segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Resumo 18 - Regimes de Governo

IV – Estado e Governo

1. Regimes de Governo: Democracia e Autocracia


Introdução. A partir deste capítulo estudaremos os regimes (democracia e autocracia), as formas (república e monarquia) e os sistemas (parlamentarismo e presidencialismo) de governo, que, basicamente, caracterizam o modo de acesso, distribuição e exercício poder num Estado.

Teorias clássicas sobre os tipos de governo. Ao longo da história, muitos filósofos e teóricos da política elaboraram classificações dos tipos de governo. Destacaremos a seguir as classificações mais importantes.

Platão (428-347 a.C.). Na República, Platão descreveu dois tipos ideais de governo (monarquia e aristocracia, governo de um ou de poucos, treinados conforme os conselhos do filósofo) e quatro tipos reais, todos corrompidos, cada um baseado num princípio e que se sucedem em ordem decrescente: timocracia (honra), oligarquia (riqueza), democracia (liberdade excessiva, licenciosidade) e tirania (violência).

Aristóteles (384-322 a.C.). Baseado na observação dos Estados de sua época, Aristóteles classificou os governos segundo o número de governantes e o modo de exercício do poder. Para ele, as formas boas de governo são as exercidas em benefício do bem comum, e as formas más ou degeneradas são as exercidas para favorecer apenas aqueles que governam.
a) governo de um:
Monarquia (forma boa): apenas um exerce o poder, mas em favor do bem comum
Tirania (forma má): poder exercido por um tirano em seu próprio interesse
b) governo de poucos:
Aristocracia (forma boa): governo dos virtuosos (aristói, aqueles que têm aretê ou virtude)
Oligarquia (forma má): voltada para o bem dos poucos (olígos) que governam
c) governo de muitos:
Politeia (forma boa, que significa “constituição”): governo de muitos, exercido no sentido do bem comum
Democracia (forma degenerada): governo de muitos dominado pelos demagogos e exercido no interesse dos pobres contra os ricos

Importante observar que tanto para Platão como para Aristóteles a democracia era uma forma degenerada de governo, porque eles se baseavam no que ocorria em Atenas na sua época. Esse sentido mudou com o tempo e a democracia passou a ser considerada o melhor regime de governo, qualificando-se como demagogia ou oclocracia a degeneração da democracia.

Cícero (106-46 a.C.). Filósofo, senador e advogado romano, Marco Túlio Cícero utilizou a classificação de Aristóteles, porém pregava um governo misto, como era a República romana, na qual se combinavam a monarquia (Consulado), a aristocracia (Senado) e a democracia (Assembléia Popular), equilibrando e moderando o poder.

Políbio (203-120 a.C.) e Maquiavel (1469-1527). Políbio e Maquiavel adotaram a teoria dos ciclos, segundo a qual os governos sempre passam pelos seguintes ciclos: monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia (governo desorganizado da multidão). Eles divergem sobre o que ocorre partir da oclocracia. Para Políbio, retorna-se à monarquia, reiniciando-se o ciclo, já para Maquiavel o Estado se dissolve e é dominando por outro.

Montesquieu (1869-1755). Em O espírito das leis, Montesquieu identificou três formas de governo, cada uma com sua natureza (modo de ser) e seu princípio (o que a faz funcionar), sendo cada uma delas adequada às características de um país.
a) República. Natureza: governo popular, podendo ser o governo de muitos (democracia) ou o governo de poucos (aristocracia). Princípio: virtude política ou patriotismo. Própria de Estados pequenos.
b) Monarquia. Natureza: governo de um só, mas com leis fixas e estabelecidas. Princípio: honra. Própria de Estados médios.
c) Despotismo. Natureza: governo de um só, segundo a vontade do déspota. Princípio: medo. Próprio de Estados grandes.

Classificação atual. Há muita confusão entre os autores quando se fala de regimes, formas e sistemas de governo. Utilizaremos neste curso a seguinte classificação, que é mais atual e está de acordo com a Constituição brasileira:
regimes de governo: democracia e autocracia formas de governo: monarquia e república sistemas de governo: parlamentarismo e presidencialismo


Regimes de Governo. O poder soberano do Estado é exercido através do governo, abrangendo este os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo a nossa classificação, os regimes de governo são democracia e autocracia, conforme o governo seja mais ou menos autoritário, haja mais ou menos liberdade e participação popular etc.


1.1. Democracia

“A democracia está em toda parte, a democracia não existe em parte alguma” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho)

Introdução. A Democracia (do grego demos: povo, kratos: poder) teve origem na Grécia antiga e foi definida por Abraham Lincoln como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Ou seja, a Democracia é o regime em que o poder pertence ao povo, é exercido pelo povo e em benefício do povo.

“Nós aqui presentes solenemente afirmamos que esses homens não morreram em vão, que esta nação, com a graça de Deus, verá o nascimento de uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra” (Lincoln, Discurso de Gettysburg, 1863).

Democracia Antiga. Democracia era o regime de governo das cidades-Estado gregas, especialmente Atenas, por volta de V e IV a. C. Possuía as seguintes características básicas:
• exercício direto do poder pelo povo (decisões políticas tomadas em assembléias na praça pública)
• alto grau de participação dos cidadãos
• conceito restrito de cidadania (exclusão de jovens, mulheres, escravos e às vezes dos pobres)
• liberdade política com limitação da liberdade individual
isagoria (direito à palavra nas assembléias), isonomia (igualdade perante a lei) e isotimia (igualdade no acesso aos cargos públicos)
• cargos públicos preenchidos preferencialmente por sorteio e exercidos por tempo limitado

Discurso de Péricles

Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a cidade outorga honraria o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios.

O governo favorece a maioria em vez de poucos – por isso é chamado de democracia. Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças; quanto à condição social, o avanço na vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição.

Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento sem afetação. Empregamos a riqueza mais para o uso do que para a exibição e situamos a desgraça real da pobreza não no reconhecimento do fato, mas na recusa de combatê-la.

Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil.

Em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia. Em resumo, afirmo que, como cidade, somos a escola de toda a Grécia...
(Discurso em homenagem aos atenienses mortos na guerra do Peloponeso, 430 a. C.)

Democracia Moderna. Desaparecida na Grécia, a democracia só ressurgiu no Estado Moderno, a partir das revoluções burguesas e do constitucionalismo, como parte da luta contra o absolutismo e pela afirmação dos direitos naturais. A democracia moderna, porém, se diferencia da antiga pela extensão da cidadania (busca do sufrágio universal) e pela limitação da participação direta (democracia representativa).

Rousseau. A maior contribuição teórica para a democracia moderna foi dada por Rousseau, que em sua obra O contrato social (1762) afirmou que a soberania pertence ao povo e a lei deve ser expressão da vontade geral. Para Rousseau, todos os seres humanos são livres e iguais por natureza, e, para que continuem assim ao passar a viver em sociedade, é necessário formular um contrato social pelo qual ninguém esteja submetido a outrem, mas sim todos subordinados a todos. Com isso, todos seriam ao mesmo tempo sujeitos (soberanos) e objetos (súditos) do poder, permanecendo assim tão livres e iguais como no estado natural. Na democracia que idealizou, Rousseau não aceitava que a vontade dos cidadãos fosse representada, nem que houvesse corpos intermediários (associações) ou sociedades parciais (partidos políticos) entre o governo e o povo.

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com a toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. É esse o problema fundamental ao qual o Contrato Social dá a solução” (Rousseau)


“A Democracia na América”. Este é o título de um livro clássico do filósofo francês Alexis de Tocqueville, que, em vista aos EUA em 1831, ficou impressionado com o funcionamento da democracia norte-americana, caracterizada pela intensa participação dos cidadãos, pela igualdade de oportunidades e pela prevalência da soberania popular mediante eleições livres. Para ele, a democracia política, social e econômica ali vigente era o futuro da humanidade. Ficou famosa sua observação de que os males da democracia devem ser resolvidos com mais democracia e não com restrições às instituições democráticas.

Século XIX. No século XIX prevaleceu a democracia liberal, caracterizada pela garantia das liberdades públicas e da igualdade formal (perante a lei). A participação popular era limitada à eleição de representantes e o sufrágio (direito de votar e ser votado) era restrito em razão da renda (voto censitário), da escolaridade (a maioria da população era analfabeta) e do sexo (proibição do sufrágio feminino). Somente aos poucos e apenas em alguns países, como Inglaterra, EUA e França, é que essa democracia foi se transformando em democracia de massas, com a extensão do sufrágio à maior parte da população.

Século XX. O início do século XX foi marcado pelo desprestígio da democracia liberal, que sofria ataques tanto dos socialistas como dos fascistas. Os socialistas criticavam a democracia formal, que não garantia a participação popular e a igualdade real. Os fascistas criticavam a fraqueza dos governos democráticos para tomar decisões essenciais ao Estado e dar força à nação. Ambos pregavam as virtudes da ditadura, seja do proletariado, seja do líder carismático (duce ou führer).

Pós-guerra. A democracia só recuperou seu prestígio após o fim da II Guerra Mundial, mas agora com exigência de ampla participação popular e garantia dos direitos civis, políticos e sociais. Atualmente, nenhum Estado, mesmo os totalitários como Coréia do Norte e Cuba, admite ser antidemocrático. O problema, portanto, é como identificar uma democracia, ou, antes, saber se a democracia existe de fato ou não.

A democracia existe? Para Rousseau, não existe e talvez nunca existirá uma democracia perfeita, a não ser para “um povo de deuses”. De fato, parece impossível, exceto num Estado ideal, que todas as leis sejam expressões da vontade geral e que o governo aja sempre de acordo com essa vontade. O que existe são Estados onde isso ocorre com mais ou com menos intensidade, ou seja, existem Estados mais e menos democráticos, além, é claro, de Estados não democráticos, que são as autocracias. O que se deve buscar, portanto, como escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é a democracia possível.

Poliarquia. Atento ao fato de que não existe uma democracia perfeita, o cientista político norte-americano Robert A. Dahl, em obra publicada em 1972, propôs que, em lugar de democracia, fosse utilizada a qualificação de poliarquia para os Estados onde houvesse, ao mesmo tempo, um grau razoável de participação popular e de competição pelo poder (oposição). Para que haja uma poliarquia não basta a ocorrência isolada de um dos fatores, ou seja, não basta haver alto grau de participação popular sem possibilidade de oposição (como em Cuba, na Síria e no Irã), como também não basta haver competição pelo poder (oposição) se o povo não pode participar da vida política (ex.: a República Velha no Brasil). Embora a obra de Dahl seja muito influente, o termo poliarquia não substituiu a tradicional democracia, sendo usado apenas por estudiosos da Ciência Política.

A democracia segundo Dallari. Segundo Dallari, para que um Estado seja considerado democrático, ele deve preencher os seguintes requisitos:
supremacia da vontade popular: eleições livres e periódicas; sufrágio universal; outras formas de participação popular, como plebiscito, referendo, iniciativa popular e orçamento participativo; prestação de contas, transparência etc.
preservação da liberdade: limitação do poder; liberdade de imprensa, de expressão, de associação e outras liberdades públicas; oposição; respeito às minorias etc.
igualdade de direitos: garantia de acesso livre e igualitário aos direitos políticos, civis e sociais.

Democracia como técnica e como valor. Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004), a democracia é ao mesmo tempo técnica e valor. Como técnica, ou seja, sob o ponto de vista formal, ela é definida como “regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Bobbio ensina que “apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar”. Sob esse ponto de vista, a vontade da maioria deve prevalecer, porém com respeito às regras do jogo democrático, ou seja, não se pode usar a democracia para destruir a democracia. Ainda segundo Bobbio, a democracia é também um valor, isto é, um conjunto de fins (e não apenas de meios), dentre os quais sobressaem a liberdade e a igualdade jurídica, social e econômica.

Democracia como ethos. Na mesma linha de ver a democracia como um valor e não apenas como uma técnica de escolha de governantes, o cientista político brasileiro Renato Janine Ribeiro escreve que a democracia deve orientar nossas condutas morais, afetivas, sociais e comportamentais (ethos).

“Democracia não é só a escolha por votos, mas é o casal ter um diálogo bom e respeitoso, o patrão ouvir os empregados e aceitar suas sugestões, o professor ou o pai escutar o aluno ou o filho e não ter vergonha de pedir desculpas. Democracia, aqui, significa um concentrado de atitudes, em que se incluem a conversa limpa, honesta e sincera, a renúncia a ser o dono da verdade e, finalmente, as boas maneiras. Ser educado pode ser um traço essencial da democracia, porque é um modo de dizer que o outro vale tanto quanto nós” (Renato Janine Ribeiro).


Para pensar sobre a democracia

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos" (Churchill)

“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a ferida que corrói a carne por fora e o tumor invisível que corrói por dentro. As feridas democráticas curam-se pelo sol da publicidade, com o cautério da opinião pública livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves” (Clemenceau)

“Nenhuma guerra explodiu até agora entre Estados dirigidos por regimes democráticos. O que não quer dizer que os Estados democráticos não tenham feito guerras, mas apenas que jamais fizeram entre si” (Norberto Bobbio)


1.2. Autocracia

“Quando me perguntam se uma nação está madura para ser livre, respondo: existe um homem maduro para ser déspota?” (Lord John Russel).

“O despotismo se apresenta freqüentemente como o reparador de todos os males sofridos; é o apoio da razão, o sustentáculo dos oprimidos e o instaurador da ordem. Os povos adormecem no seio da prosperidade momentânea que ele propicia; e, quando despertam, estão na miséria. A liberdade, ao contrário, comumente nasce no meio das tempestades, estabelece-se penosamente entre as discórdias civis e não é senão quando já está velha que se pode conhecer seus benefícios” (A. Tocqueville).



