domingo, 21 de outubro de 2007

Ruy Fabiano fala do Parlamentarismo

Renan e o colapso do Presidencialismo
(Por Ruy Fabiano)

O impasse em torno do caso Renan Calheiros, que paralisa o Senado brasileiro há cinco meses, mostra, de maneira eloqüente, as deficiências e disfuncionalidades de nosso sistema político.
Em meados do mandato anterior de Lula, entre junho de 2005 e outubro de 2006, o país viveu perplexidade ainda mais prolongada, com o episódio do mensalão, que povoou o Congresso de CPIs e o transformou em uma delegacia de polícia.
O país precisa identificar e punir corruptos. O Congresso é uma de suas mais importantes instâncias investigativas. Mas é preciso conciliar tudo isso com o pleno funcionamento de suas atividades ordinárias. E isso claramente não tem ocorrido.
Agora mesmo, PSDB e DEM afirmam que vão obstruir sessões do Senado e do Congresso presididas por Renan, o que é expediente legítimo de pressão, não obstante os transtornos funcionais que ocasiona e a ineficácia de resultados até aqui.
Os mesmos partidos ameaçam derrubar a CPMF se Renan não renunciar. Aí já se trata de um equívoco. A CPMF terá que ser aprovada ou derrubada por seus méritos ou deméritos – e não em função de algo que lhe é estranho – no caso, Renan Calheiros.
São distorções que decorrem da distorção maior, que é a disfuncionalidade e imobilidade do sistema presidencialista, distorções que permeiam e contaminam toda a atividade política, contribuindo para aprofundar seu descrédito perante o público.
No sistema parlamentarista, crises como a de Renan Calheiros ou a do mensalão implicariam a imediata deposição do gabinete e a eleição de um novo governo. As denúncias seriam investigadas em âmbito próprio, sem afetar a governabilidade.
No presidencialismo, as coisas se misturam e se interpenetram. No caso do mensalão, o próprio presidente da República era objeto de suspeita e investigação. Acabou poupado por ser o presidente da República – e não por ter sido constatada sua inocência.
Alguém tem dúvida de que o procurador da República excluiu o presidente Lula da relação dos indiciados entregue ao Supremo Tribunal Federal para evitar que a crise atingisse o paroxismo?
Lá estavam companheiros de décadas de jornada política de Lula, colocados em posição estratégica em seu partido e em seu governo, como José Dirceu, apelidado de Superzé e exercendo informalmente a função de primeiro-ministro.
Não bastassem essas evidências, Superzé as verbalizou, ao declarar mais de uma vez, categoricamente, que “tudo o que fiz foi com o consentimento do presidente”.
Tanto bastaria, tratando-se de personagem de tal porte – chefe da Casa Civil da Presidência da República -, para incluir o presidente da República no topo da relação do procurador-geral. Mas o presidencialismo concentra tais poderes nas mãos do presidente que afastá-lo ou indiciá-lo equivale a provocar um cataclisma político.
No parlamentarismo, não. A queda de governo é prevista com naturalidade, assim como sua substituição. Faz parte da rotina. Os mandatos não são de quatro anos, mas de até quatro anos.
A partir de situações especificadas em lei, o gabinete (o governo) pode decair da confiança e ser desfeito, sendo convocadas novas eleições para substituí-lo. Nos dois casos citados – mensalão e Renan -, o gabinete teria sido imediatamente desfeito e outro governo, desvinculado dos temas da crise, seria eleito e empossado.
Seria mantida assim não apenas a funcionalidade das instituições, mas sobretudo sua credibilidade. Não se confundiria a instituição – a importância de seu papel - com a conduta de seus eventuais integrantes.
Renan Calheiros não é o Senado – apenas está no Senado. Isso, no entanto, não é tão claro num sistema que lhe permite presidir seu próprio rito processual, indicando e afastando relatores, retendo ou acelerando os trâmites, mantendo-se indiferente ao clamor do público e de seus pares para que renuncie.
A tendência do cidadão comum é acreditar que a instituição parlamentar é ineficaz e está inapelavelmente comprometida. Passa a descrer da política em si, como instrumento de gestão dos conflitos e interesses coletivos, esquecendo-se de que surgiu na história humana como alternativa à guerra e à barbárie.
É, portanto, uma conquista da civilização.
Não há caldo de cultura mais propício ao discurso autoritário. Não é casual que o caso Renan tenha provocado, como efeito colateral imediato, a proposta de extinguir o Senado Federal e estabelecer no país o sistema unicameral, mais fácil de ser manipulado e constrangido por um Executivo de índole totalitária.

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=76965&a=112

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