segunda-feira, 28 de maio de 2007

O preço da Liberdade é a eterna vigilância

Uma preciosa lição em tempos de Hugo Chávez:

“It is ever the fate of the indolent
to find their rights become a prey
to the active. The condition upon
which God hath given liberty to man
is eternal vigilance”

Mr. T.P. Curran, Middle Temple, 1790

Do Blog do jornalista Reinaldo Azevedo:

Caracas, Brasília

Quem me acompanha desde Primeira Leitura sabe que sempre chamei Hugo Chávez de ditador, com a variante “O Maluco de Caracas”. O que se lê no post abaixo não tem disfarce nem leitura alternativa possível: trata-se da consolidação da ditadura. Mais: o país caminha para o regime de partido único. O coronel vai criar o “socialismo venezuelano”? Isso importa pouco: ele impõe a agenda possível da esquerda. Se o possível for o populismo autoritário, que seja.

Se vocês forem fazer uma pesquisa, algumas cabeças coroadas da mídia brasileira — geralmente coroadas por um belíssimo par de orelhas — escreveram artigos e mais artigos em que negavam que o coronel fosse um ditador. E o argumento da canalha era o seguinte: “Pô, ele faz tudo por meio de eleições”. O meu contra-argumento, à época, era tristemente óbvio: “A democracia é porosa às tentações antidemocráticas; o que Chávez faz é recorrer aos instrumentos da democracia para solapá-la: essa é a forma que tomou a luta da esquerda nos países democráticos”. Bingo. Está aí. Leitores mandaram comentários me informando que os Emirados Sáderes estão aplaudindo a decisão. Não tenho a menor dúvida. Fosse só ele. Parte do jornalismo está em festa e sonha o mesmo para o Brasil: quem sabe um dia o lulo-petismo exproprie a Rede Globo! Eles próprios sabem que essa hipótese é remota. Os meios do Apedeuta e de seus asseclas iluministas são outros — o que não quer dizer que não sejam perversos.

Isso precisa ser entendido com calma e, infelizmente, nem sempre o é. Nem mesmo pelo Departamento de Estado dos EUA, que não é especialmente informado sobre o Brasil e seu presidente. Chávez armou o carnaval que armou na Venezuela porque a institucionalidade do país permitia, já que ele chegou à esteira de uma desconstituição da classe política. Mais ainda: ex-golpista, o sistema decidiu anistiá-lo, benefício que ele, evidentemente, não daria e não deu a seus opositores. A justificativa política para expropriar a RCTV é que ela apoiou a tentativa de derrubá-lo — vejam quem fala: Chávez, um golpista. Mas volto à questão institucional.

Lula chegou ao poder e encontrou instituições bem mais sólidas. Enquanto a democracia ia se degenerando e derretendo no continente, ela só foi se fortalecendo nos oito anos de mandato de FHC. De modo que o PT não pôde promover o assalto ao poder que muitos de seus seguidores imaginavam. Isso criou tensões dentro do partido. Alguns de seus intelectuais, como Chico de Oliveira, por exemplo, decidiram pular fora, romper com a legenda. Queriam um Chávez e só encontraram um Lula. Ocorre que Chávez pode ser Chávez na Venezuela, e Lula só pode ser Lula no Brasil — o que não quer dizer grande coisa ou coisa boa. Lula não é Chávez porque não pode, não porque não queira. Fique-se num exemplo comezinho e óbvio: a nossa economia é muito mais complexa e não está fundada na monocultura. O país tem mercado de capitais, o que é incipiente na Venezuela. Como se pôde ver por aqui, ou Lula demonstrava ser um bom aluno do, digamos, “conservadorismo econômico”, ou quebrava a cara.

Mas é, por isso, um democrata invejável? Conversa pra boi dormir. Em quatro anos e meio de poder, o partido já tentou, por exemplo, cercear a liberdade de imprensa algumas vezes. As duas tentações da hora são a TV Pública, aquela, de Franklin Martins, e a portaria 264, que reinstitui a censura prévia no país e chama para si a tarefa de monitorar até o jornalismo, o que ficaria a cargo daquele rapaz a quem quero pagar um Chicabon — como é mesmo o nome dele? Ah, eu sei. Os orelhudos diziam ser tecnicamente incorreto chamar Chávez de ditador há quatro anos. E dizem agora que é forçar a barra ver uma tentação autoritária embutida na “TV Pública” ou na tal portaria

A verdade é que, nos dois casos, nota-se a intenção de disciplinar a mídia, que estaria muito solta, fazendo o que lhe dá na telha, exercendo a liberdade de opinião e de crítica, o que é absolutamente inaceitável a essa gente toda. E por quê? Porque eles são os herdeiros de um tipo de pensamento que supõe ter alcançado um degrau superior da razão, de onde vislumbram o futuro e a civilização. Se você não partilha dessa mesma vertigem, não se trata de diferença — nem mesmo de um equívoco, mas de uma sabotagem; você perde o direito de existir como voz autônoma.

Lula não é melhor do que Chávez. O Brasil é que é muito melhor do que a Venezuela. Por enquanto. Mas o PT promete fazer um grande esforço para mudar isso.

http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/

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