Introdução. Autocracia é a denominação mais atual para o regime político que se contrapõe à democracia. Também se fala em ditadura, tirania, despotismo, absolutismo e totalitarismo, porém cada um desses conceitos tem características próprias e são todos abrangidos pelo termo mais genérico autocracia. Autocracia significa governar por si próprio (auto + kratos ), servindo para designar todos os regimes de tipo autoritário. Segundo o autor alemão Karl Loewenstein, a autocracia se caracteriza pela existência, num Estado, de uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas como “único detentor do poder, cuja competência abarca a função de tomar a decisão política fundamental, assim como sua execução, e que ademais está livre de qualquer controle eficaz”.

Histórico. Loewenstein observa que durante a maior parte da história os povos viveram sob autocracias, como, por exemplo, os antigos impérios teocráticos, o império romano e as monarquias absolutistas do Estado Moderno. Ainda no século XX, pelo menos até o fim da Guerra Fria, predominaram as autocracias, tanto de esquerda como de direita.

Despotismo, tirania e ditadura. Como já observado, esses são sinônimos imperfeitos de autocracia.

Despotismo qualifica um governo em que a relação entre governante e governados é igual à de senhor (despotes, em grego) e escravo. Tradicionalmente é utilizado em referência aos antigos impérios orientais. Geralmente se considera que os antigos déspotas governavam a título legítimo, pois esse tipo de dominação era aceito pelos povos dominados. Foi também utilizado pejorativamente em relação aos monarcas absolutistas do Estado Moderno, alguns deles sendo chamados de “déspotas esclarecidos” quando aceitavam influência do Iluminismo.
Tirania é o termo tradicional para qualificar o governo exercido por um líder ilegítimo e opressor.
Ditadura era o mecanismo da República romana utilizado em episódios de conturbação social ou perigo externo, quando os direitos dos cidadãos eram suspensos e um líder era escolhido para tomar as decisões necessárias para debelar a crise. Seu mandato era temporário e ele deveria responder pelos abusos que praticasse. Essa foi a origem de mecanismos constitucionais atuais para o enfrentamento de crises, como os estados de sítio, de emergência e de calamidade pública. Em 48 a.C., Julio César, aproveitando-se da guerra civil e de seu poder militar, se fez ditador de Roma, porém sem prazo determinado, sendo assassinado em 44 a.C por senadores que defendiam a república e queriam impedi-lo de restaurar a monarquia em Roma. A partir daí, ditadura passou a designar um governo forte, com poder concentrado e apto a tomar medidas excepcionais, como foi o Comitê de Salvação Pública instalado pelos jacobinos durante fase do terror da Revolução Francesa (1793). No século XX, tornaram-se comuns as ditaduras militares, sob o pretexto de evitar revoluções socialistas.

Autoritarismo. Como visto, autocracia abrange todos os regimes caracterizados pelo autoritarismo. Segundo Loewenstein o autoritarismo moderno se caracteriza pelo monopólio do poder por uma pessoa ou grupo de pessoas, excluindo a participação dos destinatários do poder na formação da vontade estatal. Há um predomínio do Poder Executivo sobre os demais Poderes, que funcionam sob uma aparência de normalidade. Esse tipo de regime normalmente não procura impor sua ideologia ao povo, contentando-se com o controle político. Não é incompatível com o Estado de Direito, possuindo, em regra, uma Constituição, porém os direitos individuais não são adequadamente garantidos. Exemplos desse tipo de regime são as ditaduras militares latino-americanas da década de 1970 e o chamado “neopresidencialismo”. Entre os regimes autoritários, há os totalitários, que além do autoritarismo possuem outras características específicas.

Totalitarismo. Termo criado por Mussolini, também autor da frase “tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Segundo Loewenstein, além do controle político, o totalitarismo pretende abranger toda a ordem socioeconômica e moral do Estado, modelando a vida privada, a consciência e os costumes do povo segundo uma ideologia oficial imposta a todos. São instrumentos desse tipo de regime a polícia política, o partido único, o monopólio dos meios de comunicação de massa, a propaganda, o culto à personalidade de um líder carismático e o terror contra os adversários. Foi muito bem retratado no romance 1984, de George Orwell.

Formas de Totalitarismo. Numa época em que o socialismo ainda tinha muito prestígio entre os intelectuais, Hannah Arendt, em sua obra Origens do Totalitarismo (1950), abrangeu no conceito de totalitarismo tanto o nazi-fascismo como o socialismo praticado na URSS, sendo muito criticada por isso. Atualmente, é praticamente consensual que esses regimes de fato eram totalitários. Um tipo novo de totalitarismo identificado por alguns autores é o praticado em teocracias islâmicas, como o Irã.

