quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Resumo 19 - Democracia representativa e semidireta

IV – Estado e Governo

2. Democracia direta, representativa e semidireta


“Nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem o seu consentimento" (Abraham Lincoln)


Introdução. Já vimos que democracia é o regime de governo em que prevalece a vontade do povo. Essa vontade pode ser expressa diretamente, como ocorria nas democracias antigas, ou por meio de representantes, como é mais freqüente nas democracias modernas. Também é possível a combinação da vontade popular com a intermediação de representantes.

Formas de Democracia. Conforme a forma da participação popular nas decisões mais relevantes do governo de um Estado, podemos classificar as formas de democracia como direta, semidireta e representativa. Essas formas de democracia podem ser praticadas de forma isolada ou cumulativamente.

Democracia direta. Democracia direta era a forma de democracia praticada na Grécia antiga, especialmente em Atenas, onde o povo debatia e decidia as questões mais importantes da polis em assembléias realizadas em praça pública, sem a intermediação de representantes. Hoje esse tipo de democracia só é praticado em pequenos cantões (estados federados) suíços (Landsgemeinde) e ainda assim de forma restrita, porque os assuntos não são amplamente discutidos, havendo uma preparação prévia pelas autoridades. Rousseau era um admirador da democracia direta, tendo escrito: “É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do parlamento; logo que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la” (Do contrato social, 1765).

Democracia Representativa. Devido à impossibilidade da reunião de um grande número de pessoas para a tomada de decisões e à desconfiança quanto à capacidade do povo de tomar decisões de governo, a democracia no Estado Moderno é predominantemente representativa, ou seja, o povo elege representantes para tomar as decisões em seu lugar. Prevaleceu, na democracia moderna, a opinião de Montesquieu, que escreveu: “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade (...) Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá.” (Montesquieu, O espírito das leis, 1748).

John Stuart Mill (1806-1873). Filósofo e teórico da política inglês, escreveu várias obras famosas, dentre as quais uma sobre o governo representativo. Segundo ele: “O único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser uma parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.” (O governo representativo, 1861).

Representação Política. A representação política pressupõe a escolha de representantes, aos quais é conferido um mandato. O mandato político foi inspirado no contrato de mandato do Direito Civil, através do qual uma pessoa nomeia outra para representá-la num ato jurídico.

Mandato imperativo. De início, o mandato político era imperativo, ou seja, havia vinculação do representante às instruções dos representados, que poderiam revogar o mandato caso houvesse desobediência ou infidelidade. Na França, por exemplo, essas instruções se chamavam cahiers de dolèance (cadernos de queixas).

Mandato livre. A partir da Revolução Francesa e dos escritos de Edmund Burke (1729-1797) na Inglaterra, o titular de mandato passa a ser visto como representante de todo o povo e não apenas dos seus eleitores, surgindo o mandato livre, pelo qual o representante não se vincula às instruções de seus eleitores. Segundo Burke: “O Parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados, mas uma assembléia deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo. Elegei um deputado, mas quando o haveis escolhido, ele não é o deputado por Bristol, e sim um membro do parlamento.” (“Discurso aos eleitores de Bristol”, 1774).

Características do Mandato Político. Atualmente, o mandato político é livre (não vinculado), geral (para qualquer assunto de competência do representante), autônomo (os atos do representante não dependem de confirmação), irresponsável (o representante não deve explicações por suas decisões) e irrevogável (com exceção do recall, que não existe no Brasil).

Democracia semidireta. A democracia semidireta é um meio-termo entre a democracia direta e a representativa. Nesse tipo de democracia o povo participa da tomada de decisões políticas, propondo, aprovando ou autorizando a elaboração de uma lei ou a tomada de uma decisão relevante pelo Estado. A atuação do povo, porém, não é exclusiva, pois ele age em conjunto com os representantes eleitos, que por sua vez vão elaborar, discutir ou aprovar a lei, conforme o instrumento de democracia semidireta que está sendo utilizado. É utilizada atualmente em combinação com a democracia representativa, que ainda prevalece. Muito usada em países como EUA e Itália, é rara no Brasil, que só a utilizou em 1963, 1993 e 2005 e em quatro leis de iniciativa popular.

