segunda-feira, 17 de maio de 2010

Resumo 16 – Estado Constitucional (conceito e espécies de Constituição)

III – Estado e Direito

1.O Estado Constitucional
(continuação – conceito e espécies de Constituição)

“Em termos práticos, pode-se afirmar que nenhum profissional da área jurídica, seja ele advogado, juiz, membro do Ministério Público, delegado de polícia ou qualquer outro, nenhum deles estará capacitado para bem desempenhar suas funções se desconhecer a Constituição e os conceitos básicos do Direito Constitucional.” (Dalmo Dallari)



Introdução. A partir das contribuições do Constitucionalismo em suas vertentes liberal-burguesa, social e humanista, podemos chegar a um conceito atual de Constituição. Antes, porém, é interessante analisar a definição de Constituição segundo os pontos de vista sociológico, político e jurídico, para em seguida chegar a um conceito sintético de Constituição.

Sentido sociológico. Sob o ponto de vista sociológico, ou seja, dando ênfase à realidade fática, Ferdinand Lassalle, em célebre conferência proferida em 1863 e depois publicada com o título de A essência da Constituição, afirmou que a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”.

Sentido político. O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) vê a Constituição como expressão da “decisão política fundamental”. A Constituição não deriva do direito, e sim de uma decisão de natureza política sobre como deve ser organizado e funcionar o Estado. E tal decisão deve ser tomada por um líder (führer) que encarne a vontade popular. Schmitt desprezava a democracia liberal e tornou-se um autor maldito por apoiar o nazismo. Para ele, a política é regida pela relação “amigo-inimigo” e “o valor maior tem o direito de aniquilar o valor menor”. Em 1932, travou uma polêmica com Kelsen sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Para ele, deveria ser o führer, enquanto para Kelsen, deveria ser o Poder Judiciário. Na época, prevaleceu a teoria de Schmitt, tendo como resultado, com a ascensão de Hitler ao poder, a possibilidade deste de impor leis de exceção sem precisar alterar a Constituição de Weimar. No pós-guerra, porém, prevaleceu a doutrina de Kelsen. Curiosamente, Schmitt hoje é admirado por parte do pensamento de esquerda.


Sentido jurídico. Para Kelsen, a Constituição deve ser descrita sob o ponto de vista estritamente jurídico, sendo o “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”. São, portanto, as normas que estabelecem a forma de Estado, a forma e o sistema de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os órgãos que vão exercer o poder e os limites da atuação deste.

Concepção estrutural de Constituição. Segundo José Afonso da Silva, deve-se buscar uma “concepção estrutural de Constituição, que a considera, em seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico”.

Ainda segundo José Afonso da Silva “certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição”. A Constituição, portanto, é fato, valor e norma, conforme a teoria de Miguel Reale.

Concluindo, José Afonso da Silva afirma que “a Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade”.


Definição sintética. Diante do que foi visto, podemos definir sinteticamente a Constituição como “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.

Tipologia das Constituições (principais classificações). Os teóricos do Direito Constitucional costumam estabelecer uma tipologia das Constituições, classificando-as de diversas formas. Veremos, a título de exemplo, apenas as principais classificações.

Quanto à Origem. Quanto à origem, ou o modo pelo qual a Constituição é criada, ela pode ser:
Promulgada (ou democrática): quando é discutida, votada e aprovada por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte
Outorgada (ou autocrática): quando é imposta por um governo autoritário, sendo também chamada de Carta Constitucional
Cesarista (ou bonapartista): é a Constituição elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. Tem só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la (técnica atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez).

Quanto à Forma. Tradicionalmente, “constituição” era o modo pelo qual um Estado era organizado, sendo mais comum que essa organização derivasse de costumes políticos e declarações solenes do que de leis. Com exceção da Inglaterra, a partir do Constitucionalismo prevaleceu a idéia de que a Constituição deveria constar de uma lei escrita e solene. Daí deriva a classificação das Constituições quanto à forma:

Escrita: reduzida a um documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.

Não-escrita (costumeira, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, leis escritas e jurisprudência. Ex.: Inglaterra, Nova Zelândia e Israel.

Quanto à Mutabilidade. O Constitucionalismo logo percebeu que a imutabilidade levaria a crises institucionais, pois há a necessidade de atualização do conteúdo da Constituição conforme a alteração das circunstâncias políticas e sociais do Estado, sem que seja preciso substituí-la. Segundo a possibilidade de alteração, as Constituições são assim classificadas:

Imutável: não admite alteração.

Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis. Ex.: Estatuto Albertino da Itália (1848) e Inglaterra.

Rígida: É o tipo predominante atualmente, entendendo que a Constituição, por ser hierarquicamente superior, só pode ser alterada por um processo mais complicado do que o utilizado para as leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que as maiorias simples e absoluta, além de outras limitações. Há, porém, cláusulas imutáveis, que são as cláusulas pétreas. Ex.: EUA e Brasil.

Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional.

Quanto ao conteúdo. Nas Constituições não-escritas, só faz parte da Constituição o que for matéria constitucional. Nas Constituições escritas, porém, é comum constar, além da matéria constitucional, outras matérias que não têm essa natureza, mas que, por estarem na constituição, são formalmente constitucionais. Pode também acontecer de matéria constitucional estar fora da Constituição escrita, como é o caso de leis eleitorais.

O conteúdo das Constituições pode ser assim classificado:

Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais

Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)


Quanto à Extensão. Quanto à extensão, a Constituição pode ser:

Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA
Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal.

Outras classificações. Há ainda outras classificações, podendo ser destacadas as seguintes:

Constituição-garantia (liberal, clássica)
Constituição-balanço (típica do socialismo, devendo refletir o estágio de evolução da sociedade)
Constituição Dirigente (categoria identificada pelo célebre autor português Canotilho, estabelece programas e metas a serem cumpridos pelo Estado. Ex.: Portugal)

Bibliografia:

Leituras indicadas: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, Primeira Parte, Título I, Cap. II. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 2º. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, Cap. I.

Nenhum comentário: