sábado, 5 de maio de 2007

Uma visão solidarista do bem comum

Parece que adivinhando o tema da nossa última aula, na qual tratamos do bem comum como a finalidade do Estado, a ótima colunista Rosely Sayão, da Folha de S. Paulo, critica em seu mais recente artigo a visão individualista que impera em nossa sociedade e que impede as pessoas de pensar coletivamente e agir de forma solidária, como pertencente a um grupo. Sem ter lido a teoria solidarista de Groppali, a colunista acaba dando bons exemplos de solidariedade social, cujo estímulo é a finalidade do Estado (teoria dos fins relativos), segundo o autor italiano.

Agir coletivamente

Rosly Sayão

Na sala de professores de um colégio, na hora do intervalo, os mestres conversam sobre os alunos de uma turma. Na verdade, eles reclamam: o grupo é agitado, disperso, não respeita os prazos para a entrega dos trabalhos, não cumpre com os deveres de casa, são desrespeitosos na convivência barulhenta que travam entre si e com os educadores etc.
Um professor afirma que decidiu tomar providências extremas: conversou com o coordenador do ciclo e vai passar a enviar os alunos que considera os "cabeças" da desorganização da sala para uma conversa e, possivelmente, uma exemplar punição. Outro diz que decidiu apertar os alunos no conteúdo e endurecer nas provas. Uma professora, mais tranqüila, informa que consegue ter a atenção deles e que, nos momentos de agitação, tenta acalmá-los com uma atividade diferente. Um colega reage com ironia e, assim que esta sai da sala, comenta que a aula dela é a mais barulhenta do corredor.
Cada mestre busca uma saída para enfrentar o caos da sala de aula, mas cada um deles pensa e age solitariamente: nenhuma proposta de ação coletiva e solidária é considerada. Uma outra cena, parecida em sua estrutura com essa primeira, ocorre diariamente nas ruas da cidade: num cruzamento em que o trânsito pára por minutos, um grupo aproveita para assaltar carros. Os assaltantes têm tempo até para escolher as vítimas, e quase todos os que estão presos nos veículos sabem o que está para acontecer.
Por alguns instantes, aqueles carros e seus condutores formam um grupo, mas, novamente, a resposta que têm é individualizada: um assegura que as portas estão trancadas, outro se tranqüiliza porque está num carro blindado e todos ficam impotentes, torcendo apenas para que o trânsito flua. Não passa pela cabeça de ninguém uma reação coletiva. Numa conversa com uma amiga, ela se perguntava se, no recente massacre ocorrido em uma universidade dos Estados Unidos, não teria sido possível salvar algumas vidas se professores e alunos tivessem tentado uma ação coletiva. Talvez sim, talvez não, mas o fato é que não pensamos nessa possibilidade simplesmente porque cada indivíduo se responsabiliza só por gerenciar a própria vida.
É: em tempos de individualismo, quem não pensa só em si pode se transformar em herói em raras situações -caso do professor que protegeu alunos no massacre citado e de alguns trabalhadores que devolveram dinheiro encontrado no espaço público- ou, mais freqüentemente, em ameaça, já que muitos sentem que quem busca proteger o bem comum fere a liberdade individual. Um grupo de pais que conheço fez uma campanha pelo respeito às leis do trânsito nos arredores da escola dos filhos. Foram muito mal recebidos pelos pais que param em fila dupla e estacionam em local proibido. Cada um julga ter um bom motivo pessoal para agir assim.
O problema é que, ao vivermos na lei do "cada um por si". deixamos de ter o sentimento de pertença, esquecemos que somos interdependentes e perdemos a noção de que buscar o bem comum resulta em benefícios para cada indivíduo.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0305200718.htm

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ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br

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