Instrumentos da democracia semidireta. São instrumentos da democracia semidireta:
• plebiscito
• referendo
• iniciativa popular
• veto popular
recall

Plebiscito. Plebiscito (do latim plebiscitum: decreto da plebe) é uma consulta ao povo pelo qual este aprova ou não a elaboração ou a modificação futura de uma lei, uma emenda constitucional ou uma decisão governamental. Se houver aprovação, cabe ao poder competente a elaboração da medida. É importante notar que ele é anterior à lei ou à decisão governamental, que só serão elaboradas se houver aprovação popular. Exemplo: o plebiscito de 1993 sobre forma e sistema de governo. Caso fosse aprovada pelo povo a implantação da monarquia e/ou do parlamentarismo, a regulamentação caberia aos deputados e senadores, por meio de emenda à Constituição. É também por meio de plebiscito que se decide a criação de novos municípios e estados da Federação, como está sendo proposto em relação ao Pará.

Referendo. Referendo (do latim referendum: aprovação) é uma consulta feita ao povo sobre uma lei, emenda constitucional ou decisão governamental já elaborada pelo poder competente, mas ainda não vigente. Se houver aprovação, a medida entra em vigor. Note-se que o referendo é posterior à elaboração da medida pelos representantes. Exemplo: o referendo de 2005 sobre o desarmamento. Neste caso, a proibição da fabricação e da venda de armas já constava da lei, porém a sua vigência dependia da aprovação popular, o que não ocorreu.

Iniciativa popular. Na democracia representativa, o processo de elaboração de uma lei é iniciado por um projeto apresentado por um representante (membro do Poder Legislativo, chefe do Poder Executivo e do Judiciário, conforme o caso). A iniciativa popular é um instrumento de democracia semidireta que permite que o processo legislativo seja iniciado pelo do povo. Exige-se que um número relevante de eleitores (1% do eleitorado, no Brasil) assine o projeto. A partir daí, o processo legislativo segue seu trâmite normal, com discussão e deliberação pelo Poder Legislativo e veto sou sanção pelo Poder Executivo. Ex.: a Lei da Ficha Limpa.

Veto Popular. É um instrumento da democracia semidireta por meio do qual o povo pode vetar uma lei já aprovada ou revogar uma decisão judicial. Não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos.

Recall. O recall é a revogação do mandato político pelo povo. Colhendo-se um número de assinaturas determinado pela Constituição ou pela lei, convoca-se um recall, através do qual o eleitorado decide se um mandatário deve ou não ter o seu mandato cassado. Também não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos. Exemplo: na Califórnia, em 2003, o povo revogou o mandato do governador Gray Davis, considerado inepto, e elegeu Arnold Schwarzenegger. Há proposta para implantá-lo no Brasil, com o sugestivo nome de “Lei da Justa Causa”.

Deturpação da democracia semidireta. Embora sejam meios de aumentar a participação do povo em decisões importantes de governo, os instrumentos da democracia semidireta podem ser utilizados para legitimar medidas antidemocráticas, o que se faz mediante a manipulação da opinião pública com propaganda maciça e a intimidação da oposição, da imprensa e dos eleitores. É a clássica utilização de instrumentos da democracia para destruir a democracia. Exemplos: cesarismo, bonapartismo, nazismo e chavismo. Por isso é importante sempre lembrar esta lição: "É o eterno destino do indolente ver seus direitos se tornarem uma presa para o esperto. A condição sob a qual Deus deu a liberdade ao homem é a eterna vigilância" (Mr. T.P. Curran, Middle Temple, 1790).

Para pensar. Atualmente, com ampliação do acesso à internet, seria interessante a utilização pelos governos desse instrumento para a consulta popular, ampliando, assim, a participação do povo nas decisões políticas?

Bibliografia

Leitura essencial
:
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 79 a 83.

Leituras complementares:
WEFFORT, Francisco (org.), Os clássicos da política, vol. 2, capítulos sobre Burke e Stuart Mill.

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