segunda-feira, 3 de maio de 2010

Resumo 15 – Estado Constitucional (Constitucionalismo)

III – Estado e Direito

1. O Estado Constitucional
(primeira parte – Constitucionalismo)


“Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição” (Art. XVI da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789).

Introdução. Segundo Miguel Reale, o Estado é ao mesmo tempo uma realidade social (fatos), política (valores) e jurídica (normas). Num Estado Democrático de Direito, é a ordem jurídica que organiza o Estado, determina sua finalidade e limita o seu poder. A lei que organiza o Estado, determina a sua finalidade e limita o poder é a Constituição.

Constituição. Na linguagem comum, constituição é a forma ou composição de um objeto, ou ato de constituir (formar) algo. Todas as coisas têm uma constituição: uma mesa, uma pessoa e também o Estado. Nesse sentido, Constituição é o particular modo de ser de um Estado. Segundo essa perspectiva, Aristóteles estudou mais de 100 constituições de Estados antigos.

Conceito polêmico de Constituição. Na atualidade, interessa o que Manoel Gonçalves Ferreira Filho chama de conceito polêmico de Constituição, surgido com o Constitucionalismo, que não se satisfaz com um conceito formal de Constituição, pretendendo qualificar criticamente o objeto da definição. Segundo essa concepção, Constituição não é qualquer lei, mas sim a lei suprema que tenha certas características bem definidas.

Constitucionalismo. O Constitucionalismo foi um movimento surgido com o Estado Moderno, buscando dotar os Estados de uma lei superior, de preferência escrita, que, além de organizar o Estado, limitasse o poder e garantisse os direitos individuais. Foi uma reação ao arbítrio do Absolutismo e teve influência do iluminismo (humanismo, individualismo, racionalismo) e do contratualismo.

Constitucionalismo liberal-burguês. Produto das teorias jusnaturalistas (Locke, Montesquieu, Rousseau etc.) e das revoluções burguesas, pelas quais a burguesia buscava ascensão política, limitação do poder e garantia dos direitos individuais (propriedade privada e liberdade religiosa, de associação etc.). As principais manifestações dessa fase ocorreram na Inglaterra, nos EUA e na França.

Constitucionalismo Inglês. A Inglaterra teve formação precoce como Estado Moderno, devido à centralização decorrente da dominação pelos reis normandos no século XI. Em 1215, barões e prelados se revoltaram e obrigaram o rei João Sem Terra a assinar a Magna Carta, aceitando algumas limitações em seu poder, como a necessidade de autorização para a criação de impostos, o habeas corpus e o julgamento dos crimes por seus pares e segundo a lei (Júri e devido processo legal). Em 1265 foi criado o Parlamento, com representantes da nobreza, do clero e alguns burgueses, para exercer o Poder Legislativo. Em 1332 o Parlamento cindiu-se em duas Casas: a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Na luta constante entre o rei e o Parlamento, seguiram-se a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e finalmente a Revolução Gloriosa e o Bill of Rigths (1689), que reforçaram a limitação do poder real e a garantia dos direitos individuais. A partir do século XVIII, a Câmara dos Comuns, composta por representantes eleitos pelo povo, passa a prevalecer e desenvolve-se o Parlamentarismo, sistema em que a chefia de governo cabe a um representante da corrente política majoritária segundo a votação popular, cabendo ao rei apenas chefia de Estado. Todos esses documentos e costumes políticos formam a Constituição Inglesa, que tem a peculiaridade de não ser condensada num único documento legal escrito.

Constitucionalismo Norte-americano. As colônias inglesas da América do Norte foram formadas por pessoas sem título de nobreza e que buscavam a liberdade religiosa e de comércio. Em 1620, no navio que trouxe os primeiros colonos, foi assinado o Mayflower Compact, uma espécie de contrato social fixando as normas de convivência na colônia. Contra a opressão praticada pela Inglaterra e sob a influência das idéias de Locke, as colônias declararam a independência em 1776 e redigiram a Declaração de Independência, proclamando que a finalidade do governo é a garantia dos direitos naturais (vida, liberdade, propriedade e busca da felicidade). Em 1787 as 13 ex-colônias se uniram num Estado de tipo federal e redigiram uma Constituição, incorporando os princípios de declaração e organizando o Estado seguindo a teoria de Montesquieu da tripartição do poder. Em 1791, foi promulgado o Bill of Rights, consistente nas 10 primeiras emendas à Constituição, explicitando os direitos individuais a serem garantidos pelo governo. Em 1803, no julgamento do caso Marbury x Madison, a Suprema Corte afirmou a supremacia da Constituição e estabeleceu o controle de constitucionalidade, determinando que o governo está submetido à Constituição e nenhuma lei pode contrariá-la. A Constituição de 1787, com 27 emendas, vigora até hoje nos EUA, sendo constantemente reinterpretada pela Suprema Corte.

