideologia. Essa classificação é baseada em Norberto Bobbio, que em obra recente defende a validade, ainda hoje, da dicotomia entre direita e esquerda, que para alguns estaria superada. Essa divisão tem origem na Revolução Francesa, quando a Assembléia Nacional dividiu-se entre os jacobinos (radicais, defensores da igualdade, que se sentavam à esquerda do salão) e girondinos (moderados, defensores da liberdade e que se localizavam à direita). Para Bobbio, o critério de distinção entre os dois pólos é a postura diante da igualdade.

Esquerda. Preocupação com a igualdade real. Reivindica justiça social por meio de maior intervenção do Estado. Prega a predominância do coletivo, mesmo que isso prejudique a liberdade individual. A centro-esquerda (social-democracia) atua segundo as regras do jogo democrático. A extrema-esquerda despreza a democracia liberal e aceita métodos violentos e governo totalitário para atingir suas finalidades (Ex.: URSS, Cuba, FARCs, MST).

Direita. Valoriza a liberdade individual e a igualdade formal (perante a lei). Condena a intervenção do Estado na economia e na sociedade. As desigualdades sociais seriam naturais e o progresso do indivíduo deve depender do próprio esforço. A centro-direita (direita liberal) aceita as regras do jogo democrático. A extrema-direita despreza a democracia e prega superioridade de um grupo sobre outros (nacionalismo xenófobo, racismo etc.), usando milícias e métodos violentos para a imposição da ideologia (Ex.: nazi-fascismo, Ku Klux Klan).

Partidos políticos no Brasil. Os partidos políticos surgiram no Brasil durante o reinado de D. Pedro II, dividindo-se entre conservadores e liberais. Durante a República Velha predominaram os partidos de âmbito estadual (PRP etc.). Entre 1946 e 1965, predominaram o PSD (centro), PTB (centro-esquerda) e a UDN (centro-direita). Durante a ditadura militar, só foram permitidos dois partidos, a ARENA (apoio à ditadura) e o MDB (oposição consentida). Com a redemocratização, surgiram: PDS (ex-arena, atual PP), PMDB (ex-MDB) e outros. Atualmente, temos DEM (ex-PFL, dissidência do antigo PDS), PT (intelectuais de esquerda e sindicalistas), PSDB (dissidência do PMDB), PDT (herdeiro do PTB getulista), PPS (ex-PCB), PC do B (dissidência do antigo PCB), PSOL (dissidência do PT), PV etc.

Outras formas de representação (profissional, corporativa, institucional).

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 84 a 87.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Caps. 19 (item 5), 23, 24 e 25. Maurice Duverger, Os partidos políticos (ed. UNB). Norberto Bobbio, Direita e Esquerda. Reinaldo Dias, Ciência Política. Rogério Schimitt, Partidos políticos no Brasil.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Dois artigos de Marco Antonio Villa

Publico abaixo dois artigos do professor Marco Antonio Villa, com excelentes análises do atual quadro político brasileiro, especialmente da tendência personalista e messiânica do nosso atual presidente e da incompetência da oposição em cumprir o seu papel.

O nosso 18 Brumário

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Lula quer aparecer como benfeitor de todas as classes, tal qual Luís Bonaparte
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O MAIOR PERSONAGEM da eleição não é candidato: Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje é o grande cabo eleitoral não só da sua candidata mas de toda base governamental. Chegou a esta condição contando com o auxílio inestimável da oposição.
No primeiro mandato teve sérios problemas, como na crise do mensalão. A oposição avaliou -erroneamente- que seria menos traumático e mais fácil deixá-lo nas cordas, para nocauteá-lo em 2006.
As saídas de José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken deram a Lula o protagonismo exclusivo. Só então teve condições de governar como sempre desejou.
A troika limitava sua ação e dividia as atenções políticas. Dava a impressão de que o chefe de Estado não era o chefe do governo.
A crise foi providencial para Lula: libertou-se do aparelho partidário, estabeleceu alianças como desejava e passou a ser a âncora exclusiva de sustentação do governo.
O segundo mandato, na prática, começou no início de 2006. A oposição mais uma vez evitou o confronto direto. Avaliou -erroneamente, novamente- que seria melhor manter os governos estaduais de São Paulo e Minas, transferindo o enfrentamento direto com Lula para 2010.
Em um terreno livre, Lula teve condições únicas para um presidente nos últimos 40 anos: estabilidade política, crescimento econômico e controle do Congresso.
As CPIs, que criaram problemas no primeiro mandato, perderam importância. Os frutos da estabilidade e uma conjuntura internacional favorável possibilitaram um rápido crescimento da economia e a expansão do consumo.
Paulatinamente, Lula foi afrouxando a política fiscal, abandonou as rígidas metas do primeiro mandato, manteve um câmbio artificial, incentivou o capital especulativo e foi empurrando para o próximo presidente uma bomba de efeito retardado.
Abrindo um imenso saco de bondades, ampliou o crédito para as classes C e D, favoreceu as viagens internacionais para a classe média e criou uma nova burguesia -a burguesia lulista- que ampliou o seu poder graças às benesses dos bancos oficiais. Expandiu numa escala nunca vista os programas assistenciais, como o Bolsa Família, e manietou os velhos movimentos sociais comprando suas lideranças.
Tal qual Luís Bonaparte, Lula "gostaria de aparecer como o benfeitor patriarcal de todas as classes". Foi ajudado pela oposição, sempre temerosa de enfrentar o governo. Usando uma imagem euclidiana, Lula "subiu, sem se elevar -porque se lhe operara em torno uma depressão profunda". Ele almeja transformar o 3 de outubro no seu 18 Brumário.

