segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Resumo 25 - Sistemas de Governo


IV – Estado e Governo


8. Sistemas de Governo: Parlamentarismo e Presidencialismo

Introdução. Segundo a Constituição brasileira e a maioria dos autores, os sistemas de governo são o Parlamentarismo e o Presidencialismo. Os sistemas se diferenciam basicamente quanto ao modo de funcionamento do governo e a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. No Presidencialismo, a separação entre os poderes é bem marcada, com ênfase na independência. No Parlamentarismo, vigora uma estreita cooperação entre os poderes, com ênfase na harmonia.

Parlamentarismo


“O parlamentarismo educaria os partidos e os partidos educariam o povo” (Paulo Bonavides)


Introdução. O Parlamentarismo é o sistema em que o Poder Executivo funciona em colaboração com o Legislativo e depende da confiança e da aprovação deste. Esse sistema foi implantando gradualmente durante séculos na Inglaterra, sendo fruto da evolução dos costumes políticos ingleses e não de uma formulação teórica. Essa evolução está ligada à história política da Inglaterra, em que o Parlamento, especialmente a Câmara dos Comuns, composta por representantes do povo, foi retirando do rei parcelas de seu poder originalmente absoluto. Na sua atual configuração, o Parlamento é a sede do Poder Legislativo, mas nele também funciona o Poder Executivo, chefiado pelo primeiro-ministro, que é o líder do partido majoritário.

Evolução histórica.
• 1213, o rei João Sem Terra, um monarca absolutista, cria um Conselho Privado, formado nobres, para o aconselharem
• 1215: João Sem Terra é obrigado a assinar a Magna Carta, em que reconhece direitos dos ingleses e aceita submeter a cobrança de impostos à aprovação dos representantes do povo
• 1265: criação do Parlamento (casa dos representantes do povo, sede do Poder Legislativo), após uma revolta de nobres chefiados por Simon de Monfort
• 1295: oficialização do Parlamento por Eduardo I
• 1332: separação do Parlamento em duas Casas: Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns
• 1640: guerra civil entre partidários do rei e do Parlamento, com vitória das forças parlamentares e execução do rei Carlos I
• 1649: instituição de uma república (na verdade uma ditadura) liderada por Cromwell
• 1660/1688: restauração da monarquia
• 1688/89: Revolução Gloriosa, com a prevalência do Parlamento sobre a Coroa e a criação do Gabinete (Conselho de Ministros), composto por parlamentares, para auxiliar o rei;
• 1689: o príncipe holandês Guilherme de Orange assume a coroa após assinar um Bill of Rights (carta de direitos do povo inglês), que representa o fim do absolutismo na Inglaterra
• 1714: assunção do príncipe alemão Jorge de Hanover como rei e de Lorde Walpole como chefe do Gabinete de Ministros (“primeiro ministro”)
• o rei, que não falava inglês e não se interessava pela política inglesa, deixa de ir ao Parlamento e começa a se afastar das decisões políticas, assumidas pelo primeiro-ministro
• separação entre a Chefia de Estado (rei) e a Chefia de Governo (primeiro-ministro)
• 1782: demissão do primeiro-ministro Lorde North por pressão do Parlamento, após o fracasso na guerra de independência dos EUA
• exigência da concordância da Câmara dos Comuns para a nomeação do Primeiro-Ministro
• surgimento da responsabilidade política (o Gabinete cai se perder a confiança do Parlamento)
• século XIX: praxe de o primeiro-ministro ser indicado pelo partido majoritário na Câmara dos Comuns
• o rei passa a arbitrar as crises entre o Gabinete e o Parlamento, podendo aconselhar a demissão do primeiro ou a dissolução do segundo, convocando eleições antecipadas
• enfraquecimento da Câmara dos Lordes
• consolidação do Parlamentarismo na Inglaterra e sua implantação em outros países europeus
• século XX: o Parlamentarismo é o sistema mais utilizado nos Estados democráticos, sendo compatível tanto com a Monarquia (ex.: Espanha, Noruega, Japão etc.) como com a República (ex.: Alemanha, Portugal, Itália etc.)


