sábado, 15 de setembro de 2007

Ministro Celso de Mello fala sobre o sigilo no Congresso

O ministro José Celso de Mello Filho, paulista de Tatuí, foi promotor de Justiça em São Paulo antes de ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo presidente José Sarney, sendo hoje o membro mais antigo da corte. É um dos mais cultos juristas do país. Suas decisões no STF são verdadeiras aulas de Direito Constitucional e Ciência Política. Nesta entrevista, concedida ao jornal O Estado de São Paulo, ele comenta o voto secreto no Congresso Nacional, como aconteceu na última quarta-feira, em que, além do voto, a própria sessão do Senado foi cercada de segredo, o que possibilitou a vergonhosa absolvição do senador Renan Calheiros, sem que os eleitores pudessem saber como votaram seus representantes.

Em entrevista, Celso de Mello afirma que publicidade dos atos públicos é valor básico da democracia

“A exigência de publicidade representa um dos valores básicos sobre o qual se estrutura o regime democrático em nosso país”. Com essas palavras, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), sintetizou a decisão do Plenário do Supremo de referendar a liminar do ministro Ricardo Lewandowski no Mandado de Segurança (MS 26900), ocorrida ontem (12). Com a decisão, 13 deputados federais puderam acompanhar a sessão do Senado Federal, ocorrida também na tarde de ontem, em que foi rejeitado projeto do Conselho de Ética que pedia a cassação do mandato do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), presidente daquela casa. A entrevista de Celso de Mello aconteceu no intervalo da sessão plenária do STF na tarde desta quinta-feira (13).

Publicidade

Para o ministro, é da essência da prática democrática a visibilidade do exercício do poder. “Não há no regime democrático possibilidade de se preservar ou de se cultuar o mistério”, resumiu Celso de Mello. A publicidade das deliberações estatais agiria como um fator de legitimação de todas as decisões que os órgãos do estado proferem. Ele enfatizou que o Poder Judiciário dá o exemplo, já que seus julgamentos são realizados sob permanente fiscalização da opinião pública, através dos meios de comunicação. A decisão do STF, referendando a liminar conferida pelo ministro Ricardo Lewandowski no MS 26900, resguardou o valor constitucional, “inerente ao próprio estado democrático de direito”, que é o requisito da publicidade.

Conhecedor profundo da história brasileira, o ministro lembrou que a questão do debate em torno da publicidade das sessões legislativas já se dava na Assembléia Geral Constituinte, em 1823. “Lá, então, já se debatia a questão do voto secreto, das sessões secretas no âmbito da Assembléia Geral, que era o equivalente imperial do Congresso Nacional Republicano”, explicou Celso de Mello.

Interferência no Poder Legislativo

Questionado sobre se teria havido interferência do Poder Judiciário em matéria de cunho interno do Legislativo, o ministro também recorreu à história para lembrar que o STF firmou, desde o final do século XIX, jurisprudência que pauta as relações institucionais entre o Poder Judiciário e os demais poderes da República. “Toda vez que se invocar alegação de ofensa a um preceito constitucional ou a uma garantia constitucional, estará presente a questão jurídica e afastada qualquer alegação de que o ato em si traduziria uma manifestação interna corporis, de caráter eminentemente político”, frisou.

O exercício de sua jurisdição constitucional pelo STF, nos casos em que se alega ofensa a qualquer prerrogativa constitucional, observa estritamente o princípio da divisão e separação de poderes, salientou. “Não há, portanto, e nem se poderia cogitar, de interferência indevida do STF na esfera institucional de outro poder”.

O ministro ainda recordou diversos casos em que senadores e deputados federais recorreram ao STF, com o uso de mandados de segurança, ocasiões em que o STF reconheceu a existência, no âmbito do parlamento, do direito das minorias, “direito que vinha sendo muitas vezes ignorado, não observado, e que o respeito foi restaurado pelas decisões do STF”.

Sobre esse assunto, Celso de Mello resumiu seu pensamento dizendo que “não há ofensa ao princípio da separação de poderes quando o STF faz restaurar uma prerrogativa constitucional alegadamente violada por ato emanado de qualquer órgão ou autoridade do estado”.

Sessão secreta

A votação secreta nos casos de cassação de mandatos é uma exigência constitucional que a decisão do STF, ao referendar a liminar do ministro Ricardo Lewandowski, preservou. Mas o ministro disse que o ideal seria que, à semelhança do que ocorre no âmbito do Poder Judiciário, em particular na esfera do STF, “as votações se processassem de maneira, clara, aberta e transparente”. Para o ministro, o cidadão tem o direito de saber como se comportam, como agem e como decidem não apenas os seus representantes políticos, mas todos os agentes do Estado, estejam eles atuando no âmbito do Poder Executivo, do Poder Legislativo, ou do Poder Judiciário.

O ministro ressaltou que para se afastar o caráter sigiloso da votação, que é algo excepcional, há a necessidade de uma reforma constitucional, “matéria que depende da apreciação soberana do Congresso Nacional”. Ele ressaltou, no entanto, que existem exemplos na própria Constituição que recomendam ao Congresso Nacional “que ele se abra, e se abra plenamente, de maneira absolutamente transparente ao escrutínio público, à fiscalização do corpo social. Não há razão para que se mantenha o sigilo do ato de votação”.

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