Onde está a oposição?

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Lula lançou a pecha da herança maldita e não houve resposta; estavam assustados
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A OPOSIÇÃO perdeu a batalha ideológica. E não é de hoje. Quando Lula assumiu o governo, rapidamente construiu um discurso negador do passado -sua especialidade. Com uma diferença: agora estava na Presidência e com muito mais poder para impor a sua versão da história.
Lançando a pecha de que teria encontrado uma herança maldita, não recebeu uma resposta eficaz e convincente dos oposicionistas. Estes estavam assustados e desestimulados. Ser oposição é tudo o que não queriam ser.
Como disse Nícia, na comédia "A Mandrágora", de Maquiavel: "Para os que não têm poder, não existe nem mesmo um cachorro que lhes ladre na cara".
Sem combatividade, estavam prontos para aderir ao governo. Só não o fizeram porque surgiram escândalos envolvendo altas autoridades governamentais, devido às divergências regionais e por uma razão simples: não foram cooptados para fazer parte do governo.
Se os militares golpistas latino-americanos não resistiam a um "cañonazo" de milhares de dólares, os políticos brasileiros não resistem ao "Diário Oficial" e suas nomeações. Apesar da derrota de 2006, a oposição manteve o comportamento light. Nada de críticas. Era necessário pensar na governabilidade. O tempo foi passando e a eleição foi se aproximando.
A cada omissão, mais o discurso oficial se transformava em verdade absoluta, sobre o passado e o presente. Excetuando a batalha contra a prorrogação da CPMF, quando a oposição foi oposição e venceu, nos últimos quatro anos a eficiência governista foi exemplar.
A oposição poderia ter criticado o rumo da economia, a segurança pública, os milhões de analfabetos ou a péssima situação da saúde.
Mas silenciou. Abdicou do combate. Acreditou que o relativo crescimento da economia blindava o governo de críticas. Ledo engano.
No quinquênio juscelinista, o país cresceu a taxas superiores às atuais, realizou grandes obras (o que não ocorre agora) e JK não elegeu o sucessor. Por quê? Porque a oposição fez o seu papel, como em qualquer democracia que se preze. Com a proximidade das eleições, a oposição ficou sem saber o que fazer. Esqueceu uma lição básica (e óbvia): é preciso fazer política. Ao menos enquanto há tempo. A recusa ao debate pode abrir caminho para o autoritarismo.
Afinal, o filho de um oligarca calou o "Estadão", proibindo noticiar suas negociatas; enquanto um partido ocupou ao seu bel prazer as páginas de "Veja". E tudo com a chancela da "justiça". Deste jeito logo começaremos a achar que o México, sob domínio do PRI, era uma democracia.

MARCO ANTONIO VILLA é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Resumo 20 - Democracia direta, semidireta e representativa

IV – Estado e Governo

1. Regimes de Governo

a) Democracia – continuação

Democracia direta, semidireta e representativa


“É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do parlamento; logo que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la.” (Rousseau, Do contrato social, 1765)

“O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade (...) Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá.” (Montesquieu, O espírito das leis, 1748)


Formas de Democracia. Conforme o grau de participação popular nas decisões mais relevantes do governo de um Estado, podemos classificar as formas de democracia como direta, semidireta e representativa. Essas formas de democracia podem ser praticadas isolada ou cumulativamente num Estado. No Brasil, por exemplo, predomina a democracia representativa, combinada com instrumentos de democracia semidireta, que são raramente utilizados.

Democracia direta. Era a forma de democracia praticada na Grécia antiga, especialmente em Atenas, onde o povo debatia e decidia as questões mais importantes da polis em assembléias realizadas em praça pública. Hoje esse tipo de democracia só é praticado em pequenos cantões (estados federados) suíços (Landsgemeinde) e ainda assim de forma restrita, porque os assuntos não são amplamente discutidos, havendo uma preparação prévia pelas autoridades.

Democracia semidireta. Nesse tipo de democracia o povo participa diretamente, propondo, aprovando ou autorizando a elaboração de uma lei ou a tomada de uma decisão relevante pelo Estado. A atuação do povo não é exclusiva, pois age em conjunto com os representantes eleitos, que vão discutir, elaborar ou aprovar a lei. É utilizada atualmente em combinação com a democracia representativa, que ainda prevalece. Muito usada nos EUA, é rara no Brasil.

Instrumentos da democracia semidireta. São instrumentos da democracia semidireta:
Plebiscito
• Referendo
• iniciativa popular
• veto popular
• recall


Plebiscito. Plebiscito (do latim plebiscitum: decreto da plebe) é uma consulta ao povo pelo qual este aprova ou não a elaboração de uma lei, uma emenda constitucional ou uma decisão governamental. Se houver aprovação, cabe ao poder competente a elaboração da medida. É importante notar que ele é anterior à lei ou à decisão governamental, que só serão elaboradas se houver aprovação popular. Ex: o plebiscito de 1993 sobre forma e sistema de governo.

Referendo. Referendo (do latim referendum: aprovação) é uma consulta feita ao povo sobre uma lei, emenda constitucional ou decisão governamental já elaborada pelo poder competente, mas ainda não vigente. Se houver aprovação, a medida entra em vigor. Note-se que o referendo é posterior à elaboração da medida. Ex.: o referendo de 2005 sobre o desarmamento.

Iniciativa popular. Na democracia representativa, o processo de elaboração de uma lei é iniciado por um projeto apresentado por um representante (membro do Poder Legislativo, chefe do Poder Executivo e, excepcionalmente, do Judiciário). A iniciativa popular é um instrumento de democracia semidireta pelo qual o processo legislativo pode ser iniciado por parte do povo, cabendo ao Poder Legislativo discutir e aprovar, ou não, o projeto. Exige-se que um número relevante de eleitores (1% do eleitorado, no Brasil) assine o projeto. Ex.: a Lei da Ficha Limpa, vigente nestas eleições.

Veto Popular. É um instrumento da democracia semidireta por meio do qual o povo pode vetar uma lei já aprovada ou revogar uma decisão judicial. Não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos.

Recall. O recall é a revogação do mandato político pelo povo. Colhendo-se um número de assinaturas determinado pela Constituição ou pela lei, convoca-se um recall, através do qual o eleitorado decide se um mandatário deve ou não ter o seu mandato cassado. Também não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos. Ex.: na Califórnia, em 2003, o povo revogou o mandato do governador Gray Davis e elegeu Arnold Schwarzenegger.

Deturpação da democracia semidireta. Embora sejam uma forma de aumentar a participação do povo em decisões importantes de governo, os instrumentos da democracia semidireta podem ser utilizados para legitimar medidas antidemocráticas, o que se faz mediante a manipulação da opinião pública com propaganda maciça e a intimidação da oposição, da imprensa e dos eleitores. É a clássica utilização de instrumentos da democracia para destruir a democracia. Exemplos: cesarismo, bonapartismo, nazismo e chavismo.

Democracia Representativa. Devido à impossibilidade da reunião de grande número de pessoas para a tomada de decisões e à desconfiança com relação à capacidade do povo de tomar decisões (v. Montesquieu), a democracia no Estado Moderno é predominantemente representativa, ou seja, o povo elege representantes para tomar as decisões em seu lugar.

“O único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser uma parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.” (John Stuart Mill – 1806-1873)


Representação Política. O mandato é o instrumento da representação política. O mandato político foi inspirado no contrato de mandato do Direito Civil, através do qual uma pessoa nomeia outra para representá-la num ato jurídico.

Mandato imperativo. De início, o mandato político era imperativo, ou seja, havia vinculação do representante às instruções dos representados, que poderiam revogar o mandato caso houvesse desobediência ou infidelidade. Na França, por exemplo, essas instruções se chamavam cahiers de dolèance (cadernos de queixas).

Mandato livre. A partir da Revolução Francesa e dos escritos de Burke na Inglaterra, o titular de mandato passa a ser visto como representante de todo o povo e não apenas dos seus eleitores, surgindo o mandato livre, pelo qual o representante não se vincula a instruções de seus eleitores.

“O Parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados, mas uma assembléia deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo. Elegei um deputado, mas quando o haveis escolhido, ele não é o deputado por Bristol, e sim um membro do parlamento.” (Edmund Burke – 1729-1797)


Características do Mandato Político. Atualmente, o mandato político é livre (não vinculado), geral (para qualquer assunto de competência do representante), autônomo (os atos do representante não dependem de confirmação), irresponsável (o representante não deve explicações por suas decisões) e irrevogável (com exceção do recall, que não existe no Brasil.

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 79 a 83.
Leituras complementares: Paulo Bonavides, Ciência Política, Cap. 19, itens 3 e 4, e Cap. 20. F. Weffort (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulos sobre Burke e Stuart Mill.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Twitter

Estou no Twitter como pjmarum.
Como diria o Chaves (não o Chávez), sigam-me os bons!

Resumo 19 – Democracia

IV – Estado e Governo

1. Regimes de Governo:

a) Democracia


“Nós aqui presentes solenemente afirmamos que esses homens não morreram em vão, que esta nação, com a graça de Deus, verá o nascimento de uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra” (A. Lincoln, Discurso em Gettysburg, 1863).



Classificações. Há muita confusão quando se fala de regimes, formas e sistemas de governo. Utilizaremos neste curso a classificação mais atual e que está de acordo com a Constituição vigente:
regimes de governo: democracia e autocracia
formas de governo: monarquia e república
sistemas de governo: parlamentarismo e presidencialismo

Regimes de Governo – Introdução. O poder soberano do Estado é exercido através do governo. Os regimes de governo são democracia e autocracia (também conhecida como ditadura, despotismo, totalitarismo etc.), conforme o governo seja mais ou menos autoritário, tenha mais ou menos participação popular e garanta mais ou menos os direitos fundamentais. Neste e nos próximos capítulos, estudaremos a democracia e seus institutos. Em seguida, veremos a autocracia.


Democracia.
• Origem do termo: do grego demos (povo), kratos (poder)
• Segundo Lincoln, democracia é o governo do povo (o poder pertence ao povo), pelo povo (é exercido pelo povo) para o povo (em benefício do povo)


Classificação de Aristóteles. Aristóteles (384-322 a.C.) classificou os governos segundo o número de governantes e a modo de exercício do poder. Para ele, as formas boas de governo eram exercidas em benefício do bem comum, e as formas más ou degeneradas seriam as exercidas para favorecer apenas aqueles que governam.
• governo de um: monarquia (forma boa) e tirania (forma má, exercida no interesse do tirano)
• governo de poucos: aristocracia (governo dos virtuosos, forma boa) e oligarquia (forma má, voltada para o bem dos poucos que governam)
• governo de muitos: politéia (“constituição”, forma boa, exercida no sentido do bem comum) e democracia (forma degenerada, dominada pelos demagogos e exercida no interesse dos pobres contra os ricos).