Características principais. Após essa lenta evolução histórica, o sistema parlamentarista desenvolveu as seguintes características básicas, que podem variar de país para país:

a) Distinção entre chefe de Estado e chefe de Governo:
• o chefe de Estado é o rei ou o presidente da República, que tem a função de representar o Estado e servir como árbitro das disputas políticas, nomeando ou aconselhando a demissão do primeiro-ministro e do Gabinete, aprovando a dissolução do Parlamento e convocando eleições antecipadas (“o rei reina, mas não governa”; “o presidente preside, mas não governa”)
• havendo presidente da República, é recomendável que este tenha um mandato longo e seja eleito indiretamente
• o chefe de Governo é o primeiro-ministro (também chamado de chanceler ou premiê), que deve ser o líder da maioria no Parlamento e formar o Gabinete de Ministros com membros dessa maioria

b) Chefia do Governo com responsabilidade política:
• o primeiro-ministro precisa manter a liderança da maioria parlamentar para continuar no cargo
• onde não prevalece o bipartidarismo de tipo inglês, o governo deve ser formado por uma coalizão de partidos que represente a maioria do Parlamento; se isso não for possível, o Parlamento é dissolvido e são convocadas novas eleições
• o primeiro-ministro e o Gabinete participam das sessões do Parlamento, prestando contas e sendo interpelados constantemente
• caso alguma medida do Governo seja rejeitada pelo Parlamento, o primeiro-ministro pode pedir um voto de confiança para demonstrar que ainda lidera a maioria do Parlamento; se o voto for rejeitado, o Gabinete deve se demitir
• qualquer parlamentar pode pedir um voto de desconfiança ao Gabinete, que, se for aprovado, tem o mesmo efeito da rejeição do voto de confiança (o Gabinete deve se demitir)

c) Possibilidade de dissolução do Parlamento:
• perdida a confiança do Parlamento, o Gabinete deve renunciar; porém, o primeiro-ministro, sentindo que maioria do Parlamento não representa a opinião pública predominante, também pode ao chefe de Estado a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas
• esse mecanismo faz com que o Legislativo também aja com responsabilidade política

d) Outras características do Parlamentarismo:
shadow cabinet: a oposição tem grande importância e, normalmente, mantém um “gabinete sombra”, com parlamentares especialistas em diversas áreas, para fiscalizar o Gabinete e sempre pronto a assumir, caso o governo caia
fair play (jogo limpo): valorizado e praticado entre situação e oposição, devido à possibilidade constante de alternância no poder, por queda do governo ou dissolução do Parlamento
• burocracia estável e meritocrática, com poucos cargos de livre nomeação, em razão da permanente possibilidade de alteração do partido ou coalizão no governo

Espécies. A doutrina identifica as seguintes espécies principais de Parlamentarismo:
Parlamentarismo Dualista (ou clássico): o Chefe de Estado tem algumas atribuições políticas e o primeiro-ministro depende também da sua confiança (praticado no início do Parlamentarismo inglês)
Parlamentarismo Monista: o Chefe de Estado não atribuições políticas e apenas arbitra as disputas políticas (sistema inglês atual)
Sistema francês (ou “semi-presidencialismo”): o Chefe de Estado (presidente da República) tem muitas atribuições políticas e de governo

Parlamentarismo no Brasil. O Brasil viveu duas experiências parlamentaristas. A primeira foi durante o 2º Reinado, implantado informalmente, porque não estava previsto na Constituição, e chamado de “Parlamentarismo às avessas”, porque o imperador escolhia livremente o primeiro-ministro, independentemente do resultado das eleições, e podia dissolver o Parlamento quando bem entendesse. Em 1961, o Parlamentarismo foi implantado às pressas por emenda constitucional para superar as resistências dos militares à posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros. Goulart nunca se conformou com isso e, em 1963, conseguiu convocar um plebiscito em que o povo majoritariamente votou pelo retorno do sistema presidencialista, o que precipitou o golpe militar de 1964. Em 1993, por determinação da Constituição de 1988, foi convocado um novo plebiscito, e o povo novamente optou pela permanência do Presidencialismo.