Constitucionalismo Francês. Na França, o absolutismo sobreviveu até o final do século XVIII, quando foi derrubado pela Revolução de 1789. Em meio a uma crise social e econômica, o rei Luís XVI convocou os “Estados Gerais”, com representantes das três classes em que estava rigidamente dividida a sociedade francesa (clero, nobreza e povo). Liderado pela burguesia e representando a grande maioria da população, o “terceiro estado” predominou sobre os outros e declarou-se “Assembléia Nacional Constituinte”, passando a redigir uma Constituição para a França. Seguem a teoria do Abade de Sieyès, segundo a qual o Poder Constituinte Originário (poder de elaborar a Constituição, superior aos poderes constituídos) pertence à nação e é exercido por seus representantes. Em 1789 editam a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 16 resume o credo do Constitucionalismo. Em 1791 é promulgada uma Constituição tendo a Declaração de Direitos como preâmbulo, estabelecendo a tripartição do poder e implantando a monarquia constitucional. Com a predominância dos jacobinos há a radicalização do movimento, é implantado o terror, o rei é guilhotinado e é editada a Constituição republicana de 1793. Com a reação termidoriana dos girondinos, é promulgada a Constituição conservadora de 1795. Seguem-se outras Constituições e, já no século XIX, o Império Napoleônico. Por influência da França, o Constitucionalismo é espalhado pela Europa e pela América Latina. A Constituição passa a ser vista como um documento de cunho político, uma declaração de princípios sem eficácia jurídica. O Código Civil francês de 1804 (“Código Napoleão”) é visto como a lei eficaz para a garantia dos direitos individuais.

Constitucionalismo Social. Com a revolução industrial, surge no século XIX o proletariado, massa de trabalhadores urbanos pobres e que enfrentam péssimas condições de trabalho. Predomina o pensamento liberal segundo o qual a desigualdades sociais são decorrências naturais de relações livres, nas quais o Estado não deve interferir. Os trabalhadores se unem em sindicatos para reivindicar melhores condições de trabalho, mas são duramente reprimidos. Marx e Engels criticam a concepção burguesa de direitos individuais, que se preocupa apenas com a liberdade e não garante a igualdade social, permitindo a exploração dos trabalhadores pelos detentores do capital. Pregam a revolução para acelerar o processo de extinção do capitalismo. Segundo eles, numa primeira fase seria necessária a ditadura do proletariado para possibilitar a extinção da propriedade privada e a expropriação dos meios de produção pelo Estado (socialismo). Em seguida, o Estado seria extinto e não haveria mais classes sociais nem exploração (comunismo). Em 1891, a Igreja Católica lança a sua doutrina social, exposta na encíclica Rerum Novarum, pregando a solidariedade social ao invés da luta de classes, a garantia de condições de vida digna a todos os seres humanos e a função social da propriedade. A propriedade não deve ser extinta, mas deve servir para um fim socialmente útil. Em oposição à ideologia liberal, a intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas passa a ser vista como necessária para garantir uma maior igualdade entre as pessoas. As Constituições do início do século XX passam a incorporar os direitos sociais e a ordem econômica, assuntos que até então não eram vistos como matéria constitucional. Na Rússia, a Revolução bolchevique de 1917, liderada por Lênin, implanta o socialismo, com a ditadura do partido comunista, apresentado como a vanguarda do proletariado. As Constituições da URSS de 1919 e 1933implantaram direitos sociais, mas, na prática, suprimiram a liberdade. Milhões de soviéticos são assassinados ou mandados para campos de concentração (Gulag) por serem vistas como inimigos do regime. Diz Lênin: “Temos gasto muito tempo em discussões e tenho que dizer que agora é muitíssimo melhor ‘discutir com fuzis’ que com teses de oposição. Não necessitamos de oposições, camaradas! Não é o momento disso. Deste lado ou do outro – com um fuzil, não com oposição.” Na Alemanha, em 1919, a República de Weimar edita uma Constituição social-democrata, procurando compatibilizar a democracia, os direitos sociais e o capitalismo. Por influência de Kelsen, a Constituição passa a ser vista como norma suprema, mas a supremacia é apenas formal, porque sua efetividade prática é reduzida pela teoria predominante, que vê a maioria das normas constitucionais como programáticas, sem aplicabilidade imediata, dependendo de regulamentação pelas leis.

Neoconstitucionalismo. Após as atrocidades da II Guerra Mundial, é editada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), determinando que os Estados devem garantir a todos os seres humanos os direitos políticos, civis e sociais, compatibilizando liberdade e igualdade. Itália (1947), Alemanha (1949) Portugal (1976), Espanha (1978), Brasil (1988) etc. editam novas Constituições segundo esses parâmetros. Surge uma nova teoria constitucional, sustentando a força normativa da Constituição e a sua aplicabilidade imediata, vinculando os legisladores e aplicadores da lei. É o neoconstitucionalismo ou ou Constitucionalismo Humanista, segundo Dalmo Dallari. Essa nova postura vem encontrando respaldo no Brasil, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Bibliografia

Leitura essencial: Dalmo Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Cap. IV, itens 104 a 114.

Leituras complementares: Dalmo Dallari, A Constituição na vida dos povos. Fábio Konder Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Cap. 1º.

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