Observa-se que, para Aristóteles, a democracia era uma forma degenerada de governo, porque ele se baseava no que ocorria em Atenas na época, mas esse sentido mudou com o tempo e a democracia passou a ser considerada o melhor tipo de governo.

Democracia Antiga. Democracia era o regime de governo das cidades gregas, especialmente Atenas, por volta de V e IV a. C. Possuía as seguintes características básicas:
• exercício direto do poder pelo povo (decisões políticas tomadas em assembléias na praça pública)
• alto grau de participação dos cidadãos
• conceito restrito de cidadania (exclusão das mulheres, escravos etc.)
• liberdade política x limitação da liberdade individual (liberdade dos antigos x liberdade dos modernos)
isagoria (igual direito à palavra nas assembléias), isonomia (igualdade perante a lei) e isotimia (igualdade no acesso aos cargos públicos)
• cargos públicos preenchidos preferencialmente por sorteio e exercidos por tempo limitado

Discurso de Péricles

"Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a cidade outorga honraria o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios.

O governo favorece a maioria em vez de poucos – por isso é chamado de democracia. Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças; quanto à condição social, o avanço na vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição.

Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento sem afetação. Empregamos a riqueza mais para o uso do que para a exibição e situamos a desgraça real da pobreza não no reconhecimento do fato, mas na recusa de combatê-la.

Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil.

Em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia. Em resumo, afirmo que, como cidade, somos a escola de toda a Grécia..."
(Trechos do discurso em homenagem aos atenienses mortos na guerra do Peloponeso, 430 a. C.)

Democracia Moderna. Depois do apogeu na Grécia, a democracia foi praticamente esquecida e só voltou a ser lembrada com o surgimento do Estado Moderno, tendo como objetivos a luta contra o absolutismo e a afirmação dos direitos naturais (vida, liberdade, igualdade etc.). A democracia moderna se diferencia da antiga pela extensão da cidadania (busca do sufrágio universal) e pela limitação da participação direta (democracia representativa)

Histórico. A democracia ressurge no Estado Moderno como conseqüência das revoluções burguesas (Inglaterra, EUA, França) e do constitucionalismo, sob a influência de filósofos jusnaturalistas como Locke, Montesquieu e Rousseau.

Revolução Inglesa (1689). Sob a influência de Locke, editou o Bill of Rights, garantindo os direitos naturais, limitando o poder da monarquia e afirmando o Legislativo, composto de representantes do povo, como o poder supremo, a quem cabe estabelecer as leis, segundo a vontade da maioria.

Revolução Americana (1776). Aplicou a lição de Locke pela qual é dever do governo respeitar os direitos naturais, sem o que o povo tem direito à rebelião. De Montesquieu, aplicou o princípio da separação de poderes como forma de limitação do poder, estabelecendo os poderes legislativo, executivo e judiciário como harmônicos e independentes, sem que um prevaleça sobre o outro. Devido à inexistência da nobreza, teve maior participação popular.

Revolução Francesa (1789). Derrubou a monarquia absolutista aplicando a teoria democrática de Rousseau de que a soberania pertence ao povo (nação) e a lei deve ser expressão da vontade geral. Consagrou os direitos naturais e aplicou a teoria da separação de poderes sem os mecanismos de freios e contrapesos previstos nos EUA. Teve um caráter mais universalista do que as outras revoluções, espalhando-se por Europa e Américas.

“A Democracia na América”. Este é o título de um livro clássico do filósofo francês Alexis de Tocqueville, que, em vista aos EUA em 1831, ficou impressionado com o funcionamento da democracia norte-americana, caracterizada pela intensa participação dos cidadãos, pela igualdade de oportunidades e pela prevalência da soberania popular mediante eleições livres. Para ele, a democracia política, social e econômica ali vigente era o futuro da humanidade. Ficou famosa sua observação de que os males da democracia se resolvem com mais democracia, nunca com menos.

Século XIX. No século XIX prevaleceu a democracia liberal, com a garantia das liberdades públicas e da igualdade apenas formal (perante a lei). Exceto nos EUA, a participação popular, limitada à eleição de representantes, era muito pequena, devido às limitações do sufrágio em razão da renda (voto censitário) e da escolaridade (a maioria da população era de analfabetos) e do sexo (proibição do sufrágio feminino).

Século XX. O início do século XX foi marcado pelo desprestígio da democracia liberal, que sofria ataques tanto dos socialistas como dos fascistas. Os socialistas criticavam a democracia formal, que não garantia a participação popular e a igualdade real. Os fascistas criticavam a fraqueza dos governos democráticos para tomar decisões essenciais ao Estado. Ambos pregavam as virtudes da ditadura, seja do proletariado, seja do líder carismático (duce ou führer).

Pós-guerra. A democracia só recupera seu prestígio após o fim da II Guerra Mundial, mas agora com a exigência de ampla participação popular (sufrágio universal) e garantia dos direitos civis, políticos e sociais. Atualmente, nenhum Estado, mesmo os totalitários como Coréia do Norte, Cuba e Irã, admite ser antidemocrático.