Prós e contras. Em favor do Parlamentarismo, argumenta-se que se trata de um sistema mais democrático, na medida em que exige uma sintonia constante com a opinião pública, racionaliza o poder, é menos personalista, valoriza o debate político e favorece os políticos mais capacitados. Contra esse sistema argumenta-se com a fragilidade e a instabilidade dos governos. Para os seus defensores, porém, a flexibilidade do sistema é vantajosa, porque garante mecanismos racionais de resolução das crises, sem revoluções, sem traumas e sem quebra da legalidade. Alguns também apontam o constante debate como um empecilho à eficiência do governo.


Presidencialismo

“O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo (...) o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimes” (Ruy Barbosa).

Introdução. No sistema presidencialista, há uma separação mais marcada entre os Poderes Executivo e Legislativo, pois a ênfase é na independência dos Poderes. O presidente da República acumula as funções de chefe de Estado e de Governo, tem mandato fixo e não depende da confiança do Parlamento.

Origem. O Presidencialismo é uma criação norte-americana, tendo sido introduzido pela Constituição de 1787, sob a influência da teoria da separação de poderes de Montesquieu e da repulsa à monarquia inglesa. O presidente seria uma espécie de rei com mandato temporário. Dali espalhou-se para os demais Estados das Américas e depois para outros países.

Características.
a) Chefia de Estado e de Governo exercidas pela mesma pessoa: o presidente da República acumula as duas funções
b) Chefia unipessoal do Executivo: os ministros são meros auxiliares do presidente, nomeados e demitidos livremente por ele e sem responsabilidade política perante o Parlamento
c) Eletividade do presidente: o presidente é eleito para o cargo, diferentemente do primeiro-ministro, que é escolhido por ser o líder da maioria no Parlamento
d) o presidente tem mandato com prazo determinado: o presidente governa por um prazo fixo e não tem responsabilidade política, perdendo o cargo apenas se cometer crime político e sofrer impeachment (condenação pelo Poder Legislativo)
e) o presidente participa do processo legislativo pelos poderes de iniciativa e de veto: o presidente pode mandar projetos de lei ao Legislativo e vetar as leis aprovadas por este, mas não participa dos debates durante o processo

Prós e Contras. Em favor do Presidencialismo, argumenta-se com a estabilidade do governo, o fortalecimento e a independência do Poder Executivo e a maior eficiência de um governo que não necessita debater constantemente suas decisões no Parlamento. Contra o Presidencialismo, argumenta-se com a falta de responsabilidade política do presidente, que continua no cargo mesmo se seu governo for medíocre ou incompetente. Como não precisa de maioria no Parlamento para formar o Gabinete, o presidente precisa formar e manter essa maioria posteriormente para ter seus projetos aprovados, o que normalmente se faz com a negociação de cargos com os partidos da base governista (no Brasil, essa prática foi chamada pelo cientista político Sergio Abranches de “presidencialismo de coalizão”). O Presidencialismo também é caracterizado pelo chamado spoils system (sistema de espólios), também conhecido como patronage system, instituído nos EUA por Andrew Jackson (1829-1837). Trata-se, segundo Max Weber, da atribuição de todos os postos da administração federal ao séquito do candidato presidencial vitorioso. Ainda segundo seus críticos, o Presidencialismo é personalista e concentra poderes excessivos nas mãos do presidente, possibilitando a expressão de tendências autoritárias, como constantemente ocorre na América Latina, caracterizada pelos chamados “caudilhos”. O cientista político argentino Guillermo O’Donnell denominou essa tendência latino-americana de “democracia delegativa”, pois, uma vez eleito, o presidente não sofre controles efetivos dos demais Poderes. Esse excesso de poderes do presidente, que também ocorre em países asiáticos, como Rússia de Putin, é chamado de “Hiperpresidencialismo” pelo cientista político Sérgio Fausto. Enfim, os críticos do Presidencialismo argumentam que ele só funciona bem nos EUA.

Para pensar. Você acha que o Parlamentarismo seria o sistema de governo mais adequado para o Brasil?

Bibliografia

Leitura essencial
:
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 126 a 133.

Leituras complementares:
BONAVIDES, Paulo. Paulo. Ciência Política, Caps. 21 e 22.
CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, Forense, Parte I, Cap. I.
CHURCHILL, Winston. História dos povos de língua inglesa, Vol. 3, Livro VIII.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, Caps. XLIII e XLIV.

Filme: “As Loucuras do Rei George” (The Madness of King George, Inglaterra, 1994).

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