sexta-feira, 20 de abril de 2007

Ministro Mangabeira Unger e a questão nacional

Roberto Mangabeira Unger é um pensador brasileiro que fez carreira brilhante na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, nos EUA. Crítico do neoliberalismo e da esquerda tradicional, é um dos pensadores mais respeitados do mundo, embora pouco conhecido no Brasil. Sempre procurou aliar a atividade intelectual à prática política, apoiando, no passado, Leonel Brizola e Ciro Gomes. Apoiou a primeira eleição de Lula no segundo turno mas tornou-se um severo crítico da rendição desse governo às imposições do capital internacional e da corrupção que tomou conta do palácio do Planalto. Mesmo assim, foi convidado e aceitou participar do ministério do segundo governo Lula, ocupando uma pasta que trata de assuntos estratégicos e de planejamento a longo prazo. Há quem, de forma ligeira, o condene por essa atitude. Eu prefiro acreditar que esse pensador honesto e bem-intencionado aceitou participar de um governo do qual discorda por ser um patriota e por enxergar aí uma possibilidade de implementar algumas de suas instigantes idéias. Abaixo, vai o mais recente artigo publicado por Mangabeira Unger na coluna que mantém na Folha de S. Paulo há quase 10 anos. Trata da questão nacional, que será tema uma das nossas próximas aulas.

A questão nacional

Uma questão ultrapassa em importância todas as outras no Brasil de nossos dias: a questão nacional. Para que o país se construa e alcance o tipo de desenvolvimento que quer, afirmando dentro da humanidade personalidade própria e desbravando rumo certo, precisamos superar o que tem sido nossa maior fraqueza.
É a mentalidade de Vichy, que predomina -e que quase sempre predominou- entre nossas classes abastadas e imperantes.
No Brasil, quem inveteradamente se identificou com a nação foi o povo pobre, trabalhador e mestiço.
A classe média oscilou entre a rebeldia nacional e o espírito de rendição. E os ricaços e ilustrados, em grande maioria e em todas as épocas da história brasileira, inclusive a atual, nunca creram na originalidade do Brasil. Viram o país muitos, e o vêem hoje, como lugar onde a doçura e o atraso vivem casados. Segundo eles, com os indispensáveis préstimos e heranças pode levar-se no Brasil vida agradável, porém atribulada por atraso em consolidar os hábitos e as instituições de países mais exitosos e menos suaves.
Essa falta de identificação com o Brasil por parte dos que podem e sabem não é apenas desastre, é também anomalia. Na história dos grandes países modernos, a afirmação nacional tem sido comumente projeto das elites, sobretudo das elites do poder e do pensamento. A tal projeto só depois se costumam converter as maiorias.
Entre nós, as maiorias não precisaram ser convertidas. E não conseguiram converter os endinheirados, os letrados e os mandões.
A forma característica do descomprometimento com o Brasil hoje é cosmopolitismo frívolo, comodista, acovardado, orgulhoso de sua desilusão e, sobretudo, ignorante. Ignorante do papel decisivo que a confiança na originalidade coletiva e a busca de caminho novo desempenharam na formação dos países a que esses mesmos desiludidos se curvam. O colonialismo mental encontra pretextos no discurso da globalização e instrumentos nos fatalismos que proliferam nas ciências sociais.
É hora de fazer guerra contra a doutrina da rendição perpétua.
Nunca se reuniram tantas condições favoráveis à vitória da tese nacional acalentada pela maioria. O Brasil está a um passo de construir as bases de desenvolvimento socialmente includente. A ascensão da China e da Índia nos cria mais oportunidades do que dificuldades.
O governo central não está mais em mãos de gente que desacredita no país. Os fatalismos estão intelectualmente desmoralizados. A nação fervilha, espera e exige.

www.robertounger.net

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