Como identificar uma democracia?
Segundo Dallari, a democracia atual tem os seguintes requisitos:
supremacia da vontade popular: eleições livres e periódicas, sufrágio universal, prestação de contas, transparência, outras formas de participação popular como plebiscito, referendo, iniciativa popular, orçamento participativo etc.
preservação da liberdade: limitação do poder, liberdade de imprensa e outras liberdades públicas, oposição livre, respeito às minorias etc.
igualdade de direitos: garantia de acesso livre e igualitário aos direitos políticos, civis e sociais.

Democracia como técnica. Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004), a democracia é ao mesmo tempo uma técnica e um valor. Como técnica, ou seja, sob o ponto de vista formal, ela é definida como “regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Bobbio ensina que “apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar”. Sob esse ponto de vista, a vontade da maioria deve prevalecer, exceto quando não há respeito às regras do jogo, ou seja, não se pode usar a democracia para destruir a democracia.

Democracia como valor. Segundo Bobbio, a democracia é substancialmente um valor, isto é, um conjunto de fins (e não apenas de meios), dentre os quais sobressai a finalidade da igualdade jurídica, social e econômica.

“Democracia não é só a escolha por votos, mas é o casal ter um diálogo bom e respeitoso, o patrão ouvir os empregados e aceitar suas sugestões, o professor ou o pai escutar o aluno ou o filho e não ter vergonha de pedir desculpas. Democracia, aqui, significa um concentrado de atitudes, em que se incluem a conversa limpa, honesta e sincera, a renúncia a ser o dono da verdade e, finalmente, as boas maneiras. Ser educado pode ser um traço essencial da democracia, porque é um modo de dizer que o outro vale tanto quanto nós” (Renato Janine Ribeiro)

A democracia é possível?
• para Rousseau, não existe e talvez nunca existirá democracia perfeita, a não ser para “um povo de deuses”
• segundo Bobbio, existem regimes menos e mais democráticos. É um ideal a ser sempre buscado, até porque ao contrário do despotismo, que não muda, estar sempre em transformação é da natureza da democracia.

A democracia é o melhor regime?

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos" (Churchill)

“Quando me perguntam se uma nação está madura para ser livre, respondo: existe um homem maduro para ser déspota?” (Lord John Russel)

“O despotismo se apresenta freqüentemente como o reparador de todos os males sofridos; é o apoio da razão, o sustentáculo dos oprimidos e o instaurador da ordem. Os povos adormecem no seio da prosperidade momentânea que ele propicia; e, quando despertam, estão na miséria. A liberdade, ao contrário, comumente nasce no meio das tempestades, estabelece-se penosamente entre as discórdias civis e não é senão quando já está velha que se pode conhecer seus benefícios” (A. Tocqueville).

“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a ferida que corrói a carne por fora e o tumor invisível que corrói por dentro. As feridas democráticas curam-se pelo sol da publicidade, com o cautério da opinião pública livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves” (Clemenceau)

“Nenhuma guerra explodiu até agora entre Estados dirigidos por regimes democráticos. O que não quer dizer que os Estados democráticos não tenham feito guerras, mas apenas que jamais fizeram entre si” (Norberto Bobbio)

Bibliografia
Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 75 a 78.
Leituras complementares: M. Y. Finley, Democracia antiga e moderna. Norberto Bobbio, Dicionário de Política, verbete “democracia” e O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo. Renato Janine Ribeiro, A democracia (Coleção Folha Explica, ed. Publifolha).

Gabaritos

GABARITOS Ciência Política – 1º Semestre - 2010

Com um ligeiro atraso, aí vão os gabaritos da prova do primeiro semestre:

1º. Noturno, Prova 1
1-A 2-C; 3-B; 4-D; 5-E; 6-D; 7-C; 8-D; 9-B; 10-D

1º. Noturno, Prova 2
1-E 2-C; 3-A; 4-D; 5-D; 6-E; 7-D; 8-E; 9-B; 10-D

1º. Diurno, Prova 1
1-C, 2-E, 3-A, 4-B, 5-D, 6-B, 7-D, 8-B, 9-E, 10-C

1º. Diurno, Prova 2
1-B, 2-D, 3-B, 4-C, 5-E, 6-A, 7-B, 8-B, 9-A, 10-E

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Resumo 18 – Estado Constitucional (Constituições brasileiras)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional
(continuação: Constituições brasileiras)

“Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição decretando:
Artigo 1º - De agora em diante todo brasileiro está obrigado a ter vergonha na cara. Parágrafo 1º e único – Revogam-se as disposições em contrário”
(Capistrano de Abreu).

Constituições Brasileiras. Desde 1822, quando se tornou um Estado independente e soberano, o Brasil teve oito Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.

Carta Imperial de 1824. Outorgada por D. Pedro I, estabeleceu a monarquia e, além dos três poderes tradicionais, também o Poder Moderador, que era exercido pelo Imperador. Era de tipo liberal-burguês, porém mais conservadora que os modelos norte-americano e francês, prevendo, por exemplo, a religião católica como culto oficial.

Constituição Republicana de 1891. Promulgada após a proclamação da República, implantou a forma federativa de Estado e o sistema presidencialista de governo, sofrendo grande influência do modelo norte-americano. Previu os direitos civis de tipo liberal, mas limitou os direitos políticos ao proibir o voto dos analfabetos, que eram a maioria da população.

Constituição de 1934. Promulgada após as Revoluções de 1930 e 1932, manteve a república, o presidencialismo e a federação. Inspirada na Constituição alemã de 1919, previu direitos sociais ao lado dos direitos civis e políticos. Foi a primeira a prever o sufrágio feminino.