Fascismo. O nome fascismo vem do italiano fascio (feixe), lembrando o termo latino fasces, feixe de varas com um machado no meio, que simbolizava a autoridade dos magistrados e a unidade do povo na Roma antiga. O movimento foi criado na Itália por Mussolini no início do século XX e se espalhou por diversos países, inclusive o Brasil (Integralismo). É xenófobo e procura integrar a nação num todo orgânico, anulando as individualidades. Segundo Bobbio, trata-se de um sistema autoritário de dominação com as seguintes características:
a) monopólio do poder por um partido único de massa, hierarquicamente organizado;
b) ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição ao socialismo, num sistema de tipo corporativo;
c) objetivos de expansão imperialista;
d) mobilização das massas e seu enquadramento em corporações (sindicatos etc.) associadas ao regime;
e) aniquilamento das oposições mediante o uso da violência e do terror;
f) aparelho de propaganda baseado no controle dos meios de comunicação de massa;
g) crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado;
h) tentativa de integrar nas estruturas de controle do Estado a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

Nazismo. Abreviação de “nacional-socialismo”, ideologia do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), liderado por Adolf Hitler a partir de 1921 e que chegou ao poder na Alemanha em 1933. Incorporou e exacerbou as características do fascismo italiano. Era socialista no sentido de que pretendia massificar as políticas sociais do Estado, porém em benefício apenas da própria nação, abominando o internacionalismo marxista. Também desprezava o igualitarismo socialista, pregando o chamado “darwinismo social”. O componente nacionalista foi exacerbado pelo ideal de supremacia ariana e pelo ódio racial, dirigido especialmente contra os judeus, assassinados aos milhões.


"Aprendi muito com o marxismo. Não com essas doutrinações sociais, essas asneiras absurdas – mas, sim, com seus métodos" (Adolf Hitler, "in" Joachim Fest, "Hitler", vol. I, ed. Nova Fronteira).

Socialismo. O socialismo implantado em diversos países a partir da Revolução Russa de 1917 baseava-se nas teorias de Marx e Lênin. Segundo Marx, as contradições do sistema capitalista causariam fatalmente a sua destruição, porém, para acelerar o processo, era necessário que a classe trabalhadora (proletariado) tomasse o poder pela revolução. A partir daí, o Estado, comandado pela “ditadura do proletariado”, tomaria o controle da propriedade privada e dos meios de produção e acabaria com a divisão da sociedade em classes. Vendo suas teorias sociais e políticas como “verdades científicas”, os seguidores de Marx não toleravam opiniões contrárias. Para Lênin, a ditadura seria comandada pelo partido (“vanguarda do proletariado”) e os opositores deveriam ser simplesmente exterminados. Esse primeiro momento seria o socialismo. Num segundo momento, a propriedade privada seria extinta e o próprio Estado, tornando-se desnecessário, desaparecia, implantando-se o comunismo. O estágio do comunismo nunca chegou a ser atingido, implantando-se, na realidade, Estados de tipo totalitário, comandados por uma minoria que não queria abdicar do poder. Assim, tanto na URSS como em seus satélites da chamada “Cortina de Ferro” (Alemanha Oriental, Albânia etc.) e ainda hoje na China, na Coreia do Norte e em Cuba, houve a implantação de regimes autoritários de partido único, com culto à personalidade do líder, perseguição de opositores pela polícia política e outros componentes tipicamente totalitários. Calcula-se que esses regimes assassinaram mais de 50 milhões de pessoas, superando os regimes nazi-fascistas.

Para pensar

“Comunistas defendem classe, nazistas defendem raça, fascistas defendem a nação. Todas essas ideologias – podemos chamá-las de totalitárias – atraem os mesmos tipos de pessoas” (Jonah Goldberg, Fascismo de Esquerda, p. 88.)



Bibliografia
Leitura essencial:


DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 75 a 78.
LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, 1ª parte, cap. 3.

Leituras complementares:
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política.
________. O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo.
________. A teoria das formas de governo.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível.
FINLEY, M. Y. Democracia antiga e moderna.
GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda.
ORWELL, George. 1984.
RIBEIRO. Renato Janine. A democracia (Coleção Folha Explica).
1984, de George Orwell.
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulo sobre Tocqueville.

Filme: A Onda (Die Welle). Alemanha, 2008. Direção e roteiro: Dennis Gansel (obrigatório, vai cair na prova).

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