Carta ditatorial de 1937. Chamada de “Polaca”, foi outorgada por Getúlio Vargas e serviu para implantar a ditadura do Estado Novo, de tipo fascista. Extinguiu o Senado, manteve o Legislativo fechado e limitou o Judiciário e a federação. Manteve os direitos sociais, mas limitou os direitos civis e políticos, nomeando interventores no lugar de mandatários eleitos e permitindo prisões arbitrárias de opositores.

Constituição de 1946. Promulgada após o fim da ditadura getulista, restaurou a democracia, a república, a separação de poderes e os direitos civis e políticos. Em matéria de direitos sociais, é considerada mais conservadora do que a de 1934. Implantou a ação direta de constitucionalidade.

Constituição de 1967. Com o golpe militar de 64, foram baixados Atos Institucionais que, na prática, revogavam a Constituição de 1946. Em 1967, o ditador Castello Branco determinou que o Congresso, mutilado por diversas cassações, elaborasse num curto prazo uma Constituição, conforme um projeto que sequer previa os direitos e garantias individuais. O Congresso, que não havia sido eleito para elaborar uma nova Constituição, ainda conseguiu melhorar o projeto, incluindo um rol de direitos e garantias individuais. Na prática, foi mantida a ditadura militar, com centralização do poder, eleições indiretas, possibilidade de fechamento do Congresso e edição de decretos-leis pelo Executivo. Devido a tais circunstâncias, há dúvida sobre se essa Constituição pode ser considerada outorgada ou promulgada.

Carta ditatorial de 1969. Em 1968 a ditadura se radicalizou, baixando o famigerado AI-5, que, na prática, suspendia a Constituição de 1967 e todas as garantias dos direitos individuais. Em 1969, a junta militar que governava o país editou uma emenda constitucional que alterava tanto a Constituição que para a maioria dos autores se trata de uma nova Constituição, claramente outorgada, embora o preâmbulo diga que ele foi “promulgada”. O AI-5 continuou em vigor e, com a suspensão dos direitos e garantias individuais, os agentes da ditadura puderam prender e torturar os opositores do regime. O Congresso foi fechado várias vezes e muitos políticos de oposição foram cassados de forma arbitrária. O Judiciário tinha poderes limitados para coibir as arbitrariedades. Foi o mais violento período ditatorial da história brasileira.

A “Constituição Cidadã” de 1988. A ditadura militar abrandou-se a partir de 1979, anistiando os presos políticos e permitindo a volta de exilados. Em eleições indiretas no Colégio Eleitoral, o candidato do governo, Paulo Maluf, foi derrotado pelo oposicionista moderado Tancredo Neves, que conseguiu apoio de parte da base governista. Morto Tancredo antes da posse, o vice Sarney assumiu e, cumprindo compromisso da campanha, enviou ao Congresso uma emenda constitucional prevendo a eleição de uma Assembléia Constituinte, a ser eleita pelo povo. Com ampla participação popular, a Constituinte, liderada por Ulysses Guimarães, promulgou a Constituição democrática de 1988, prevendo extenso rol de direitos civis, políticos e sociais. Apenas o PT, liderado por Lula, se recusou a aprovar a nova Constituição.

Bibliografia.

Leituras recomendadas: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1, item 10. Hilton Lobo Campanhole, Constituições do Brasil. Paulo Bonavides e Paes de Andrade, História Constitucional do Brasil, São Paulo: Paz e Terra, 1991.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Resumo 17 – Estado Constitucional (Constituinte, supremacia da Constituição e controle de constitucionalidade)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional (continuação: Poder Constituinte, supremacia da Constituição e controle de constitucionalidade)

“The constitution is what the judges say it is” (justice Hughes, antigo presidente da Suprema Corte dos EUA).


Poder Constituinte. Conforme a teoria do Abade de Siéyès, o poder que faz a Constituição é o Poder Constituinte. Esse poder pertence ao povo e é exercido por meio de seus representantes reunidos em Assembléia Constituinte. Ele se manifesta quando é fundado um novo Estado (ex.: Brasil em 1822) ou quando uma Constituição é substituída por outra, o que ocorre por consenso social, revolução ou golpe de Estado (ex.: Brasil em 1988).

Poder Constituinte Originário. O poder que constitui um Estado ou lhe dá nova Constituição é o Poder Constituinte Originário, que tem as seguintes características: é inicial, porque não deriva de nenhum outro; é ilimitado, porque é um poder de fato, não limitado por regras de direito positivo, embora tenha limitações sociais, políticas e de direito natural; é autônomo, porque faz suas próprias regras; e é incondicionado, porque não tem pré-condições para seu funcionamento.

Poder Constituinte Derivado. O Poder Constituinte Originário estabelece condições para a alteração da Constituição. O poder encarregado de realizar essas alterações é chamado de Poder Constituinte Derivado. Essa denominação é imprópria, porque, embora ele seja um poder, não é constituinte, por isso há doutrinadores que o denominam de Poder Reformador ou Competência Reformadora. Trata-se de um poder instituído ou secundário, limitado e condicionado.

Limitações à alteração da Constituição. Uma Constituição rígida sempre traz limitações à sua alteração (por emenda ou reforma). Essas limitações são: materiais (matérias que não podem ser alteradas, chamadas de cláusulas pétreas); circunstanciais (ocasiões em que não se pode alterar a Constituição, como na vigência do estado de sítio); e procedimentais (procedimento especial, mais complicado do que o das leis, para alteração da Constituição, como o quorum qualificado)

Princípios e regras constitucionais. A doutrina mais atual do Direito Constitucional vê a Constituição como um sistema de princípios e regras. Os princípios são baseados em valores e têm alto grau de abstração e generalidade e baixa normatividade, como, por exemplo, o princípio da igualdade (ex.: art. 5º, caput, da Constituição brasileira). Já as regras têm baixo grau de abstração e generalidade e alta normatividade, como, por exemplo, o art. 87, parágrafo único, inciso III, da Constituição brasileira. Por isso, se considera que os princípios estão acima das regras e que violar um princípio é mais grave do que violar uma regra.

Supremacia da Constituição e hierarquia das normas. A Constituição é a norma suprema de um Estado, hierarquicamente superior e fundamento de validade das normas infraconstitucionais. Abaixo da Constituição estão as leis (complementares e ordinárias), que são definidas como normas gerais e abstratas que estabelecem uma obrigação, uma proibição ou uma autorização. Há outras normas que são hierarquicamente iguais às leis, como as medida provisórias os decretos legislativos etc. Abaixo das leis estão os decretos, que são atos do Poder Executivo que regulamentam as leis. Abaixo dos decretos estão as portarias, ordens de serviço etc.

Direito intertemporal. Uma nova Constituição revoga inteiramente a anterior e a substitui como fundamento de validade do sistema normativo infraconstitucional. As normas incompatíveis são imediatamente revogadas e as compatíveis são recepcionadas pela nova Constituição. Ex.: o Código Penal, decreto com força de lei baixado pela ditadura Vargas, foi recepcionado pelas Constituições posteriores. Cabe ao Poder Judiciário decidir, num caso concreto, quais normas foram ou não recepcionadas pela nova Constituição.

Controle de Constitucionalidade. A supremacia e a rigidez da Constituição requerem um controle de constitucionalidade que impeça a entrada no sistema de normas com ela incompatíveis, ou seja, inconstitucionais. Trata-se de um requisito lógico, pois se leis inconstitucionais pudessem integrar o sistema elas modificariam a Constituição, o que é incompatível com a supremacia e a rigidez desta.

Caso Marbury x Madison (1803). O controle de constitucionalidade não era previsto nas primeiras Constituições, surgindo da decisão da Suprema Corte norte-americana no caso Marbury x Madison. Segundo essa decisão, são nulas as leis que contrariem a Constituição. Sendo nulas, não obrigam a ninguém. Portanto, se alguém tiver um direito ferido por lei inconstitucional, pode reclamar ao Judiciário, a quem cabe decidir os conflitos aplicando a Constituição.

Formas de controle. Em relação ao momento em que é exercido, o controle de constitucionalidade pode ser feito antes ou depois da entrada em vigor da norma. O primeiro é chamado de preventivo e é realizado pela Comissão de Constituição e Justiça do Legislativo e pelo também veto jurídico do chefe do Executivo. O segundo é o controle repressivo, realizado pelo Judiciário.

Atos passíveis de controle. São passíveis de controle de constitucionalidade a lei ou ato normativo com força de lei, ou seja, uma norma de escalão imediatamente infraconstitucional (leis, medidas provisórias etc.). Também as emendas constitucionais são passíveis de controle, neste caso se forem incompatíveis com as cláusulas pétreas. Decretos e outros atos de escalão inferior à lei não são passíveis de controle de constitucionalidade e sim de legalidade.

Espécies de inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade pode ser formal (vício no processo de criação da norma) e material (vício no conteúdo da norma).

Jurisdição Constitucional. Cabe ao Poder Judiciário realizar o controle de constitucionalidade repressivo, impedindo a permanência no sistema de uma norma incompatível com a Constituição. Sendo um Poder inerte, o Judiciário só declara a inconstitucionalidade de uma norma quando provocado. O controle de constitucionalidade pelo Judiciário tem duas modalidades: o difuso e o concentrado.

Controle difuso. O controle difuso pode ser realizado em qualquer processo, por qualquer juiz ou tribunal. Ele afasta, num caso concreto, a aplicação de uma norma considerada inconstitucional. A decisão só vale para esse caso específico, mas pode ser estendida a todos se a corte suprema confirmar a inconstitucionalidade. No Brasil, do STF comunica a decisão ao Senado, que suspende a eficácia da lei. É o sistema criado nos EUA e utilizado no Brasil desde 1891.

Controle concentrado. O controle concentrado é realizado diretamente por um tribunal constitucional. Criado na Áustria, em 1920 por influência de Hans Kelsen, é o sistema europeu e também é usado no Brasil desde 1946. O instrumento mais comum desse controle é a Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas há outros que serão estudados na disciplina Direito Constitucional. A decisão tomada nesse tipo de controle vale erga omnes (para todos).

Bibliografia

Leitura recomendada: Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1, itens 4, 5, 7 e 8. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Resumo 16 – Estado Constitucional (conceito e espécies de Constituição)

III – Estado e Direito

1.O Estado Constitucional
(continuação – conceito e espécies de Constituição)

“Em termos práticos, pode-se afirmar que nenhum profissional da área jurídica, seja ele advogado, juiz, membro do Ministério Público, delegado de polícia ou qualquer outro, nenhum deles estará capacitado para bem desempenhar suas funções se desconhecer a Constituição e os conceitos básicos do Direito Constitucional.” (Dalmo Dallari)



Introdução. A partir das contribuições do Constitucionalismo em suas vertentes liberal-burguesa, social e humanista, podemos chegar a um conceito atual de Constituição. Antes, porém, é interessante analisar a definição de Constituição segundo os pontos de vista sociológico, político e jurídico, para em seguida chegar a um conceito sintético de Constituição.

Sentido sociológico. Sob o ponto de vista sociológico, ou seja, dando ênfase à realidade fática, Ferdinand Lassalle, em célebre conferência proferida em 1863 e depois publicada com o título de A essência da Constituição, afirmou que a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”.

Sentido político. O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) vê a Constituição como expressão da “decisão política fundamental”. A Constituição não deriva do direito, e sim de uma decisão de natureza política sobre como deve ser organizado e funcionar o Estado. E tal decisão deve ser tomada por um líder (führer) que encarne a vontade popular. Schmitt desprezava a democracia liberal e tornou-se um autor maldito por apoiar o nazismo. Para ele, a política é regida pela relação “amigo-inimigo” e “o valor maior tem o direito de aniquilar o valor menor”. Em 1932, travou uma polêmica com Kelsen sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Para ele, deveria ser o führer, enquanto para Kelsen, deveria ser o Poder Judiciário. Na época, prevaleceu a teoria de Schmitt, tendo como resultado, com a ascensão de Hitler ao poder, a possibilidade deste de impor leis de exceção sem precisar alterar a Constituição de Weimar. No pós-guerra, porém, prevaleceu a doutrina de Kelsen. Curiosamente, Schmitt hoje é admirado por parte do pensamento de esquerda.


Sentido jurídico. Para Kelsen, a Constituição deve ser descrita sob o ponto de vista estritamente jurídico, sendo o “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”. São, portanto, as normas que estabelecem a forma de Estado, a forma e o sistema de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os órgãos que vão exercer o poder e os limites da atuação deste.

Concepção estrutural de Constituição. Segundo José Afonso da Silva, deve-se buscar uma “concepção estrutural de Constituição, que a considera, em seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico”.

Ainda segundo José Afonso da Silva “certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição”. A Constituição, portanto, é fato, valor e norma, conforme a teoria de Miguel Reale.

Concluindo, José Afonso da Silva afirma que “a Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade”.


Definição sintética. Diante do que foi visto, podemos definir sinteticamente a Constituição como “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.

Tipologia das Constituições (principais classificações). Os teóricos do Direito Constitucional costumam estabelecer uma tipologia das Constituições, classificando-as de diversas formas. Veremos, a título de exemplo, apenas as principais classificações.

Quanto à Origem. Quanto à origem, ou o modo pelo qual a Constituição é criada, ela pode ser:
Promulgada (ou democrática): quando é discutida, votada e aprovada por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte
Outorgada (ou autocrática): quando é imposta por um governo autoritário, sendo também chamada de Carta Constitucional
Cesarista (ou bonapartista): é a Constituição elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. Tem só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la (técnica atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez).

Quanto à Forma. Tradicionalmente, “constituição” era o modo pelo qual um Estado era organizado, sendo mais comum que essa organização derivasse de costumes políticos e declarações solenes do que de leis. Com exceção da Inglaterra, a partir do Constitucionalismo prevaleceu a idéia de que a Constituição deveria constar de uma lei escrita e solene. Daí deriva a classificação das Constituições quanto à forma:

Escrita: reduzida a um documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.

Não-escrita (costumeira, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, leis escritas e jurisprudência. Ex.: Inglaterra, Nova Zelândia e Israel.

Quanto à Mutabilidade. O Constitucionalismo logo percebeu que a imutabilidade levaria a crises institucionais, pois há a necessidade de atualização do conteúdo da Constituição conforme a alteração das circunstâncias políticas e sociais do Estado, sem que seja preciso substituí-la. Segundo a possibilidade de alteração, as Constituições são assim classificadas:

Imutável: não admite alteração.

Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis. Ex.: Estatuto Albertino da Itália (1848) e Inglaterra.

Rígida: É o tipo predominante atualmente, entendendo que a Constituição, por ser hierarquicamente superior, só pode ser alterada por um processo mais complicado do que o utilizado para as leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que as maiorias simples e absoluta, além de outras limitações. Há, porém, cláusulas imutáveis, que são as cláusulas pétreas. Ex.: EUA e Brasil.

Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional.

Quanto ao conteúdo. Nas Constituições não-escritas, só faz parte da Constituição o que for matéria constitucional. Nas Constituições escritas, porém, é comum constar, além da matéria constitucional, outras matérias que não têm essa natureza, mas que, por estarem na constituição, são formalmente constitucionais. Pode também acontecer de matéria constitucional estar fora da Constituição escrita, como é o caso de leis eleitorais.

O conteúdo das Constituições pode ser assim classificado:

Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais

Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)


Quanto à Extensão. Quanto à extensão, a Constituição pode ser:

Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA
Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal.

Outras classificações. Há ainda outras classificações, podendo ser destacadas as seguintes:

Constituição-garantia (liberal, clássica)
Constituição-balanço (típica do socialismo, devendo refletir o estágio de evolução da sociedade)
Constituição Dirigente (categoria identificada pelo célebre autor português Canotilho, estabelece programas e metas a serem cumpridos pelo Estado. Ex.: Portugal)

Bibliografia:

Leituras indicadas: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Primeira Parte, Título I, Cap. II. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 2º. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, Cap. I.